Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, agosto 21, 2011

Family Stand e programa inovador de fidelidade: conheça as ações realizadas pelo Manchester City


Clube inglês tem área exclusiva da arquibancada de seu estádio para adultos acompanhados de crianças e revoluciona relacionamento com fãs a partir de benefícios e tecnologia
Equipe Universidade do Futebol / Revisão: Benê Lima
Estádio do Manchester City
Claudio Borges atua no Manchester City como analista comercial e participa de projetos que lidam com a criação de receitas do dia de jogo e o aprimoramento do relacionamento com os fãs.
Formado em administração no Rio de Janeiro, com especialização em marketing, ingressou na modalidade por intermédio do tradicional curso de Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool. Passou por uma espécie de estágio no próprio City, e acabou convidado para desenvolver um trabalho mais amplo.
Na prática, ele analisa e otimiza diversos pontos, como preço de ingressos, segmentação das arquibancadas, operação do estádio, pesquisas de marketing, áreas de hospitalidade e parcerias voltadas para a torcida. Além disso, procura se atentar ao que ocorre no mercado do futebol e em outros esportes e opções de entretenimento.
Um dos projetos mais recentes em que ele esteve envolvido foi o planejamento e a criação do Family Stand do estádio City of Manchester, arena multiuso que comporta mais de 47 mil pessoas. Desde a última temporada, uma área da praça esportiva com capacidade para cerca de 8.000 pessoas passou a receber apenas adultos acompanhados de um menor de 16 anos.
São áreas de serviço atrás da arquibancada com produtos e serviços voltados tanto para jovens quanto para fãs mais veteranos. De acordo com Borges, que já foi entrevistado pela Universidade do Futebol e respondeu a algumas questões para o blog MKT Esportivo (reproduzidas logo abaixo), trata-se de um projeto formidável do clube, pois visa resultados em curto e longo prazo.
“Em curto prazo, ele atende aos desejos de um grande número de torcedores. Em longo prazo, potencializa a aproximação com os futuros torcedores do Manchester City”, justificou.
O Manchester City foi adquirido por um grupo de Abu Dabi, nos Emirados Árabes, em 2008. Desde então, o clube se tornou um dos mais ricos do mundo e investe pesado a cada janela de transferência. Mas nos bastidores, no tocante da gestão, quais foram as principais mudanças após a aquisição?
Em primeiro lugar é preciso destacar que assim como em qualquer investimento quanto maior o capital investido maior é o retorno esperado, seja ele esportivo ou comercial. 

A principal mudança foi realmente a chegada de profissionais qualificados, dentro e fora de campo. Assim como o clube precisou trazer jogadores de alto nível (além de preparadores, técnicos e médicos) para alcançar seus novos objetivos esportivos, precisou trazer também profissionais qualificados para as diferentes áreas (Estratégia Comercial, Marketing, Parcerias, Vendas, Serviço ao Torcedor, Digital, Operações, Financeiro, TI, Legal, Comunicação, Recursos Humanos, RP, Infraestrutura, Responsabilidade Social, etc.) para alcançar seus objetivos organizacionais e suportar o crescimento no longo prazo. 

A chegada de novos profissionais requereu mudanças na estrutura organizacional do clube. Cada área ganha responsabilidades maiores e requer expansões verticais e horizontais na estrutura organizacional. Posso dar o exemplo da área de parcerias. Com o aumento da exposição do clube, do número de parceiros do clube, do nível de receitas e consequentemente da carga de trabalho foi preciso criar uma área exclusiva para parcerias que no momento já conta com cerca de 10 profissionais, encarregados de formar parcerias em diversos continentes e ativar essas parcerias por forma de ações. Se você espera ter resultados com o seu crescimento, você precisa ter uma estrutura que irá suportar a geração e a sustentação desses resultados.

A última grande transformação que eu destacaria é a busca por iniciativas inovadoras. Os recursos financeiros criam novas possibilidades e os novos profissionais trazem novas ideias, mas foi preciso implementar uma cultura corporativa que abraçasse a mudança e estimulasse novas ideias. 

