Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, setembro 21, 2010

Renato Buscariolli de Oliveira, preparador físico e especialista em Treinamento Desportivo

Professor que atuou na base de clubes paulistas discorre sobre o estímulo da autonomia em jovens

Bruno Camarão

“O futebol encontra-se em uma fase de transição no que diz respeito aos modelos de treinamento”. O apontamento realizado por Renato Buscariolli de Oliveira, Bacharel e Licenciado em Treinamento Desportivo pela Faculdade de Educação Física da Unicamp, deve ser levado em consideração. Além da formação especializada nessa área específica, o jovem docente tem a experiência cotidiana em departamentos de formação de clubes brasileiros e o contato com uma série de profissionais ligados às ciências do esporte.

Na avaliação de Buscariolli, os modelos de treino estão cada vez mais específicos – em outras palavras, mais inseridos na realidade do jogo, respeitando um princípio tradicional do treinamento desportivo: a especificidade. Assim, indica, o modelo fragmentado está aos poucos sendo substituído pelo integrado. Um caminho que o Professor Adjunto do Curso de Especialização em “Bioquímica, Fisiologia, Treinamento e Nutrição Desportiva” oferecido pelo Laboratório de Bioquímica do Exercício (Labex) vê com bons olhos.

Preparador físico em categorias de base na modalidade desde 2006, atuou nesta função e como assistente técnico em times do sub-11 ao sub-20 do Paulínia Futebol Clube. Na equipe interiorana do Estado de São Paulo, desenvolveu com um grupo especial o conceito de "Periodização Integrada", cujo objetivo maior foi trabalhar as diversas capacidades físicas inerentes ao futebol de forma sistematizada e controlada em contexto de jogo.

Após o alcance de alguns resultados, com respectiva produção de material científico, migrou em 2010 para a Ponte Preta, de Campinas, agremiação na qual trabalhou como preparador físico do sub-15, categoria que merece uma atenção diferenciada.

“Essa fase é transiente e requer paciência e consciência tanto por parte dos atletas como pela comissão técnica responsável para que esta não cometa nenhum equívoco privilegiando atletas com maturação precoce em detrimento dos mais tardios, visto que os últimos podem apresentar maior potencial do que os primeiros”, justificou Buscariolli, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.

A obtenção de êxito nesse processo, então, passa pelo significado dado aos treinos, bem como a conscientização da importância de cada um dos jovens, desde a necessidade de se trabalhar a perna não-dominante até o papel profilático do trabalho de força dentro da sala de musculação. Mas nem sempre a realidade é reproduzida nas agremiações.

“Infelizmente, não há uma real preocupação didática em explicar e discutir o significado dos treinos com os atletas. Isto é fruto de um processo cultural, uma vez que os jovens atletas encontram-se em uma escala hierárquica mais baixa e isso não lhes dá o direito de questionar, sendo passível de punição aquele que o faz”, afirmou o futuro mestre – o projeto orientado pelos doutores Denise Vaz de Macedo e Rodrigo Hohl, relacionado ao overtraining, está em fase final.

Entre outras temáticas, Buscariolli fala ainda sobre o desenvolvimento de jogos que facilitam a aprendizagem da estruturação do espaço e a comunicação nas ações, aspectos da pedagogia do treinamento e como alimentar a autonomia dos atletas diante da comissão técnica.

“Para estimular que os jovens atletas exerçam desde cedo a tomada de decisão é preciso montar treinos que levem a isso desde o início do processo de formação. Desta forma, de maneira geral, treinos em contexto de jogo cumprem esta função, já que a todo o momento o atleta decide o que fazer na interação com seus companheiros de equipe e adversários”, disse.
Universidade do Futebol – O jogo de futebol não é feito apenas de fundamentos, movimentos técnicos, sendo a relação com a bola apenas uma das competências essenciais dessa prática. Como desenvolver esses mesmos jogos facilitando a aprendizagem da estruturação do espaço e da comunicação na ação?

