Aplicação dos princípios táticos de jogo com a utilização deste métodoPaulo Cesar do Nascimento*A progressão estrutural é uma nova tendência de treinamento ainda não muito conhecida, mas que já é utilizada por parte dos treinadores. Basicamente, consiste em progredir os exercícios que iniciam com um número reduzido de elementos e variáveis, aumentando sua complexidade no decorrer da sessão de treino e do planejamento.
Para Souza e Greco (1999) nos jogos esportivos coletivos, a grande complexidade e a variabilidade de situações de jogo podem apresentar-se como um obstáculo de difícil superação para aqueles que não conseguem perceber os elementos nelas presentes, bem como suas inter-relações. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi propor um método como alternativa para essa problemática, e assim discutir sobre novos meios de ensino dos princípios táticos de jogo.
Há alguns autores que abordam sobre a progressão estrutural e existe uma tendência dentro dos que são adeptos da periodização tática a trabalhar com esta metodologia, mesmo de forma indireta. Ainda assim, não está totalmente claro como e de que maneira essa forma de trabalho deve ou será utilizada.
Citam-se alguns autores que nos últimos tempos tratam do assunto, tais como Javier Sampedro em seu livro fútbol sala – las acciones del juego, Jesus Velasco Tejada e Javier Lorente na publicação fútbol: entrenamiento base em fútbol sala; e Antonio Cruz Cárdenes, com o livroFútbol: análisis Del juego.
A progressão estrutural nada mais é que diminuir os elementos (número de jogadores) e as variáveis (tamanho do campo, regras da atividade, etc) envolvidos na atividade, e ir introduzindo estes conforme a complexidade do jogo vai surgindo como objetivo. Ou seja, planejam-se atividades que começam sem oposição (1x0, 2x0, 3x0, etc) e depois coloca-se oposição em igualdade numérica ou superioridade numérica (1x1, 2x2, 2x1, 3x1, 4x2, etc).
Vale lembrar que o número de elementos envolvidos deve progredir do menor para o maior até o jogo formal (11x11, no caso do futebol). Isso é importante, pois quanto maior o número de elementos, mais difícil será a aprendizagem e assimilação dos princípios de jogo. Dessa forma, como o objetivo do micro ou macro será tais princípios, o inicio das atividades com um número menor de elementos facilitará a aquisição do que foi objetivado.
Assim também deve ser feito quanto às variáveis que interferem na aplicação do jogo, por exemplo, o espaço reduzido juntamente com o menor número de atletas realizando a atividade (ex: 2x2, 10 m quadrados) irá proporcionar um maior contato com a bola para cada individuo, fazendo com que cada um possa ter a oportunidade de aplicar os princípios objetivados mais vezes. Praticantes de esportes coletivos de um modo em geral e, especialmente, iniciantes, costumam ter dificuldades maiores no que diz respeito aos processos perceptivos, tanto no aprendizado da técnica, quanto do próprio jogo (SOUZA; GRECO, 1999).
Ainda, Souza e Greco (1999) abordam a progressão estrutural, a qual chamam de metodologia situacional sugerida para o treinamento tático, a qual facilita a melhoria desses processos. Oliva apud Cárdenes (1999) afirma que o jogador de futebol vivencia, em relação ao espaço, o maior território de interação individual por jogador com respeito aos jogadores de outros esportes coletivos. Assim, Cárdenes (1999) aconselha começar por uma planificação limitada do jogo, buscando reduzir inicialmente as decisões com o fim de favorecer uma chegada mais eficaz e menos aleatória à complexidade final do 11x11.
Esse autor define o que aqui metodologicamente chamamos de progressão estrutural como micro sociedades. Defende que estas são uma terapia corretora, que consiste na planificação e administração de fundamentos teóricos e exercícios progressivos. Ainda, Cárdenes (1999) diz que para ensinar a ter uma alta porcentagem de eficácia na tomada de decisões, o técnico de futebol deve desenvolver as interações que se produzem entre as micro sociedades do grupo que afetam o rendimento no terreno de jogo.