O investimento feito para tornar o clube uma potência dentro e fora dos campos foi significativo. Porém os resultados já começam a aparecer, com o Manchester City se classificando pela primeira vez para a Champions League e ganhando seu primeiro troféu em 35 anos. Enquanto isso, fora dos campos, as receitas do clube cresceram 50% em um ano, pulando nove lugares entre os 20 clubes de futebol que mais geram receita no mundo. O próximo ano deve apresentar resultados ainda melhores.

Brasileiro Cláudio Borges que atua no Manchester City
Nos clubes brasileiros o departamento de marketing fica responsável por absolutamente tudo que envolva a imagem do clube. No Manchester City há uma departamentalização dos setores onde o marketing só fica responsável por cuidar do clube como marca?
Não só no Manchester City, mas como na maioria dos clubes europeus existe uma departamentalização maior das áreas do que nos clubes brasileiros, um sinal claro de uma organização mais profissional e a presença de profissionais mais especializados.
Entretanto, cuidar do clube como marca é uma preocupação que precisa estar não só com a área de marketing, mas todas as áreas do clube. No Manchester City, a área de marketing é responsável pela comunicação com o torcedor e pela transformação do entendimento do mercado consumidor (através do CRM) em ações que estimulem determinado comportamento do torcedor. A preocupação com a marca está justamente na maneira como essa mensagem para o mercado é formulada.
Grandes clubes de futebol são marcas poderosas. Assim como uma Coca-Cola, Google ou Skol, um clube de futebol como marca precisa assegurar que seus valores como organização estão sendo refletidos quando este se relaciona com o ambiente externo (parceiros, consumidores, mídia, etc.). Isso se reflete primeiramente em uma questão muito simples que vejo poucos clubes brasileiros se perguntarem: quem somos nós? Cada clube tem valores específicos que o diferenciam de outros clubes, seja por causa de sua história, de suas conquistas ou de seus torcedores. 

Às vezes até o que é feito fora de campo ajuda a responder essa pergunta, como é o caso do extenso trabalho comunitário que o Manchester City realiza.

Manchester City

Fundação: 1887
O clube como marca também se reflete em questões mais simples de design, como a utilização correta dos símbolos do clube (exemplo: como tratar o brasão do clube), a escolha de imagens utilizadas (exemplo: utilizar imagens que demonstrem emoções e personalidade) e a definição de palavras chave (exemplo: positivo, ambicioso, orgulho). Mas são os valores do clube que precisam guiar todas as áreas do clube e assegurar que a mensagem que está sendo transmitida pela área de marketing é realmente genuína.
Para finalizar, cito a frase de Joan Olivier, ex CEO do Barcelona: “a combinação entre ser coerente com a nossa identidade e gerir o clube como um negócio é a chave para o sucesso”. Esta é a chave para o sucesso de qualquer clube que queria atrair torcedores e consumidores.

Nesta temporada o Manchester City fez diversas modificações e ações em seu estádio, visando melhor conforto e valorização dos torcedores. Ações com foco na “família” também fizeram parte, como por exemplo o Family Stand. Fale um pouco sobre esse foco do clube no torcedor, e no conceito família para o clube.

Eu tento enfatizar esse ponto sempre que possível: o foco no torcedor é essencial para qualquer clube que queira ter seu estádio cheio, melhores parcerias e maior capacidade/sustentabilidade financeira para investir em seu elenco de jogadores.
O Family Stand é uma área da arquibancada com capacidade para 8.000 pessoas onde adultos só podem comprar ingressos quando acompanhados de menores de 16 anos. Atrás das arquibancadas existem produtos e serviços voltados tanto para as crianças quanto para os adultos. Ter uma área desse tipo ajuda por exemplo a restringir que palavrões sejam gritados tão abertamente, uma das barreiras identificadas por levarem a menos pais trazerem crianças muito novas para o estádio. O Family Stand ajuda também a atrair parceiros focados no mercado de crianças, como por exemplo a Cadburrys, marca de chocolates que possui um ponto de vendas dentro da área de serviços do Family Stand. Ultimamente, o Family Stand ajuda o clube a interagir de maneira mais adequada com os futuros torcedores do clube e sustenta a preocupação do Manchester City com o conceito de família.