Renato Buscariolli – As competências essenciais (“relação com a bola”, “estruturação do espaço” e “comunicação na ação”) do jogo de futebol são inerentes ao jogo, ou seja, acontecem o tempo inteiro. Desta forma, como estão presentes em toda e qualquer situação de jogo (i.e jogos reduzidos e com regras adaptadas), as mesmas podem ser desenvolvidas a partir do direcionamento das regras nos jogos pré-desportivos ou até mesmo pela abordagem do treinador.

Neste sentido, em um nível geral (básico), jogos que possuam diferentes alvos podem ser utilizados para potencializar a estruturação do espaço enquanto que jogos que enfatizem a utilização da perna não-dominante podem ser utilizados para otimizar a relação com a bola.

Logo, a relação com a bola, pode ser (e é) desenvolvida em conjunto com as outras competências essenciais, desde que se utilize situações de jogo. Caso contrário, tanto a estruturação de espaço como a comunicação na ação deixarão de ser exploradas, enfatizando apenas a relação com a bola sem uma tomada de decisão, ou seja, sem uma intencionalidade (ação motora por si), algo que não acontece no jogo.


Em 2010, Buscariolli atuou na preparação física dos jovens atletas da Ponte Preta; experiência anterior foi no rival Guarani e no Paulínia

Universidade do Futebol – O fato de as crianças não brincarem mais tanto de futebol, desenvolvendo essa atividade majoritariamente em escolinhas ao comando de um professor muitas vezes tecnicista, pode acarretar em uma perda da identidade brasileira ao longo do tempo?

Renato Buscariolli – Apesar de o número de crianças que praticam futebol em escolinhas ter aumentado nos últimos anos, não acredito que isto possa levar a uma “perda da identidade brasileira ao longo do tempo”. Isto porque o Brasil é um país de proporções continentais e “vítima” de uma monocultura esportiva, o futebol.

Desta forma, o número de praticantes da modalidade é muito grande, o que leva ao aparecimento de novos talentos periodicamente, independentemente da metodologia do trabalho desenvolvida. Inclusive este é um fator que mascara as deficiências existentes tanto nas categorias de base, quanto nas equipes profissionais no meio futebolístico.

Diferentemente do que ocorre em outras modalidades, nas quais o número de praticantes é restrito, caso o trabalho não seja bem planejado, os resultados não aparecem. Nesse sentido, o voleibol brasileiro é um bom exemplo de competência e profissionalismo, adquirindo uma soberania mundial, mesmo em um país cuja modalidade não é largamente praticada. Dessa forma, penso que novos “Robinhos”, “Kakás” e “Gansos” sempre surgirão, mantendo a identidade brasileira.

Universidade do Futebol – De maneira geral nos departamentos de formação dos clubes brasileiros, há uma real preocupação didática do profissional que se responsabiliza por essa área em explicar e discutir os treinos? Como os atletas jovens podem desenvolver esse processo de autonomia e participar da construção de uma atividade?

Renato Buscariolli – Infelizmente, na grande maioria das agremiações não há uma real preocupação didática em explicar e discutir o significado dos treinos com os atletas. Isto é fruto de um processo cultural, uma vez que os jovens atletas encontram-se em uma escala hierárquica mais baixa e isso não lhes dá o direito de questionar, sendo passível de punição aquele que o faz.

Isso se perpetua e corrobora para o ciclo vicioso do “é assim porque eu estou mandando” ou ainda “isto é assim porque eu joguei e fazia desta forma”. Nesse sentido, como todo e qualquer ser humano é passível de aprendizado (mesmo considerando as diferenças sócio-culturais), creio ser função do responsável pela formação dos atletas da base conscientizá-los daquilo que estão fazendo. Após essa tomada de consciência (oriunda de uma construção diária), com a devida abertura por parte dos comandantes, os atletas sentem-se à vontade para opinar. A partir dessas opiniões, pequenos ajustem podem ser realizados no planejamento, tornando-os sujeitos ativos desta construção.

Todavia, isso só é possível se além do líder possuir conhecimento, liderança e a confiança dos comandados, se utilize de atividades que gerem discussão, ou seja, atividades que criem situações-problemas e dificuldades que tenham que ser resolvidas coletiva ou individualmente na rotina de treino. Para tal, ferramentas como vídeos, palestras e discussão de conceitos inerentes ao jogo se faz necessário, cabendo ao responsável saber “como” e “quando” utilizá-los.


"Não há uma real preocupação didática em explicar e discutir o significado dos treinos com os atletas", afirma o especialista em Treinamento Desportivo

Universidade do Futebol – O treinador português Jose Mourinho defende um modelo de treino integrado, em que não há separação entre o que é físico, técnico, tático e psicológico. O que você pensa a respeito disso?

Renato Buscariolli – Dentro de uma perspectiva cronológica entendo que o futebol encontra-se em uma fase de transição no que diz respeito aos modelos de treinamento. No Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, a preparação física foi impulsionada pela figura do então preparador físico da seleção brasileira Paulo Amaral e adquiriu grande importância nos modelos de treino. Como fora importada de modalidades do atletismo para o futebol, era desenvolvida de forma fragmentada e descontextualizada do jogo, respeitando modelos clássicos de periodização.

Processo semelhante ocorria com a parte técnica e tática de forma que cada um destes conteúdos do jogo tinha seu respectivo momento no dia-a-dia de treino. Este modelo mostrou-se eficaz para a época e sem dúvida foi revolucionário. Todavia, decorreram-se mais de quarenta anos e apesar das regras permanecerem praticamente as mesmas, o futebol mudou, tornou-se mais dinâmico, mais veloz e mais equilibrado. Como não poderia deixar de ser, vagarosamente os treinamentos estão mudando e acompanhando essa evolução.

Hoje, impulsionado por personalidades como o treinador José Mourinho, os modelos de treino estão cada vez mais específicos, ou seja, estão cada vez mais inseridos na realidade do jogo, respeitando um velho princípio do treinamento desportivo: a especificidade. Dessa forma, o modelo fragmentado está aos poucos sendo substituído pelo integrado e sem dúvida este parece ser um bom caminho.

Universidade do Futebol – Como você vê a aplicação de idéias como essa no futebol brasileiro?

Renato Buscariolli – Acredito que é possível a aplicação dessas ideias no futebol brasileiro. Porém, em minha opinião, esses modelos ainda carecem de dados científicos e de um controle mais robusto. Nesse sentido, uma das possíveis ideias para o meu futuro doutorado será controlar de forma aguda e crônica um planejamento desenvolvido dentro desta perspectiva.

Vale ressaltar que um paradigma de anos de história está sendo rompido e sabemos que toda mudança requer tempo e energia. Além disso, há muito modismo nesta área e atualmente termos como “periodização tática”, “treinamento integrado”, “modelo de jogo”, entre outros, acabam sendo usados de forma indiscriminada sem o devido conhecimento/aprofundamento.

Universidade do Futebol – Pode-se dizer que o método tecnicista ainda está fortemente arraigado no inconsciente coletivo dos profissionais de futebol? Há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática?

Renato Buscariolli – Sim. Pelo que tenho observado em cursos e congressos voltados para essa área e também pelas experiências vividas na prática, podemos afirmar que o método tecnicista ainda impera no meio futebolístico, tanto na base como no profissional. De fato há uma real dificuldade em se entender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica por meio da ação tática, principalmente pela falta de informação.

O método tecnicista, pelo fato de estar arraigado e ser largamente praticado, prescinde de grandes respaldos teóricos. Já o método integrado, que está inserido na teoria da complexidade, é algo mais recente, e infelizmente o “novo” assusta, principalmente no que tange o futebol. A partir disso, ao invés de os profissionais reciclarem seu conhecimento e aumentarem sua bagagem teórico-prática, acabam afastando aquilo que é desconhecido, por receio, desinteresse ou mesmo ignorância, contribuindo para este cenário.