Baquete (2011) ao abordar sobre a utilização dos jogos reduzidos, afirma que esta metodologia nada mais é do que jogos com dimensões menores e com menos jogadores que o jogo formal, similarmente a progressão estrutural. Ainda diz que, nesse processo, todas as atividades têm ligação entre si e o grau de complexidade das mesmas aumentará conforme a evolução do jogar da equipe. Os jogos devem obedecer a uma sequência processual.
Com o planejamento e a periodização dos princípios táticos aplicados ao futebol, na sequência dos treinamentos as atividades vão ganhando complexidade e são inseridas progressivamente os princípios do jogo e noções táticas. Inicialmente com situações de 1x1, e depois 2x2, 3x3 e 4x4 e assim sucessivamente.
A intenção é determinar os princípios táticos como objetivo no planejamento anual para serem treinados e alcançados. Em síntese, depois de serem determinados quais princípios queremos e vamos trabalhar durante o ano, os dividimos entre os macros até chegar aos princípios que serão objetivos em cada micro. Para cada micro há um objetivo maior que está diretamente ligado ao objetivo do macrociclo. Além desses, teremos os sub princípios, setores de campo, situações de jogo, etc.
Figura 1: Exemplo de programa de periodização, o macriciclo e seus respectivos microciclos.
As atividades nessas situações (2x2, 3x3, 4x3, 5x4) reduzem o número de elementos participantes do jogo e o nível de interações, ou a complexidade das interações é reduzida, facilitando o aprendizado dos princípios de jogo por parte dos atletas. Entretanto, essas reduções não fazem com que os princípios não possam ser aplicados; pelo contrário, nas atividades de 3x3 grande parte dos princípios já podem ser trabalhados. Com a progressão estrutural, conforme o nível de aquisição do grupo de atletas será aumentado à complexidade.
Para que os atletas alcancem um entendimento lógico do objetivo a ser alcançado no planejamento surge a proposta dessa metodologia. Vamos propor um exercício de iniciação em que o objetivo da unidade de treino são os princípios táticos de contenção e cobertura defensiva em uma atividade que progride de 2x2 para um 4x4.
Figura 2: Exemplo de atividade na progressão estrutural – iniciação.
Atividade de progressão estrutural segmentada com zonas forte e débil de jogo. Proporciona ao atleta a noção do espaço de jogo e os setores onde está o espaço de jogo efetivo. O campo do exercício está dividido em três partes: na zona A e B joga-se 2x2, os jogadores não podem trocar seus setores, mas a bola pode circular de um lado ao outro normalmente. A partir do momento que o quarteto que ataca invade a zona C, joga-se 4x4 normalmente com exceção do número de toques na bola e de passes limitado para efetivar as jogadas de finalização (ex: três toques na bola e quatro passes).
Atividade que possibilita um trabalho específico de contenção e cobertura defensiva, assim como de organização defensiva e ofensiva. Ainda a movimentação sem bola e iniciação ao apoio ofensivo.
A seguir vamos propor um exercício a ser aplicado na sequência do trabalho com a progressão estrutural conforme o planejamento. De acordo com o que foi objetivado, colocaremos a seguir uma atividade para ser realizada no microciclo subsequente.
Figura 3: Exemplo de atividade na progressão estrutural – aperfeiçoamento.
Propomos uma atividade que ocorre em um campo reduzido (ex: metade de um campo oficial) com situação de 3 + goleiro x 3 + 2 (coringas) em cada uma das metades desse espaço. Entretanto, cada equipe é composta por seis jogadores (+ coringas), que jogam uma contra a outra. A regra básica é que os atletas não podem ultrapassar a linha que delimita a metade do campo do exercício, cada um jogará no seu espaço pré-determinado, com exceção para os coringas (colocar como coringa jogadores de posições específicas).
Sugerem-se outras regras, como, por exemplo, a que obriga o goleiro sair jogando no campo defensivo e/ou a que obriga a bola ser passada pelos coringas para chegar à outra metade - é claro, dependendo do que foi objetivado e do Modelo de Jogo da equipe.
Ressaltam-se os seguintes pontos:Linhas de passe facilitadas;
A superioridade numérica no campo ofensivo facilita a aprendizagem dos princípios de ataque: infiltração, mobilidade e espaço, em maior grau estes dois últimos;
Organização defensiva/ofensiva fazendo com que os atletas por conta própria apliquem os princípios de jogo tanto no ataque como na defesa;
Aprimoramento dos princípios defensivos de contenção e cobertura já trabalhados anteriormente;
Transição defesa-ataque (dependente das regras impostas, realizada pelos coringas ou transição com passes longos);
O interessante dessa atividade é que praticamente todos os princípios de jogo são aplicados, alguns em maior ou menor grau, com menor ou maior dificuldade. Ainda, importante destacar o trabalho facilitado para os coringas que estarão aplicando a cobertura ofensiva. Outro ponto interessante é que os próprios jogadores, muitas vezes sem intenção ou sem noção, buscam aplicar os princípios tanto no ataque como na defesa.
É nesse sentido que Garganta (1997) frisa duas competências básicas para a aprendizagem e prática do esporte coletivo: a inteligência, vista como a capacidade de adaptar-se a situações dinâmicas que acontecem no jogo a fim de resolver os constantes problemas que surgem, e a cooperação, vista como a necessidade do praticante de esporte coletivo combinar suas ações com os objetivos do grupo.
Importante ressaltar esta nova forma de conceber o ensino do esporte coletivo, iniciada por Claude Bayer e ampliada pelos autores portugueses, rediscutindo a técnica, aliada à discussão da tática. A obra que impulsionou essa discussão foi a de Bayer, “O ensino dos desportos colectivos”. Mais tarde, na década de 1990, surgiu o trabalho “O Ensino dos Jogos Desportivos”, coletânea organizada por Amandio Graça e José de Oliveira de 1995, fruto do trabalho do Centro de Estudos dos Jogos Desportivos, da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, da Universidade do Porto.
Dada a complexidade do jogo, nas suas diferentes fases, as competências para jogar decorrem dos imperativos ditados pela necessidade de, face à descontinuidade e aleatoriedade das ações, encontrar as respostas mais adequadas a diferentes configurações (GARGANTA, 1997). Dessa forma, o uso da progressão estrutural aliada ao ensino dos princípios táticos de jogo procura auxiliar nesta nova maneira de ensinar as modalidades coletivas, em especial o futebol.
*Paulo Cesar do Nascimento é formado em Educação Física na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e treinador das categorias sub 13 e sub 11 do Avaí Futebol Clube.Contato: http://nascimentopc.blogspot.com/
Bibliografia
BAQUETE, B. O papel dos jogos no treinamento da equipe. Disponível em http://www.universidadedofutebol.com.br. Acesso em 21 de maio de 2011.
BAYER, C. O ensino dos deportos colectivos. Lisboa, Dinalivro, 1994.
CÁRDENES, A. C. Fútbol: análisis Del juego, Madrid, Gymnos, 1999.
GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In:
GRAÇA, A.; Oliveira, J. (Eds.). O ensino dos jogos desportivos. 2ed. Porto, Universidade do Porto, 1995.GARGANTA, J. Modelação táctica do jogo de Futebol. Estudo da organização ofensiva em equipas de alto rendimento. Tese de Doutorado - FADEUP, Porto, 1997.
GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. (Eds.). O ensino dos jogos desportivos. 2ed. Porto, Universidade do Porto, 1995.
GRECO, P.J., SOUZA, P.R.C. Iniciação Esportiva Universal (IEU) e o treinamento da percepção no futsal. In: GARCIA, E.S.; LEMOS, K.L.M.; GRECO, P.J. (Org.). Temas Atuais IV: Educação Física e Esportes. Belo Horizonte, Editora Health, 1999.
.
Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
CALOUROS DO AR FC
segunda-feira, agosto 15, 2011
A progressão estrutural como metodologia de ensino
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima