Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Entrevista: Lenice Carvalho, nutricionista do S.C. Internacional

Especialista discorre sobre suas tarefas no clube e a importância de integração entre as áreas
Bruno Camarão

Em 2010, o Internacional viveu dois momentos absolutamente distintos, os quais representaram marcos em sua história centenária. Primeiro, a conquista do bicampeonato da Copa Libertadores da América, que garantiu uma vaga ao Mundial de Clubes da Fifa, realizado em dezembro; e o segundo, um anticlímax, com o revés e a consequente eliminação logo na primeira partida do torneio nos Emirados Árabes Unidos. Após o drama esportivo, o clube gaúcho passou por um momento de reflexão.

Diretores, profissionais envolvidos com o departamento profissional de futebol e atletas quiseram pensar apenas na temporada atual, que tem seu período de preparação em curso. Para a obtenção de eventuais novas conquistas – sem tropeços como o ocorrido diante do TP Mazembe, da República Democrática do Congo –, todos no Beira-Rio têm em mente a necessidade da reafirmação de um trabalho integrado. E a nutrição, claro, está presente neste contexto.

Graduada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1989), com especialização em Ciências do Esporte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1991) e mestrado em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006), Lenice Carvalho responde por essa área no Inter.

“A integração com o grupo de trabalho é muito boa. A nutrição esportiva tem conquistado espaços importantes, apesar de achar que ainda tem muito pela frente, pois na maioria dos clubes somos dirigidos por pessoas não técnicas, o que pode dificultar o trabalho em alguns casos”, afirmou Lenice, que também é proprietária de uma clínica em Porto Alegre.

Desde 2001 no ambiente colorado, ela deu os primeiros passos dentro do futebol justamente no Grêmio, maior rival do Inter, tendo permanecido lá durante seis anos. Ao seu lado, conta com outra profissional, que realiza o monitoramento nas categorias de base do clube.

“A conscientização de um jogador para que este adquira hábitos saudáveis, não só na alimentação, é nosso maior desafio, já que isto não faz parte da cultura do futebol. Muitos atletas não são estimulados durante a sua formação a ter cuidados – parece que o talento basta”, argumentou Lenice.

Para ela, tal tarefa não é apenas do nutricionista. E alguns fatores, como a valorização dos clubes ao quesito alimentação, o investimento em refeitórios, lanches, profissionais qualificados, etc., podem sinalizar o total respeito ainda almejado por esses “assistentes técnicos”.

“Quem tem competência para orientar alimentação é o nutricionista, assim como o preparador físico para determinar o treino, o fisioterapeuta para fazer fisioterapia, o médico para avaliar e conduzir questões médicas e o técnico para determinar as estratégias utilizadas em cada situação do esporte”, elencou.

Lenice efetua a formulação de dietas específicas em caso de algum distúrbio nutricional, dietas para as variadas fases de treinamento ou recuperação (pós-cirurgias ou lesões), assim como acompanha casos com necessidade de emagrecimento ou hipertrofia muscular. Passa por ela também o desenvolvimento de cardápios para as refeições que ocorrem dentro do clube, na rotina de atividades diárias e concentrações para jogos oficiais.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, a especialista falou ainda sobre o planejamento estratégico para viagens ao exterior, como a mais recente, para Abu Dhabi, e qual a abordagem pedagógica realizada para ensinar conceitos de nutrição aos jogadores.



Nutrição incorporada ao trabalho integrado com os diversos profissionais do departamento de futebol: Inter mira novos triunfos

 

Universidade do Futebol – Qual é a sua formação acadêmica e como se deu seu ingresso no ambiente do futebol?

Lenice Carvalho  Eu me formei em Nutrição em 1989, na Unisinos (RS), e em 1991 realizei especialização na UFRGS em Ciências do Esporte. Nesta ocasião, conheci o médico do Grêmio Foot Ball Portoalegrense, e fui convidada a trabalhar no clube, onde permaneci até 1997, atuando paralelamente em meu consultório particular.

Depois deste período, segui como professora acadêmica na área da Nutrição Esportiva. O convite para trabalhar no Inter ocorreu em 2001; concluí mestrado na UFRGS em Ciências do Movimento Humano em 2006 e atualmente faço pós-graduação em Nutrição Funcional.

Universidade do Futebol – Como se dá a integração entre o setor de nutrição e os demais profissionais ligados ao departamento de futebol profissional do Inter? Você mantém um contato direto com as categorias de base, também?

Lenice Carvalho  A integração com o grupo de trabalho é muito boa. A nutrição esportiva tem conquistado espaços importantes, apesar de achar que ainda tem muito pela frente, pois na maioria dos clubes somos dirigidos por pessoas não técnicas, o que pode dificultar o trabalho em alguns casos.

Importante salientar que na cultura do futebol poucas pessoas coordenavam muitas áreas (muitas vezes o preparador físico se responsabilizava pelas refeições) e este perfil de trabalho está mudando e consequentemente o trabalho tende a crescer dentro da equipe.

Atualmente o Inter conta com outra nutricionista nas categorias de base, que foi minha estagiária por dois anos e, por esta razão, mantemos um trabalho integrado apesar das diferentes necessidades destes dois setores dentro do clube.

Universidade do Futebol – Foi realizado um planejamento estratégico para a viagem aos Emirados Árabes Unidos, no fim do ano passado? Quais são os principais cuidados a serem tomados durante o período de disputa em um país com uma cultura tão diferente?

Lenice Carvalho  Sempre ocorre planejamento em qualquer viagem do Inter, independentemente do lugar onde ocorram os jogos. Obviamente que viajar para países onde a cultura da alimentação é diferente requer maiores cuidados, como a checagem dos alimentos disponíveis, a interpretação dos menus com antecedência para eliminar dúvidas em relação a forma de preparo e o acompanhamento que faço pessoalmente antes mesmo da delegação chegar, para que se minimize a possibilidade de erros.

 

Alterações nutricionais em países diferentes 
 


Universidade do Futebol – Qual é a abordagem pedagógica realizada para ensinar conceitos de nutrição aos jogadores? Como conscientizar um atleta sobre a importância de hábitos saudáveis para seu desempenho em campo?

Lenice Carvalho  A conscientização de um jogador para que este adquira hábitos saudáveis, não só na alimentação, é nosso maior desafio, já que isto não faz parte da cultura do futebol. Muitos atletas não são estimulados durante a sua formação a ter cuidados – parece que o talento basta.

Esta tarefa não é apenas do nutricionista. Desde a valorização dos clubes ao quesito alimentação, investimento em refeitórios, lanches, profissionais qualificados, respeito ao trabalho do nutricionista dentro da equipe, etc., são alguns dos fatores que demonstram a importância deste trabalho. O jogador percebe e passa a valorizar também.

Não adianta não valorizá-lo e depois achar que a nutricionista em algumas consultas vai conseguir alterar hábitos. À medida que o jogador percebe a melhora no rendimento, na recuperação, na alteração da composição corporal, ele passa a valorizar o trabalho. A conquista é diária, através das consultas, bate papo, palestras, etc.



Valorização do profissional da nutrição dentro do futebol passa pela representação em performance atlética e nos resultados de campo
 

 

Universidade do Futebol – É possível fazer um planejamento nutricional individualizado até em equipes de base ou a tendência é montar cardápios adaptados às necessidades da modalidade?

Lenice Carvalho  O planejamento nutricional deve ser individualizado, o que não significa que o cardápio não possa ser incomum. Cada atleta é orientado dentro das suas necessidades e ele deve se adaptar dentro da macroestrutura. Acredito que esta seja a conscientização do atleta: ele deve ter sua parcela de responsabilidade.

De nada adianta individualizar uma refeição do jogador no clube e ele não se cuidar quando estiver em casa. Isto não diminui a responsabilidade do nutricionista na avaliação nutricional.

Atualmente, realizamos avaliações bioquímicas de alguns nutrientes que podem sinalizar quadros de deficiências nutricionais específicas ou de alguma sobrecarga orgânica, os quais devem ser trabalhados individualmente.

Acredito que suplementações de nutrientes, se necessário, devam ser realizadas individualmente, ao contrário das suplementações energéticas, que podem ser generalizadas em alguns casos; ou seja, como recomendar suplementações vitamínicas para todos sem avaliar? Isto é função do nutricionista, com apoio do departamento médico.

Universidade do Futebol – Jogadores que passam por mudanças no corpo (ganho de massa, por exemplo) precisam ter uma mudança no planejamento nutricional? Como esse processo é delineado?

Lenice Carvalho  Aqui existe a necessidade de um trabalho muito integrado com a preparação física para estabelecer a necessidade destas alterações alimentares, na suplementação, bem como definir os horários de treinos para que este planejamento ocorra. Existem refeições e suplementos muito específicos para o período que antecede o treinamento, bem como na recuperação.
 


A formação de uma cultura nutricional

 

Universidade do Futebol – Há uma orientação específica de ingestão de alimentos durante os períodos de lesão? A falta de treinos e o desânimo devem facilitar a fuga da dieta dos atletas...

Lenice Carvalho  Realmente observo maior dificuldade nestas situações. A interpretação errônea de que se não ocorrem treinamentos, não precisa ter tanto cuidado, ainda persiste. A conscientização de que muitas lesões podem ser prevenidas e/ou tratadas com o apoio da alimentação ainda não existe, muitas vezes nem dentro dos departamentos médicos, apesar de muitos documentos publicados relacionando deficiências nutricionais, estresse oxidativo e processos inflamatórios com maior probabilidade de lesões musculares.

Universidade do Futebol – 
Há um modelo de hidratação ideal para atletas durante partidas de futebol? Quanto de volume, por exemplo, deve ser oferecido a cada atleta?

Lenice Carvalho  Existem recomendações bem específicas em relação à reposição hídrica durante exercícios físicos que variam de atleta para atleta conforme sua capacidade de sudorese e perda de eletrólitos, mas não observamos a possibilidade de aplicar na prática do futebol.

É impossível manter o consumo dos líquidos recomendáveis durante as partidas, já que não existe esta conscientização. A parada técnica é avaliada pelo árbitro e ocorre em raras situações, o que não quer dizer que algum atleta já não esteja desidratado.

No Inter, os atletas são estimulados a ingerirem diferentes líquidos antes, durante e depois dos treinos e partidas.



Água mantém equilíbrio hidroeletrolítico e resfria o corpo dos atletas; ex-São Paulo, Oscar (à direita) é atleta do grupo principal do Inter

 

Universidade do Futebol – Em termos científicos, qual a importância da água, da bebida esportiva e dos carboidratos no processo de hidratação?

Lenice Carvalho  Bem, a função da água e dos eletrólitos é manter o equilíbrio hidroeletrolítico, ou seja, em primeiro lugar, tem que haver água disponível para o transporte dos sais, além de contribuir para o resfriamento do corpo durante as atividades físicas. Sem água o corpo perde a eficácia de trocar calor com o meio ambiente, por isso é tão importante repor adequadamente.

Os sais minerais e os carboidratos são fundamentais para refazer o equilíbrio e promover uma adequada reidratação. As bebidas esportivas são ricas em eletrólitos, principalmente o sódio, que é o sal mais perdido no suor e em carboidratos que também contribuem com a reposição energética.

Universidade do Futebol – É possível traçar o perfil nutricional do atleta brasileiro? Em relação aos jogadores de países mais desenvolvidos do que o nosso, a senhorita conseguiria detectar uma diferença muito grande?

Lenice Carvalho  Não tenho experiência com atletas de outros países, apenas o que vemos na mídia. No Brasil, percebo grandes diferenças na disciplina da conduta nutricional em diferentes esportes, mas não tenho dados para avaliar o quanto isto se reflete no perfil nutricional.

Temos muito a evoluir na nutrição esportiva, em geral, pois é comum encontrarmos grandes atletas com consumo alimentar muito desequilibrado.



Álcool no limite

 

Universidade do Futebol – No Brasil, a maioria dos atletas profissionais vem das classes mais carentes da sociedade. Como é o trabalho do nutricionista para que haja a evolução dos hábitos alimentares desse jogador durante o seu período de maturação?

Lenice Carvalho  Devemos considerar duas situações concomitantes: a necessidade de uma correta avaliação e orientação nutricional para que o atleta tenha todos os nutrientes necessários para seu desenvolvimento corporal e também o constante acompanhamento das atividades físicas diárias para que seja contemplado o aporte de energia despendida.

Em ambos os casos, percebemos a necessidade de um acompanhamento por um profissional qualificado, mas esta não é a realidade no Brasil, mesmo dentro de alguns clubes. Muitas agremiações não têm condições de investir desta maneira, além da falta de garantia deste retorno financeiro.

Muitas vezes, os atletas infantis e juvenis não permanecem no clube, além disso há o investimento por parte da direção em 200, 300 atletas, para talvez permanecer com três ou quatro na idade adulta. É uma situação muito difícil, mas necessária. Talvez este seja o diferencial da formação destes futuros atletas.

Universidade do Futebol – A intensa necessidade de alcançar a correta composição corporal para o bom desempenho pode levar o praticante de atividade física a adotar métodos não saudáveis de controle de peso ou a adquirir padrões que o levam a alimentar-se desordenadamente. Como solucionar essa equação de maneira funcional?

Lenice Carvalho  A solução, sem dúvidas, é o acompanhamento por profissionais qualificados. Sabemos de muitas situações em que atletas correram até risco de vida, além da prática não saudável. Já presenciei técnicos, em diversas modalidades esportivas, usando a não hidratação como castigo durante treinos, pais não deixando filhos fazerem a refeição com a família para que este pudesse manter seu peso corporal...

Mesmo sabendo que nem todo atleta adota hábitos saudáveis, precisamos minimizar estes danos, contando com o apoio de todo o grupo de trabalho, sem dúvida, deixando cada profissional fazer a sua parte, afinal de contas, quem tem competência para orientar alimentação é o nutricionista, assim como o preparador físico para determinar o treino, o fisioterapeuta para fazer fisioterapia, o médico para avaliar e conduzir questões médicas e o técnico para determinar as estratégias utilizadas em cada situação do esporte.

Talvez este seja o início de um bom trabalho, cada um fazendo a sua parte, com comprometimento.



Formado no Inter, Daniel Carvalho enfrentou problemas com o peso em seu retorno ao clube; acabou não fazendo parte dos planos da comissão técnica

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