Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Responsabilidade Civil no Direito Desportivo

Uma análise aprofundada da Legislação Desportiva Brasileira e sua interpretação em casos práticos

Carlos Eduardo Licks Flores*

Tendo como base o artigo “Breves Críticas ao artigo 19 do Estatuto do Torcedor à luz da Conceituação da Responsabilidade Objetiva”, publicado na Universidade do Futebol, e baseando-se também nas lâminas organizadas para a palestra por mim ministrada no Seminário de Direito Desportivo da Uniritter, tratarei de forma um pouco mais ampla acerca da problemática em torno de alguns elementos da Responsabilidade Civil.

As vésperas de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada, não há outro caminho evolutivo para o Direito Desportivo senão o de seu estudo nas universidades, pelo menos inicialmente como cadeira optativa, mas não há dúvidas que em pouco tempo será matéria curricular obrigatória.

Direito que ganhou artigo próprio na Constituição Federal, já que antes figurava coadjuvante juntamente com a Cultura. E mais do que isso, a Carta Magna conferiu-lhe autonomia, ou seja, o Direito Desportivo na constituição de 1988 ganha um princípio constitucional, que é cláusula pétrea, é o Princípio da Autonomia Desportiva, que por muitos descuidos legislativos sofre violações.         

Sabidamente, o Direito Desportivo, dentro de sua peculiaridade, abraça a todos os ramos do direito.

Pois bem, é o momento do Direito Desportivo não somente abraçar e moldar-se aos mais variados ramos, normas e teorias. Mais do que nunca é imperioso que cada ramo do direito se molde também às peculiaridades do ramo jus-desportivo, sob pena de o engessarmos em sua origem.

O estudo em universidades, discussões, bem como a criação de grupo de estudos, ajudarão a evitar a colcha de retalhos que por muitas vezes se vê na criação da Legislação, que como se nota, induz o próprio julgador ao erro. O erro está no raciocínio lógico-jurídico, como veremos adiante.

Responsabilidade/obrigação

Binômio de suma importância para a compreensão da Responsabilidade Civil. A responsabilidade nasce de um dever jurídico subdividido em originário e sucessivo, já a obrigação é um dever jurídico originário. A responsabilidade surge do não cumprimento de uma obrigação. Larenz, citado por Sérgio Cavalieri Filho, referiu que a “responsabilidade é a sombra da obrigação”.

O Artigo 389 do Código Civil dispõe que “não cumprida a obrigação (dever jurídico originário), responde o devedor por perdas e danos (responsabilidade que é o dever jurídico sucessivo)”.

A maioria dos autores diz que a Responsabilidade Civil incide a partir do ato ilícito, que é quando nasce a obrigação de indenizar, entretanto, reflito no sentido de que nasce a partir da violação de um dever jurídico, porquanto o conceito de ilícito caminha muito próximo ao conceito de culpa.

Existe um dever jurídico violado, e por consequência um descumprimento de obrigação para nascer a responsabilidade, ou seja, para a identificação do responsável imprescindível é focar o dever jurídico violado e quem o descumpriu.

Responsabilidade Subjetiva

Art. 159 do Código Civil de 1916 referia que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

Antes do advento do Código Civil de 2002, no Código de 1916, numa concepção clássica da responsabilidade civil, a Responsabilidade Subjetiva era a regra. A culpa é o principal elemento dessa espécie de responsabilidade. É a conduta do agente, mediante ação ou omissão, agindo com imprudência, negligência ou imperícia.

Elementos:

-
Culpa
- Nexo causal
- Dano

O nexo causal é a ponte que leva a conduta volitiva ou omissiva do agente ao dano, ou seja, a conduta culposa deu causa ao dano, que por consequência ensejará o dever de indenizar.


Ato ilícito

O Art. 186 DO CC de 2002 trata do ato ilícito dizendo que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Nota-se que aqui temos o foco voltado para o elemento culpa, porém extraímos também da análise deste artigo uma modificação no concernente ao causar dano, visto que o artigo anteriormente examinado traz o termo “ou”, ao invés de “e”, ou seja, o dano vem, a partir de 2002, como elemento fundamental e corretamente inserido no texto legal, para a análise da Responsabilização Civil.

Os clássicos ou subjetivistas trazem o conceito de ilícito muito próximo ao da culpa, o que traz alguma confusão na análise da Responsabilidade Objetiva, que não cogita a culpa, mas tem o ato ilícito inserido como um de seus elementos.

