Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, janeiro 17, 2011

Entrevista: Cientista político traça perfil do ambiente do futebol

'Futebol é bom para lavar dinheiro', afirma especialista

por Ubiratan Leal, da revista ESPN

 
 
Politicamente, o Brasil está na fase final da preparação para a Copa do Mundo de 2014. A presidente da República é, desde 1º de janeiro, a mesma que estará no poder durante o Mundial. Os governadores, deputados e dois terços dos senadores que estarão com mandato durante o torneio também acabaram de ser eleitos. Agora, não há como mudar os responsáveis por comandar o País nos últimos preparativos para a competição.

A má notícia por trás disso é que pouca coisa mudou em relação aos anos anteriores. O ministro do esporte foi mantido. O Congresso continua com viés favorável aos interesses dos dirigentes esportivos. Para analisar esse cenário, a revista ESPN foi conversar com Leonardo Barreto, cientista político e professor da Universidade de Brasília.

O governo Dilma vai seguir a política de Lula ou tende a ter uma cara própria, ainda mais pensando que ele vai até a Copa?

Ainda não deu para ver, mas em algum momento ele vai desenvolver sua própria característica. E, em relação à Copa do Mundo, não aconteceu nada muito diferente do esperado até agora. O Brasil tem pouca tradição em planejamento, em fazer as coisas com grande antecedência. E é isso o que está acontecendo. Com a aproximação da Copa, aumenta a pressão e as coisas acabam saindo, de um jeito ou de outro.

A Copa do Mundo, e os Jogos Olímpicos de 2016, mexem com investimentos em estádios, infraestrutura urbana, infraestrutura de eventos, infraestrutura de comunicação, transportes, aeroportos, hotelaria. E tudo fica na asa do Ministério do Esporte. Ele está preparado para lidar com tamanha responsabilidade, para articular um trabalho tão amplo que envolve tantas outras pastas?

Sempre foi um ministério de segunda categoria, controlado pelo PC do B porque nenhum partido maior demonstrava grande interesse. Por isso, ao contrário de ministérios mais fortes, o Esporte não tem um quadro de técnicos sólido para analisar as questões ligadas a ele nesta nova realidade. Por isso, eu acho que o mais viável seria a criação de um comitê interministerial para cuidar da Copa do Mundo. Não deixar na mão do Esporte.

Por que as questões ligadas ao esporte no Congresso são sempre dominadas pelos interesses dos cartolas?

A Câmara é formada por indivíduos de vários tipos, com várias origens, ligados a várias especialidades. Há economistas, médicos, advogados, engenheiros, empresários, religiosos, fazendeiros, e por aí vai. Cada um tende a se posicionar próximo a temas que lhe dizem respeito. Assim se formam as comissões do Congresso, de Constituição e Justiça, de Política econômica etc. O esporte sempre foi um assunto de segundo nível e parlamentares ligados a ele eram exceções. E que exceções são essas? São parlamentares ligados a clubes ou federações, que se elegeram para defender seus interesses. Nunca pensaram em fazer uma política pública ligada a esporte. Para eles, política e esporte é para arrumar patrocínio de estatal, aprovar Timemania.

Os deputados que assumem em fevereiro ocuparão o Congresso até a realização da Copa de 2014. Isso fez que os debates sobre o esporte ganhassem novo âmbito. Não muda um pouco essa química?


Sim, mas o interesse público continua em segundo plano. Para esse tipo de projeto, que envolve obras em determinadas cidades, e que terão muita repercussão, os parlamentares agem com orientação do governador de seu Estado. E aí independe do partido. Ele quer estar bem com o governador para ficar com imagem positiva diante dos eleitores. É um mundo em que conseguir que o Estado tenha mais verba – mesmo que desnecessária ou exagerada – é visto como briga pelos interesses de sua população. Ou seja, nesse cenário, a tendência ainda é de gastos excessivos com as obras.

Já ouvi deputado da subcomissão da Copa de 2014 dizer que a função dela era apenas produzir leis e dar a ajuda legislativa para a organização, e não fiscalizar. Não é uma inversão de valores?

O sujeito que fala isso não tem noção do que está fazendo lá. Fiscalizar é importante, tanto quanto criar leis. Mas, mesmo assim, a verdade é que o Congresso não está preparado para legislar sobre política esportiva. O Brasil como um todo não tem consciência do que isso significa e os congressistas, pelos motivos que já falamos, muito menos.

Os cartolas usam a paixão do torcedor por seus times para validar decisões políticas que seriam consideradas erradas em outras circunstâncias?


Muitos políticos usam isso. O torcedor, mesmo o politicamente mais consciente, pode se pegar pensando mais no que seu time pode se beneficiar ou não com alguma decisão. Acaba deixando de lado a racionalidade.

Não é viável imaginar que as pessoas ligadas ao esporte possam buscar uma relação mais profissional em sua área?

Difícil, porque os interesses predominantes empurram para outro lado. Antigamente, muita gente, incluindo políticos, investiam em fazendas. Era ótimo para lavar dinheiro, porque o patrimônio se mede em cabeças de gado. Você pode dizer que ele aumentou por um fenômeno da natureza, a reprodução das vacas, como que diminuiu, devido a alguma praga que exigiu o sacrifício de muitos animais. Hoje, esse papel é exercido pelo futebol. Não há como apurar objetivamente o valor de seu patrimônio, aí considerando que os jogadores pertencem ao clube. Não há um mercado consolidado que dê valor aos atletas. Cada dirigente, cada empresário, pode cobrar ou pagar o que achar melhor. Sem instituições de fiscalização fortes, pode-se alegar que o patrimônio aumentou ou diminuiu a qualquer momento.

A população, quando deixa a paixão de lado, tem a percepção de que o futebol é um meio corrupto. Por que poucos deputados, mesmo que pode demagogia ou populismo, encampam a área da “limpeza do esporte” como causa para se projetar?

Os parlamentares atuam onde acham que terão mais dividendos. Então, vão buscar onde estão seus contatos, nas áreas em que têm mais conhecimento, melhor trânsito. Quem entra no esporte, quem pode ganhar algo com a política esportiva, é o dirigente ou empresário que trabalha nessa área. Quem pode ganhar algo pela limpeza do esporte? Alguns que fogem desse perfil poderiam tentar, mas preferem atuar em seu campo original pela facilidade e porque, no final das contas, é o que o eleitor dele espera. Então, acabam sobrando poucos que apostam no confronto com os cartolas.

A eleição de ex-jogadores, como Danrlei e Romário, pode trazer algo novo no debate?

Antes de tudo, não podemos ter preconceito com eles. Foram eleitos legitimamente e precisamos ver o que se propõem a fazer. Mas, em geral, a atuação parlamentar de deputados-celebridades segue um roteiro meio parecido. Eles têm peso inicialmente pela representatividade de seus votos e acabam até participando das comissões dos setores em que se tornaram famosos. Mas não têm tarimba política. Quando começam as negociações, as conversas, eles são jantados. O jogo político é muito complexo e é preciso estar preparado para aprender a jogá-lo para entrar forte nos debates.

Obs.: Entrevista realizada para reportagem sobre política no Congresso publicada na revista ESPN nº 15 (janeiro/2011)

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Benê Lima