Reforço aqui que não estou defendendo a ausência do método tecnicista, até porque utilizo o mesmo no meu planejamento. O que defendo é a constante busca pelo conhecimento teórico para que se respalde a prática. Há cinco anos, eu mesmo me deparei com esta discussão, no primeiro clube no qual trabalhei. Na época, possuía um forte viés tecnicista em minha formação já que havia jogado três anos nas categorias de base do Guarani Futebol Clube e não havia mudado esta concepção durante a faculdade. Hoje, através do conhecimento teórico adquirido depois de formado e a partir das minhas vivências práticas, tenho subsídio para respaldar minhas condutas nos treinos.

Pedagogia do Treinamento: Oito ou Oitenta?

Universidade do Futebol – Atualmente, a fisiologia do esporte aplicada ao futebol ultrapassou as ações laboratoriais e tem atuação direta no cotidiano das agremiações? Qual é o novo papel do fisiologista?

Renato Buscariolli – Sim, a fisiologia do esporte está cada vez mais específica, ou seja, cada vez mais aplicada ao futebol, levantando informações realmente importantes no dia-a-dia de treinamento. Nesse sentido, o fisiologista é o profissional responsável por planejamento, organização e operacionalização do controle fisiológico das cargas de treino e da performance dos atletas ao longo da temporada.

Sobre o controle em longo prazo, em conjunto com a comissão técnica (em especial o preparador físico e o bioquímico, caso exista este profissional), ele participa da montagem da periodização do trabalho, determina quais devem ser os controles de desempenho (testes físicos e marcadores sanguíneos), assim como os momentos de coleta. Faz parte das atribuições do fisiologista no futebol monitorar as variáveis do treino, como o tempo de estímulo, distância percorrida, ações motoras, caráter metabólico, etc., de forma a auxiliar a comissão técnica na operacionalização dos treinamentos.

Cabe a este profissional, também, transformar os dados coletados em informações palpáveis com o intuito de modificar as atitudes práticas cotidianas, como por exemplo, reduzir cargas de treino ou individualizar os treinamentos. Uma conduta que julgo importante para potencializar o trabalho deste profissional é o acompanhamento diário dos treinamentos. Isto reduz o “ruído” na comunicação entre este e os demais profissionais da comissão, facilitando a troca de informações, vital para o desenvolvimento do trabalho.

Considero ainda papel deste a capacitação não só dos profissionais de campo envolvidos, bem como diretores e atletas, objetivando um maior entendimento e consequentemente, valorização do seu trabalho.

Universidade do Futebol – Em um artigo intitulado “Pais ajudam ou atrapalham na formação de um atleta de futebol?”, você elenca, ao lado dos outros autores, a partir da experiência própria, alguns “tipos de pais” presentes no ambiente de formação esportivo. Poderia falar um pouco sobre essa relação comportamental dos responsáveis pelos aspirantes a jogador profissional?

Renato Buscariolli – Naquela oportunidade, tanto eu, quanto o Prof. William Sander Figueiredo e o Prof. Fábio Fontão, estávamos envolvidos nas categorias sub-13 e sub-11 e optamos por produzir um texto sobre a influência que os pais exercem no futuro desportivo dos atletas em virtude de algumas situações que observamos naquela época. Em suma, como colocado no próprio texto, podemos afirmar que os pais (principalmente a figura paterna, mais presente nesse contexto) possuem uma importância enorme no processo de formação desse jovem atleta, uma vez que atuam diretamente na educação deste.

Assim, valores como respeito (à decisão do treinador que, por ventura, não tenha escalado o jovem), companheirismo (com os demais colegas de equipe que possam estar momentaneamente ocupando a vaga deste), volitividade (realizar as atividades propostas com o máximo de intensidade), ou mesmo comportamento (bom rendimento escolar e respeito ao próximo, independentemente do “status” dentro de campo), são cultivados não apenas no dia-a-dia de treino, mas também – e principalmente - na interação pai e filho.

Se o pai não respeita a decisão do treinador e deixa isso explícito, como o filho vai fazê-lo? Além disso, muitos pais acabam decidindo qual equipe seus filhos irão atuar (principalmente quando o atleta possui muita qualidade e diversas propostas) e, atualmente, muitas equipes de renome nacional estão perdendo espaço para novos projetos que contam com alto profissionalismo. Assim, pais mais conscientes buscam o melhor local para o crescimento e aprendizado dos seus respectivos filhos, preocupando-se com os responsáveis pela educação deste e não apenas com o “status” do momento presente.

Universidade do Futebol – O jogo de futebol possui dinâmicas bem particulares em que a todo tempo é necessário que o jogador tome decisões simultâneas, muitas vezes sob a pressão do tempo e do espaço. Como estimular os atletas desde cedo a essa contexto?

Renato Buscariolli – Para estimular que os jovens atletas exerçam desde cedo a tomada de decisão é preciso montar treinos que levem a isso desde o início do processo de formação. Desta forma, de maneira geral, treinos em contexto de jogo cumprem esta função, já que a todo o momento o atleta decide o que fazer na interação com seus companheiros de equipe e adversários.

A manipulação das regras, número de participantes, espaço utilizado, densidade e o estado emocional dos envolvidos levarão a uma maior ou menor pressão de tempo e espaço para a tomada de decisão. A determinação dessas variáveis deverá ir de encontro ao objetivo da sessão de treino que, por sua vez, deverá estar em acordo com um planejamento prévio.

Autonomia do jogador de futebol: das quatro linhas para o mundo

Universidade do Futebol – Em outra produção, você coloca em questão a categoria sub-15 como um dos grandes desafios das categorias de base no futebol. Quais são os principais pontos a se destacar nos jovens dessa faixa etária?

Renato Buscariolli – De acordo com o texto, construído em parceria com o preparador de goleiros, Gustavo Querido, e o treinador, William Sander Figueiredo, elencamos quatro pontos de destaque inerentes à categoria sub-15: influência do processo maturacional; iniciação à sistematização dos treinos; iniciação ao ambiente do futebol de alto nível e o afastamento dos pais e responsáveis.

Assim, de forma sucinta, o primeiro ponto de destaque inerente ao sub-15 diz respeito ao processo maturacional. Como é de conhecimento geral, a faixa etária que se estende dos 13 aos 16 anos (nos meninos) é também conhecida como a “fase do estirão”. É justamente nesta fase do crescimento e desenvolvimento da criança que ocorrem grandes transformações morfológicas que vão desde alterações na voz, crescimento de pêlos, desenvolvimento do pênis e escroto até aumento de massa muscular e ganho de estatura. Ou seja, o corpo destes jovens atletas passa por uma série de transformações que trazem grandes implicações dentro do processo de formação.

Essa fase é transiente e requer paciência e consciência tanto por parte dos atletas como pela comissão técnica responsável para que esta não cometa nenhum equívoco privilegiando atletas com maturação precoce em detrimento dos mais tardios, visto que os últimos podem apresentar maior potencial do que os primeiros.

Sobre o início da sistematização do treinamento, os atletas que chegam ao início da temporada para compor o elenco de um grande clube são em sua maioria atletas que nunca passaram por esse processo, sendo quase sempre meninos que se destacam em suas cidades e em clubes onde disputam competições de nível municipal. Assim sendo, desde os conteúdos técnico-táticos até aos ditos físicos, faz-se necessária uma abordagem pedagógica do treinamento, já que a sistematização deste processo por si só é algo novo para estes atletas.

Dar significado aos treinos assim como a conscientização da importância de cada um deles (desde a necessidade de se trabalhar a perna não-dominante até o papel profilático do trabalho de força dentro da sala de musculação) é específico desta etapa, visto que em categorias maiores tais condutas devem estar incorporadas.

Em relação à iniciação ao ambiente do futebol, esses jovens apresentam algumas dificuldades relacionadas à disciplina, devido à imaturidade, ou mesmo decorrente do não entendimento do modus operandi de um grande clube - desde a divisão de tarefas até as hierarquias presentes nestas instituições. Além disso, é nessa fase que geralmente ocorre a primeira separação dos seus pais, quando necessitam alojar nos clubes e passam a viver longe de casa para lutar pelos seus sonhos.

Esse é um momento delicado que exige bastante carinho e compreensão tanto por parte dos pais, como por parte dos profissionais envolvidos, visto que este processo atinge não apenas no desempenho dentro de campo, como também as demais tarefas diárias, interferindo diretamente em seu futuro.

Sub-15: o maior desafio das categorias de base?

Universidade do Futebol – Em se considerando a integração dos trabalhos físicos e táticos aplicados, nessa perspectiva, como você vê a inserção do preparador físico na comissão técnica daqui a alguns anos? Você acredita que existe chance dessa função perder sua aplicação?

Renato Buscariolli – Não, não vejo nenhuma chance de o preparador físico perder sua função no futuro, até porque dentro da perspectiva da complexidade, todas as partes são trabalhadas simultaneamente. O que eu acredito que irá acontecer (e já está acontecendo) é uma readequação deste profissional à nova realidade que vem se desenhando. Desta forma, com o aumento da utilização do modelo integrado, apenas o conhecimento bioquímico-fisiológico das adaptações orgânicas ao treinamento, bem como a periodização das diversas capacidades físicas, não será suficiente para que esse profissional sobreviva no meio.

Creio que além desse conhecimento, o mesmo deverá entender sobre o jogo de futebol, ou seja, entender seus princípios operacionais, seus meios táticos, as competências essenciais, as nuances entre os diferentes modelos de jogo e plataformas etc., atuando como um “auxiliar técnico-físico”, e não mais como um preparador apenas “físico”. Assim, ele participará ativamente da construção dos treinamentos (quase sempre em contexto de jogo) e será responsável tanto pela modulação biológica das cargas de treino (em conjunto com o fisiologista), como dos aspectos inerentes ao jogo.

Para que esse processo se efetive, faz-se necessário um bom “casamento” entre este profissional e o treinador, caso contrário o trabalho continua fragmentado. Atualmente, venho trabalhando com o técnico William Sander Figueiredo e temos obtido ótimos resultados dentro desta concepção.


Buscariolli não crê em extinção do preparador físico e vê modelo fragmentado sendo substituído aos poucos pelo treinamento integrado

Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria da atuação da comissão técnica e das demais áreas em um clube de futebol?

Renato Buscariolli – O conhecimento sempre é benvindo, e no futebol não é diferente. Impulsionado pela Dra. Denise Vaz de Macedo, que oficialmente coordena o Labex desde 1997 e desde então vem levando ciência para o futebol, e pelo Prof. Dr. Alcides Scaglia, acredito que a área acadêmica pode ter um papel fundamental no desenvolvimento de um clube.

Em minha opinião, a maior contribuição que a área acadêmica pode levar aos clubes é a implantação de uma filosofia, ou seja, a filosofia que rege a ciência. Tal filosofia baseia-se na dúvida - “A dúvida é a escola da verdade”, dizia Francis Bacon - e é justamente a dúvida, ou melhor, a tentativa de saná-la e buscar sempre o melhor caminho, que faz com que haja evolução de conhecimento.

Assim, penso que se um clube direcionar-se através da busca pelo melhor caminho, a abertura a novas propostas, bem como o diálogo entre a comissão técnica e as demais áreas no futebol, tudo será facilitado. Alguns clubes apresentam tal perfil e estão colhendo bons frutos. Todavia, de maneira geral, a interação entre o meio acadêmico e o futebol nem sempre é frutífera.

De qualquer forma, acredito que profissionais que conseguem dialogar nesses dois ambientes (o meio acadêmico e o campo), possuem um papel fundamental na aproximação entre a teoria e a prática e é justamente este um dos motores que me movem nesta profissão tão fascinante.

*Para interagir com o entrevistado: buscariolli80@hotmail.com

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Benê Lima