Família e futebol sempre andam lado a lado. Muitos viram torcedores de um determinado time por influência de algum membro da família. Quando você vê alguém na rua usando a camisa do seu time você de certa forma o considera parte de sua família. Até no caso do Manchester City, onde trabalham pessoas que torcem para outro clube, elas dizem que se sentam parte de uma Blue Family. E quantas vezes já ouvimos que os jogadores e o técnico de um time de futebol formam uma família? É preciso valorizar esse conceito e explorá-lo de maneira positiva. 

Pense em quantas pessoas da sua família torcem para o seu time, mas não comparecem ao estádio, não compram produtos licenciados e em alguns casos nem mesmo acompanham as notícias do clube no jornal. Existe um potencial enorme em assegurar que as atividades ao redor de um clube de futebol são atividades voltadas para a família. Falo isto não só pelo lado comercial, mas pelo desenvolvimento de uma das poucas atividades de lazer que consegue unificar gerações tão diferentes e trazer emoções e alegrias pelo menos uma vez por semana durante a temporada.

O Manchester City acaba de lançar um inovador programa de fidelidade, que envolve três modalidades, com entrada garantida no estádio, acumulo de pontos para leilões adicionais e tecnologia 3D. Será uma revolução no quesito relacionamento com o torcedor?
Sim, acabamos de lançar nosso novo programa de membros. Vale relembrar que o conceito de programa de sócios na Inglaterra é diferente da maioria dos programas aplicados no Brasil. Em primeiro lugar, os clubes ingleses reconhecem que o mais importante é ter torcedores nos estádios e que diferentemente dos clubes brasileiros, a salvação não está em programas de sócios que oferecem uma lista de benefícios pouco valorizados para o torcedor.
Na verdade, o programa de membros do City terá quatro categorias. A primeira, chamada de Superbia, dá o direito a todos os jogos do clube, em casa e fora (na Inglaterra, por ser um pais relativamente geograficamente pequeno e com estádios seguros, os jogos fora de casa são uma grande atração). As categorias Platinum e Gold incluem todos os jogos da Premier League, sendo que a categoria Platinum dá o direito ao dobro de loyalty points. Os loyalty points dão direito ao acesso aos ingressos para finais das Copas e poderão ser usados em leilões online para experiências inesquecíveis, como por exemplo aulas de espanhol com o David Silva. Além disso, cada categoria tem um pacote de prêmios e determinado desconto em hospitalidade e produtos oficiais.
A quarta categoria será lançada após o início da próxima temporada e será chamada de Blue. Esta categoria será principalmente voltada para o mercado internacional. Estamos ainda planejando o novo programa de membros para crianças até 16 anos que irá incluir conceitos digitais, escolinhas de futebol e muito mais.
O novo cartão é muito interessante. Ele terá a mais avançada tecnologia de Augmented Reality. No momento, os cartões dos torcedores já podem ser carregados com todos os jogos da temporada quando o torcedor compra o chamado season ticket ou carregado a cada jogo quando o torcedor faz compras online. Os novos cartões virão com um código impresso que quando posto em frente a um celular com câmera ou webcam projeta imagens em 3D, com movimentos e que poderão ser até utilizadas para jogos. Estamos planejando uma série de iniciativas com os cartões para a próxima temporada.
Além do conceito de inovação e família que já mencionei anteriormente, existe um conceito que é muito importante para o clube: diversão! Torcedor, assim como qualquer ser humano, gosta de se divertir e estamos fazendo o possível para oferecer ao torcedor não só oportunidades de interagir com o clube, mas oportunidades de se divertir.