Resposnabilidade Objetiva

Dispõe o Art. 927 do CC que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Já seu parágrafo único refere que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Com o código civil de 2002 se inverte no que toca a teoria prevalente da Responsabilidade Civil, porquanto a Responsabilidade Objetiva vira a regra norteadora da matéria.

Desde a revolução industrial, com o surgimento das máquinas e a automação, além do crescimento populacional, a culpa como requisito essencial para a incidência da responsabilidade trazia enormes dificuldades para as vítimas de danos no que se refere principalmente ao colhimento da prova.

Também a ocorrência e ampliação dos acidentes de trabalho colocaram os doutrinadores a uma reflexão diferenciada.

Assim, vem a Responsabilidade Objetiva focar não mais em quem é ou não o culpado, mas na reparação do dano. São a vítima e, principalmente, a reparação do dano os principais objetivos em foco, e não mais a conduta ilícita e culposa do agente.
Elementos:

- Conduta (ilícita? Ou violação de dever jurídico?)
- Dano
- Nexo causal

Como dito antes, existe uma dificuldade de analisar o ilícito como elemento da Responsabilidade Objetiva, já que faz a culpa rondar, trazendo o quase inevitável desvio e distorção do raciocínio lógico correto.

Assim, penso ser melhor tratar o primeiro elemento apenas de conduta violadora de um dever jurídico.

Obviamente que não existe responsabilidade sem dano. Este elemento que gera o dever de indenizar. O que se busca é a reparação de um dano, sem ele não há que se falar em Responsabilidade Civil Objetiva ou mesmo subjetiva.

O nexo causal como antes referido é o cordão umbilical entre a conduta e o dano.

Nota-se assim que se retirarmos o elemento conduta, não teríamos maiores dificuldades, já que se há dano e o nexo de causalidade, pressupõe-se alguma violação de dever jurídico. Em contra partida, nem sempre uma conduta violadora de dever jurídico causa dano. Ao causar o dano é que haverá o interesse da Responsabilidade Civil.

Excludentes da Responsabilidade Objetiva

- Caso fortuito e força maior
- Fato exclusivo da vítima
- Fato de terceiro

Principal: rompimento do nexo causal

Se a retirada de alguns dos elementos acima na análise do caso concreto interromper a ligação da conduta ao dano, teremos o rompimento do nexo de causalidade e a consequente excludente de responsabilidade.

Importante analisar caso a caso se existe algum desses elementos inseridos, a fim de que se avalie a responsabilidade (e o consequente dever de indenizar) ou não do suposto agente. Análise muitas vezes não feita pelo julgador em diversos casos, conforme será demonstrado mais adiante.

Consumidor no CDC (11 de setembro de 1990)

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Eis que surge o CDC, norma que revoluciona a Responsabilidade Civil e coloca a Responsabilidade Objetiva na linha de frente.

Aqui vem o conceito de consumidor que traz uma maior abrangência possível, tal como jogar uma tarrafa de mil braços em um açude, poucos peixes escaparão.

Responsabilidade Objetiva do fornecedor no CDC

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa (fato) exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Mais uma vez a culpa está inserida nas excludentes de responsabilidade. A meu ver o termo correto seria fato exclusivo da vítima ou de terceiro, conforme destaque em parênteses acima, visto que a excludente é a faca do cordão umbilical do nexo causal. A culpa traz a análise psicológica e subjetiva da conduta do agente, elemento anterior ao nexo de causalidade.

Consumidor na Lei Pelé (lei 9.615/98)

§3º DO ARTIGO 42: O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do artigo 2º da Lei 8.078/90.

Com a Lei Pelé vem o conceito de consumidor inserido ao desporto, onde o termo pagante, por qualquer meio, abrange a coletividade muitas vezes não identificada, mas que são de toda forma consumidores do esporte.

Ora, uma análise à luz do Código do Consumidor não admitiria qualquer restrição ao conceito de torcedor/consumidor.

Hoje o espectador de futebol é um automático consumidor, a menos é claro que estejamos falando em responsabilidade contratual, como, por exemplo, o torcedor que compra ingresso e o jogo é adiado. Este tem o direito de ressarcimento do mesmo.

Ocorre que em linhas gerais tratamos da Responsabilidade Civil Objetiva extracontratual, que atinge direitos difusos, ou seja, de uma coletividade indeterminada adoradora do esporte.

Vasco x São Caetano - 30 de dezembro de 2000 (texto extraído da internet)

“Aos 23 minutos do primeiro tempo do jogo Vasco x São Caetano, final da Copa João Havelange, uma briga entre torcedores causou um empurra-empurra que resultou na queda de parte do alambrado junto às arquibancadas. Na confusão, cerca de 150 pessoas ficaram feridas, três delas com gravidade. O Vice-Presidente do Vasco, Eurico Miranda, era favorável ao reinício do jogo, e a Diretoria do São Caetano era contra. A Defesa Civil e a Polícia Militar deram pareceres favoráveis ao reinício do jogo, mas o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, determinou a suspensão da partida. Houve então pequenos tumultos isolados causados por torcedores revoltados com a suspensão do jogo, logo contornados pela Polícia. De uma maneira geral, a saída dos torcedores foi de forma ordeira. Os jogadores do Vasco deram uma volta olímpica com uma taça (algumas fontes disseram tratar-se de uma réplica) onde se lia "Copa João Havelange", já que o resultado de 0 a 0 daria o título ao Vasco”.

Início do novo século, o futebol estava à beira do caos. Eis que surge a “norma salvadora”, o que é de praxe em nosso país, infelizmente. Leis nascidas diante da pressão da opinião pública, o que até se admite, mas não pode ser o fator principal.

Estatuto do Torcedor (lei 10.671/2003):

Vem o Estatuto do Torcedor no intuito de moralizar e organizar a bagunça que andava no futebol.

Contudo, mereceu e merece ainda algumas críticas, visto que afronta a autonomia desportiva conferida pela constituição de 1988.

Nessa esteira, filio-me ao nosso principal e mais respeitado doutrinador, Álvaro Melo Filho.

Vem o Estatuto normatizar questões com detalhamento e características de Portaria ou Regulamento.

Assim vem o bem empregado Art. 2o referindo que “torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.”

Adequadíssima esta conceituação de torcedor, realçando de forma mais clara ainda as conceituações do CDC e da Lei Pelé.

No artigo 3° temos a correta equiparação a fornecedor, onde “para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.

Mais adiante, surge o Art. 13 que trata do dever de segurança, que trataremos mais a frente, dizendo que “o torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas”.

Eis que chegamos ao Art. 19 do Estatuto do Torcedor, que vejo como o artigo mais importante deste diploma legal. Ele institui a Responsabilidade Objetiva: “as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo”.

Falha X dever de segurança

Não há dúvida, em minha opinião, que o termo “falhas” do artigo 19 do Estatuto do Torcedor induz o leitor ao raciocínio da responsabilização baseado na culpa.

A falha aqui foi do Legislador, e tal equivoco induz inclusive o raciocínio lógico-jurídico dos julgadores.

A teoria do risco vem ao encontro do dever de segurança, próprio de cada ramo comercial e sua peculiaridade. Esse direito à segurança quando violado por alguém, traz a este a obrigação de reparar o dano, porém sem qualquer análise psíquica ou mental da conduta.

Na Responsabilidade Civil Objetiva a obrigação de indenizar vem da violação do dever de segurança. Existe uma segurança esperada pela coletividade.

O problema aqui é que para ler o artigo à luz da Responsabilidade Objetiva, na verdade, o termo “falha”, se diga, mal empregado, deve ser analisado como dever de segurança, que está no campo do nexo de causalidade. O atendimento ao dever de segurança rompe o nexo. Já a culpa, por sua vez, condiz com a análise da psicológica da conduta, que não cabe no presente caso.

Falha = Culpa (análise psicológica da conduta)

Dever de segurança = Teoria do risco

Dever de segurança (nexo de causalidade)

Caso hipotético:

- três torcedores pulam a grade de segurança do estádio;
- a grade estava em perfeitas condições, bem alta, inclusive com arames;
- após pularem, eles se dirigem contra a torcida adversária;
- causam assim: briga e tumulto com a torcida adversária, com danos para si e para outros;

Análise:
- pela falha na segurança (análise psíquica da conduta) = culpa como raciocínio lógico
- pelo dever de segurança (nexo causal/rompimento) = fato de terceiros ou fato exclusivo da vítima (dependendo de quem busca a indenização)

Conclusão:

- pelo dever de segurança: o dano foi causado pela não observância do dever de segurança? Ou por fato de terceiros ou por fato exclusivo da vítima? (discussão no nexo de causalidade)
- pela culpa (raciocínio da maioria dos julgamentos): houve falha na segurança.
(discussão na culpa/falha)
Lendo o artigo 19, o termo falha na segurança induz a pensarmos que, ora “falhou a segurança” (a culpa esta no raciocínio lógico).
Na análise pelo dever de segurança, em cima do nexo causal, certamente a maioria de nós chegaremos ao fato de terceiros, que romperia o nexo, o dano não foi causado pela não observância do dever de segurança, mas por fato de terceiros;

Sugestão:

Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor quedecorram de violação ao dever de segurança ou da inobservância do disposto neste capítulo.

Mas ora, por que toda esta construção teórica, o que nos leva a crer na prática? Vamos lá!

Despeço-me chamando a atenção para o raciocínio jurídico (em destaque) elaborado nos julgados, à luz de uma equivocada leitura do artigo 19 do Estatuto do Torcedor.

Por fim, colaciono um exemplo de uma excludente de responsabilidade por fato de 3° e após, um caso ocorrido em jogo de vôlei.

Fundamentações imputando a responsabilidade objetiva, porém com o raciocínio lógico-jurídico à luz da Responsabilidade Subjetiva (culpa):

Caso 1: Apelação cível n° 70010299618 - Responsabilidade Civil. Dano moral e material. Tumulto em estádio de futebol. Lesão corporal em torcedor.

"A Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor) foi editada em complementação à Lei nº 8.078/90, razão pela qual as respectivas normas devem ser aplicadas em conjunto. Por consequência, a responsabilidade da entidade desportiva, por danos causados ao torcedor, é objetiva, a teor do art. 14 do CDC. Havendo prova de que o serviço foi mal prestado, do dano e do nexo de causalidade, há o dever de reparação. Falha na prestação do serviço que está consubstanciada na venda excessiva de ingressos aos torcedores do time adversário e da visível desorganização do clube diante dessa situação. Lucros cessantes que precisam ser apurados com amparo em critérios razoáveis, na busca de uma indenização justa, a partir da prova produzida. Art. 402 do novo CC. Valor da reparação do dano moral mantida. Responsabilidade que, no caso, é contratual, incidindo, os juros moratórios, a partir da citação. Art. 219 do CPC. Agravo retido não conhecido e apelo provido em parte.

(...) Outrossim, dos depoimentos de tais policiais militares, bem como da testemunha Mauro Eduardo de Souza Pinto (fls. 330/331), observa-se que a má prestação do serviço não está exatamente relacionada com a segurança do evento, mas com a falta de organização por parte do clube desportivo(...).

(...) Em que pese a responsabilidade pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios seja do Poder Público, a teor do inc. I do art. 14 a Lei nº 10.671/03, acima transcrito, cabe reiterar que, por todos os fundamentos mencionados, a falha na prestação do serviço e os danos alegados pelo autor decorreram da venda excessiva de ingressos aos torcedores do clube adversário e da visível desorganização do réu diante dessa situação".

Caso 2: Apelação cível nº 70009420092 – Responsabilidade Civil. Ação de indenização. Danos moral e material. Confusão em saída de estádio de futebol

"1. Restando evidenciado, nos autos, que o autor foi pisoteado em saída de estádio de futebol, após larga goleada do time visitante, o que ocasionou confusão generalizada na saída do jogo, merece ser julgado procedente o pedido inicial. 2. Se o réu agiu de forma imprudente, ao permitir a lotação do estádio em capacidade superior ao seu limite físico, responde pelos danos que advêm deste proceder. Lição doutrinária de José Dias de Aguiar. 3. A falta de segurança garantida ao público e aos participantes do jogo, uma vez que até o estádio foi depredado e os próprios atletas do réu tiveram sua integridade física ameaçada, caracteriza, de forma flagrante, negligência, dando ensejo à reparação de danos. 4. Dano moral, no caso, consubstanciado na falta de auxílio ao autor, que se submeteu a moroso tratamento de dois anos pelos SUS, quando a lesão, rompimento de ligamentos, poderia ser facilmente tratada pelo demandado em tempo muito inferior, ante a existência de notório departamento médico e ortopédico em suas dependências, havendo testemunha a declarar, inclusive, que o contexto repercutiu de forma negativa no casamento do autor, tendo este, inclusive, perdido o emprego em padaria. 5. Danos materiais, consistentes na aquisição de uma bengala, que devem ser indenizados. Apelação desprovida".

Exemplo de Fato de Terceiro:

Apelação cível nº 70029376076 – Responsabilidade Civil. Jogo de futebol. Dever de segurança. Estatuto do torcedor (...).
Estádio de futebol. Segurança do torcedor. Responsabilidade Objetiva. Agressão. Brigada militar. Excludente de responsabilidade.
"Hipótese dos autos em que o torcedor sofreu lesão corporal decorrente da atuação repressiva realizada pelos policiais militares que trabalhavam no evento esportivo. Na espécie, o conjunto probatório demonstrou que o clube futebolístico adotou todas as medidas legais impostas pelo Estatuto do Torcedor a efeito de garantir a segurança dos torcedores durante a realização da partida de futebol. No caso concreto, o clube de futebol não pode ser responsabilizado pelos atos praticados pelos policiais da Brigada Militar, os quais tinham o dever legal de garantir a segurança e manutenção da ordem no evento esportivo. Assim, restou caracterizada a excludente de responsabilidade do clube de futebol organizador da partida, especialmente porque a lesão ocorreu em razão da ação desencadeado pelos agentes públicos para controlar o tumulto ocorrido nas arquibancadas do estádio. Precedente deste Órgão Fracionário".

Rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao apelo. Unânime.

Apelação cível nº 70018130765 - Responsabilidade Civil. Ação de indenização. Danos morais.Agressões perpetradas a torcedor no interior de estádio de futebol. Quebra do nexo de causalidade.

"O autor pretende ver reparados os danos morais experimentados, decorrentes das lesões corporais suportadas no interior do estádio Beira-Rio, de propriedade do réu, no dia 02 de outubro de 2005, quando da realização de partida de futebol envolvendo Sport Club Internacional e Fluminense Football Club. Muito embora não esteja de todo desarrazoado o autor no que diz com o dever do réu de propiciar a seus torcedores e frequentadores condições seguras em seus eventos esportivos, tenho que, no caso, não lhe assiste razão. Em que pese ocorrido no interior do estádio Beira-Rio, quando da realização de evento esportivo (jogo de futebol) promovido por parte do réu, é público e notório que o episódio foi desencadeado por atitude desmedida dos próprios integrantes da Brigada Militar, aqueles, ironicamente chamados para garantir a segurança dos torcedores. Redistribuídos os ônus de sucumbência. Apelo do réu provido. Apelo do autor julgado prejudicado. Unânime. (Apelação Cível Nº 70018130765, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 28/03/2007)".

Exemplo de decisão em partida de Vôlei, esporte tido como não-profissional:

"Agravo de instrumento nº 70025051558 Exceção de competência. Responsabilidade Civil. Ação de indenização por perdas e danos. Relação do consumo configurada.
1. Na ação principal a parte agravada objetiva o ressarcimento da importância de R$ 10,00 (dez reais) pagos pelo ingresso para assistir o jogo de vôlei entre Brasil e Cuba, realizado no dia 24/07/2007 no Ginásio do Maracanãzinho, na cidade do Rio de Janeiro, o qual não assistiu por não existir no local a poltrona nº 35, descrita no seu ingresso, bem como a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais.
2. No caso em exame, comprovada a relação de consumo no negócio jurídico entabulado entre as parte, faculta-se ao autor da demanda a possibilidade de escolher o seu domicílio para o ajuizamento da ação. Inteligência do art. 6º, inc. VIII, do CDC, que tem por objetivo facilitar a defesa dos direitos dos consumidores.
3. Igualmente aplicáveis à hipótese dos autos a Lei nº. 10.671/03 (Estatuto do Torcedor) e Lei nº. 9.615/98 (Lei Pelé), que asseguram a equiparação do torcedor ao consumidor, tendo em vista que não há a limitação pretendida nos diplomas legais precitados que tratam de eventos desportivos. Negado seguimento ao agravo de instrumento.

(...) A par disso, não é crível a alegação de que os jogos pan-americanos se tratam de atividade esportiva não profissional, quando os atletas que participam das competições são, de regra, profissionalizados e alguns recebem valores consideráveis nas competições oficiais que participam. De outro lado, o que importa é o evento desportivo, o que é incontroverso no presente feito, e não se este é profissional ou amador".
O Art. 40 da Lei 10.671/03 diz:
Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Por sua vez, o § 3º do art. 42 da Lei 9.615/98 dispõe:
Art. 42 § 3º - O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

*Carlos Eduardo Licks Flores é especialista em Direito Desportivo e membro do Gedd

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Benê Lima