Na Inglaterra o match day, receitas geradas a cada partida com serviços diversos, é muito valorizado e de impensável implementação no Brasil hoje. As novas, e reformadas, arenas para a Copa de 2014 poderão abrir a oportunidade de se ter esta receita ou o problema maior é cultural e segurança?
Apesar dos altos valores dos contratos de transmissão e do potencial com licenciamentos, os ingressos ainda são o centro do universo dos esportes profissionais. O comprador de ingresso e não o torcedor de sofá ainda é a fonte de receita mais importante para os clubes. Existem três razões, pois isto é muito claro. Em primeiro lugar, a receita que pode ser gerada quando se mantém uma utilização do estádio acima de 90%. Em segundo lugar, o impacto que um estádio cheio pode ter nas receitas de TV e patrocínio. E em terceiro lugar o fato que um time que vende ingressos é um time sustentável.
Não faz muito tempo que li um estudo da PriceWaterHouseCoopers que descrevia previsões para o mercado global de esportes até 2013. Obviamente as previsões diferem de mercado para mercado, mas no caso da América do Sul dois pontos chamam atenção. Primeiro, o crescimento previsto para a área de patrocínios que concordo plenamente e que acredito virá acompanhado de uma necessidade de se demonstrar com maior clareza o retorno que empresas podem esperar da parceria com entidades esportivas. 

O segundo ponto é a baixa participação das receitas de bilheteria para a receita total dos clubes quando comparada com mercados mais desenvolvidos, como Estados Unidos e países europeus.
Apesar do estudo da PwC prever apenas um crescimento de cerca de 10% nas receitas de bilheteria dos clubes até 2013, minha visão para os anos seguintes é extremamente otimista. Acredito que a transformação vai envolver não só estádios com uma infraestrutura mais adequada para lidar com controle de multidões, prestação de serviços e segurança, mas também a capacitação de um maior número de profissionais preparados para organizar uma partida de futebol como um evento seguro e voltado para o entretenimento. O segredo não está em ter estádios novos, e sim em estratégias de desenvolvimento de mercado.
A maior barreira para a ida do torcedor aos estádios brasileiro é a segurança. Sendo assim, o primeiro fator que precisa ser considerado é a segurança estrutural dos estádios, que no caso dos utilizados na Copa de 2014 passarão sob a avaliação da Fifa. Esses estádios criarão novos parâmetros para os estádios brasileiros, incluindo aqueles que não forem utilizados na Copa que não poderão ficar para trás. 

O segundo fator é a segurança física dos torcedores. Isso passa por uma reavaliação da maneira como a PM conduz suas operações em dias de jogo e a instalação de sistemas de circuitos fechados de TV que possibilitem a identificação de atividades indesejadas (e obviamente a punição por lei dessas atividades).
Entretanto, a maior transformação necessária para aumentar o público nos jogos, relacionada tanto com a segurança nos estádios quanto com o relacionamento dos clubes com o torcedor, seja o cadastramento de torcedores em bancos de dados. Os sistemas de CRM e o cadastro de torcedores por parte de cada clube possibilitam que por um lado torcedores problemáticos sejam banidos do estádio, e que por outro lado os clubes possam conhecer seus torcedores e interagir com estes de maneira adequada. 

A maior geração de receita de bilheteria depende do aumento do número de torcedores dispostos a comparecer ao jogo e de uma maior frequência de idas a cada temporada. Sendo assim, é preciso oferecer modelos que favoreçam a compra antecipada, gradualmente criando um modelo de ingressos de temporada.
Existem, sim, diversas diferenças culturais entre o mercado brasileiro de futebol e o mercado inglês. Entretanto, essas diferenças não significam que não é possível desenvolver o mercado brasileiro e transformar os clubes em organizações voltadas para a geração sustentável de receitas e para um maior foco no torcedor - significa apenas que em alguns casos serão precisas adaptações.
Para atingir novos patamares de receita e desenvolvimento, o mercado brasileiro de futebol não precisa de sheiks árabes ou seguir a risca modelos europeus; basta capacitar mais profissionais para os negócios do esporte, estimular os clubes a adotarem uma estrutura organizacional mais profissional e dar continuidade a uma já emergente cultura de transformação da indústria esportiva brasileira.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima