Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, agosto 26, 2011

Luiz Carlos Laudiosa, preparador de goleiros da Academia de Futebol Pérola Negra no Haiti

Brasileiro fala do papel do futebol na reconstrução do Haiti e de seu trabalho na captação de talentos
Bruno Camarão

Em um país que convive majoritariamente com a miséria e sofre com os efeitos do terremoto que devastou o país no início do ano passado, paixões servem como forma de consolo e reconstrução. Para a população que adora e pratica atividades físicas por vários cantos, muitos dos quais ainda em estado de escassez infraestrutural básica, o futebol é o alento. E uma espécie de oásis em Bon Repos, cidade próxima à capital Porto Príncipe, aparece para superar tais adversidades e promover o desenvolvimento da modalidade a partir da captação de talentos.

A Academia Pérola Negra é este centro de treinamento com dois campos profissionais e outros dois de futebol society, piscina, quadra poliesportiva e área de lazer que recebe quase 100 pessoas. Trata-se de um projeto idealizado a partir de intercâmbio delineado entre a ONG Viva Rio, a Federação Haitiana de Futebol e a Universidade Federal de Viçosa. Hoje é a organização carioca quem segue à frente da empreitada.

O alvo é que os jovens entre 13 e 16 anos residam no local, suplantados por um treinamento intensivo a partir da metodologia de profissionais brasileiros. Superada essa etapa, os destaques seriam conduzidos a uma equipe de divisão inferior de algum país europeu.

A comissão técnica principal tem como preparador de goleiros Luiz Carlos Laudiosa. Juntamente com ele, o preparador físico Jorge Santos está inserido neste trabalho pioneiro. Em um primeiro momento, com a seleção principal, agregavam-se a eles o treinador Augusto Moura de Oliveira e o auxiliar técnico Alexandre Lemos, além do professor José Moanis, que gerenciou a estadia do time na cidade de Viçosa, neste ano.

“Com relação ao futebol, os campos são ruins, mas isso não impede os jovens de jogarem - em qualquer espaço encontramos a prática do futebol. Faltam profissionais qualificados para trabalhar. Apesar de gostarem muito de futebol, a falta de um projeto qualificado ocasiona em perdas de bons jogadores em potencial”, avaliou de início Laudiosa.

Para ele, a educação é primordial para o crescimento do Haiti, mas o acesso ainda é bastante restrito. Devido ao baixo poder aquisitivo da população, muitas crianças não têm acesso às melhores escolas, alimentam-se mal e moram em abrigos ou alojamentos. Como descobrir novos camisas 1 e desenvolver um treinamento específico com eles?

“Quanto aos goleiros com quem trabalho, tudo para eles é novo, mas até vejo uma evolução muito rápida, justamente porque querem muito aprender e se dedicam muito. Com o fato de jogarem na rua, sem ninguém para exigir técnica, eles acabam vivenciando várias situações e criando métodos de improvisação, ou seja, de certa forma eles aprendem a fazer uma leitura de jogo sozinhos, desenvolvendo essa inteligência”, explicou.

O desafio segundo Laudiosa é conseguir transferir a experiência da rua intrínseca àqueles atletas para o treinamento mais padrão, com a inclusão da técnica e do Modelo de Jogo pensado pelo staff brasileiro.

“O fato de verem o treinamento como uma chance talvez única de ter uma vida melhor gera um alto grau de atenção e dedicação, o que acaba ajudando no desenvolvimento”, complementou.

Nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol, o profissional fala mais sobre a realidade encontrada naquele país, a forma como o ambiente cultural influi na aplicação de atividades, quais as características que um goleiro deve ter para conseguir triunfar nesta carreira e como se utiliza de conteúdos de treinamento dentro de todo processo de percepção, decisão e resposta motora.



 

Universidade do Futebol – Qual a sua trajetória acadêmica e como ocorreu o ingresso no ambiente do futebol?

Luiz Carlos Laudiosa – Formei-me em Educação Física na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ingressei na Especialização em Futebol na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e, por ter jogado no amador na posição de goleiro, resolvi na faculdade que iria dar ênfase à preparação desses atletas. Ainda na graduação surgiu a oportunidade de trabalhar na base de um clube em minha cidade, o Sport Club Juiz de Fora, que disputava o Campeonato Mineiro nas categorias infantil e juvenil.

Universidade do Futebol – Como surgiu o convite para trabalhar no Haiti?

Luiz Carlos Laudiosa – Quando estava fazendo pós graduação na UFV, surgiu um convite através do coordenador do curso, João Bouzas Marins, e do professor Próspero Paoli para trabalhar na seleção feminina de futebol do Haiti devido a uma parceria entre a ONG Viva Rio, a Federação Haitiana de Futebol e a UFV. Fui selecionado como preparador de goleiros para compor a comissão técnica, juntamente com Jorge Santos para preparador físico, Augusto Moura de Oliveira como técnico e Alexandre Lemos para auxiliar técnico, além de contarmos com o apoio do professor José Moanis, que gerenciou a estadia da seleção haitiana na cidade de Viçosa.

Após o trabalho com a seleção feminina, foi apresentado um projeto de formação de atletas no Haiti para a comissão técnica denominado “Académie de Football Perles Noires”, que tem coordenação de Nilton Leão Maia e Rubem Cesar Fernandes como diretor executivo.
 


Augusto Moura de Oliveira, treinador da seleção feminina do Haiti 

 

Universidade do Futebol – Poderia falar um pouco sobre os obstáculos estruturais e sociais que o Haiti ainda enfrenta, bem como em que patamar se encontra a modalidade no país?

Luiz Carlos Laudiosa – Vejo a educação como algo primordial para o crescimento do país e, no entanto, apesar de ser valorizada, o acesso ainda é restrito, pois a maioria das escolas é particular. Devido ao baixo poder aquisitivo da população, muitas crianças não têm acesso, a alimentação também é restrita, e de forma geral se alimentam poucas vezes e com baixo valor nutricional; o saneamento é precário, falta água tratada para a população pobre e muitas pessoas ainda moram em barracas.

Com relação ao futebol, os campos são ruins, mas isso não impede os jovens de jogarem - em qualquer espaço encontramos a prática do futebol. Faltam profissionais qualificados para trabalhar. Apesar de gostarem muito de futebol, a falta de um projeto qualificado ocasiona em perdas de bons jogadores em potencial.

A seleção de futebol feminina é formada por jogadoras das 12 equipes que disputam o campeonato nacional. Encontramos bons valores na modalidade, porém, como já dito, um trabalho qualificado iria aumentar muito o nível da seleção, pois mesmo no campeonato nacional, de modo geral, não existem preparadores físicos, nem preparadores das goleiras. O que é passado para as jogadoras é o que o treinador (a) já vivenciou quando atuou.

A seleção de futebol masculina irá disputar as eliminatórias para a Copa do Mundo no Brasil, que começam dia 2 de setembro, contra Ilhas Virgens. Quanto ao campeonato masculino, sei que existem três divisões e alguns jogadores brasileiros atuando aqui, porém ainda não tenho informações mais aprofundadas do nível técnico. Segundo os próprios haitianos, ainda tem muito o que evoluir, e inclusive há um agravante: mesmo os times da primeira divisão não possuem equipes de base.



Trabalho com Geralda Saintilus (abaixo) e Nuela Antenor, goleiras titular e reserva da seleção feminina do Haiti

 

Universidade do Futebol – Como será a o processo de detecção de talentos e desenvolvimento de goleiros? Que tipo de atleta você procura?

Luiz Carlos Laudiosa – Estamos acompanhando os campeonatos, visitando praças, campos reduzidos, ou seja, qualquer espaço em que se esteja praticando futebol. Faço anotações para traçar o perfil dos atletas haitianos para, aí sim, dentro da realidade do país, ter o melhor parâmetro para trabalhar na Academia. Dentro dessas anotações, procuro identificar aspectos físicos (porte físico, força, agilidade, coordenação motora, velocidade de reação, de deslocamento de membros, etc.), táticos (posicionamento ofensivo, defensivo, leitura de jogo, orientação, etc.), comportamentais (postura, coragem, decisão, atenção e liderança) e técnicos, sabendo que o último é um padrão abaixo do que se encontra no Brasil, porém os atletas podem apresentar alto poder de improvisos – se o menino tiver outras características destacadas, ele aprenderá o fator técnico durante os treinamentos.



Trabalho para o goleiro de domínio, passe e lançamento com precisão
 

Descrição: Dentro de uma área demarcada, com tamanho de acordo com a categoria, joga-se um jogo de passes de 3x3 mais 1 coringa que joga pelo time que está com a bola, dentro da área penal se localiza um goleiro. O jogo consiste em conseguir realizar pelo menos cinco passes sendo que um desses passes tem que utilizar o recuo para o goleiro. 

O goleiro terá que dominar a bola e passar para o time que o recuou, para isso os jogadores terão que se deslocar para fugir da marcação e exigirá do goleiro precisão e leitura de jogo para que em um pequeno espaço consiga perceber e executar o passe corretamente.

 

Universidade do Futebol – Em um relato em seu blog, você cita que a figura do preparador de goleiros praticamente não existe, os atletas dessa posição aquecem com os jogadores de linha e na maioria das vezes nem tocam na bola. De que maneira é possível mudar tal cenário?

Luiz Carlos Laudiosa – Quando fazemos os treinamentos, muitos curiosos tentam aprender alguma coisa, o que está longe do ideal, mas que já poderá causar mudanças. Porém, o melhor mesmo é conscientizar quem trabalha no futebol da evolução deste e que é necessário estudar o esporte para conseguir melhorá-lo no país. Em longo prazo fica mais fácil, através da conscientização que fazemos com os jogadores, e é essencial que eles saibam o que e por que estão fazendo tal exercício.

Por parte dos goleiros, percebi grande entusiasmo em aprender. Quando viram meus livros específicos da posição, quiseram ler e saber mais da posição, além do interesse em tirar dúvidas. Dessa forma, acredito em um próspero futuro para o futebol haitiano.
 


Conheça o blog de Luiz Carlos Laudiosa

 

Universidade do Futebol – De maneira geral nos departamentos de formação dos clubes brasileiros, há uma real preocupação didática do profissional que se responsabiliza por essa área em explicar e discutir os treinos? Na Academia Pérola Negra, como você agirá neste sentido?

Luiz Carlos Laudiosa – Acredito que seja necessária essa preocupação, o que não quer dizer que exista tal preocupação em todos os lugares. Aqui na Academia Pérola Negra vemos o futebol como um todo: cada um tem seus deveres, porém sabemos que existe uma interdependência para que o trabalho seja bem feito. As reuniões são diárias e um dos assuntos sempre abordados são os treinos que serão aplicados. Todos expõem seus interesses e, através disso, preparamos as atividades, muitas delas trabalhando com objetivos diferentes para o preparador de goleiros, para o preparador físico e para o treinador num mesmo exercício.

No treinamento de goleiros não vejo forma de trabalhar bem se não soubermos o que o treinador vai fazer, pois assim pode acontecer de o preparador de goleiros aplicar um treino forte e depois o comandante principal aplicar atividades pesadas, como muito tempo de finalização, por exemplo. Assim, o risco de lesão vai ser enorme, por isso há a necessidade de planejamento, além de debater o que foi feito.



Trabalho de reposição

Descrição: Dentro de uma área quadrada jogam um jogo de passes 3x3 e nos dois retângulos se posicionam dois goleiros. Ambos os goleiros jogam para a equipe que estiver com a bola, depois de executar cinco passes, os jogadores ( podendo utilizar o goleiro para isso) terão que utilizar um dos dois goleiros, o goleiro poderá pegar a bola com as mãos e fazer a reposição corretamente para um atleta do time que lhe passou a bola, para isso poderá utilizar a reposição de mão ou de pé, mas para a equipe pontuar, o goleiro terá que lançar a bola dentro de um dos quadrados mais distantes do seu gol, onde um dos atletas terá que se posicionar rapidamente e dominar a bola. 

 

Universidade do Futebol – Como os atletas jovens – em particular os goleiros – podem desenvolver um processo de autonomia e participar da construção de uma atividade?

Luiz Carlos Laudiosa – Acredito que a troca de informações entre goleiros e treinador deve ser constante e sempre tive a preocupação de formar um atleta crítico. Gosto que ele questione o trabalho feito e quando estiver em outro clube faça o mesmo se achar que não está evoluindo da melhor forma, pois se o trabalho feito com ele não for de qualidade, será uma perda de tempo, resultando em estagnação e passagem de oportunidades.

Dentro desses conceitos, procuro discutir vídeos de jogos, treinamentos que os atletas viram em algum outro lugar, necessidades que estão tendo, e dessa forma discutimos se é válido algo proposto por eles. Caso se encaixe no planejamento, não vejo razão de não adaptar.

Gosto também de deixar momentos livres para que eles façam a atividade que quiserem, em sua maioria ações descontraídas, e fico atento para ver o que os goleiros estão fazendo, pois podemos captar falhas e necessidades que talvez não tenham sido constatadas anteriormente.



Laudiosa aplica treinamento em um dos campos usados antes de o CT ser construído: estímulo à autonomia dos atletas 

 

Universidade do Futebol – Alguns clubes, no seu processo seletivo, exigem certa altura para que o candidato a goleiro tenha chance de ser avaliado. O que você pensa disso? Será que em vez de altura, o maior pré-requisito para o goleiro não seria aprender a ler o jogo de maneira eficaz?

Luiz Carlos Laudiosa – Penso que vários devem ser os critérios de seleção, e não a simplificação pela altura. É obvio que um goleiro grande que tenha outras qualidades necessárias para a posição seria o ideal, mas deixar de ver um garoto treinar simplesmente porque ele é baixo, certamente não é a opção mais contundente.

A atitude do goleiro, sua liderança, o atleta inteligente que saiba ler o jogo de maneira eficiente se posicionando corretamente, certamente evitará vários gols mesmo não tendo o padrão de altura determinado. Às vezes, encontramos goleiros com poucos centímetros a menos, mas que têm grande impulsão, agilidade e velocidade de reação e, em conjunto com as características descritas anteriormente, irão se sobressair àquele goleiro maior.

É importante salientar que na base encontramos garotos com maturação tardia e eliminá-lo pela altura poderá ser um grande erro, por isso acho importante os clubes terem um processo de avaliação dos atletas nesse sentido.



Circuito de treinamentos integrados com foco na reposição de bola e passes

Jogo de posse de bola e 3 passes (5x5+coringa) onde o coringa sempre joga com a equipe que ataca. Os jogadores tem de fazer 3 passes e fazer as tarefas nos 4 gols, onde em cada gol a tarefa será diferente.

Assim: 
• No gol 1 - o goleiro recepcionará a bola e terá que devolver a equipe que lhe passou a bola através de um lançamento de mão.

• No gol 2 - o goleiro terá que dominar a bola e terá que fintar um adversário que poderá entrar em sua área, e passar a bola para a equipe que lhe havia tocado.

• No gol 3 - o goleiro receberá a bola e de primeira a passará para a equipe que havia lhe tocado e a mesma equipe tentará finalizar no gol 3.

• No gol 4 - os jogadores farão a finalização no gol onde o goleiro tentará defender.


Lembrando que haverá o número mínimo de passes para que haja a conclusão. Após uma passagem nos 4 gols, haverá o rodízio dos goleiros.
 

Universidade do Futebol – O jogo de futebol exige de um goleiro informações sobre uma situação constantemente variável e imprevisível. Como utilizar conteúdos de treinamento dentro de todo processo de percepção, decisão e resposta motora, o chamado mecanismo de informação?

Luiz Carlos Laudiosa – É muito importante que se apresente para o goleiro um vasto repertório técnico para que seja facilitado seu trabalho, assim como é importante o treinamento situacional. Mesmo no treinamento específico vejo a necessidade da utilização em alguns momentos do jogador de linha da mesma categoria do goleiro, pois sabemos que o padrão do chute, por exemplo, do treinador é muito diferente dependendo da faixa etária.

Gosto muito de treinar exercícios aleatórios desde cedo, mas com preocupação em limitar essas atividades em certa altura, lado, etc., dependendo da categoria e do nível do aprendizado em que se encontra o goleiro. Por exemplo, posso fazer uma atividade que o goleiro saiba que a defesa que ele irá fazer será uma queda lateral rasteira, porém não falo o lado – isso impede que ele crie vícios nos treinamentos em que o goleiro acaba saltando antes, já imaginando onde a bola irá, o que acontece muito quando se faz exercícios alternados.

Vejo justificativa para isso no livro de Weineck, “Futebol total”, no qual ele cita: “Visto que no futebol as reações complexas e de escolha predominam, deve-se treinar a capacidade de reação de forma complexa. O treinamento da reação complexa tem transferência positiva sobre as reações simples, porém, o contrário não é verdadeiro”.

Sou incentivador para que nos treinamentos os goleiros se arrisquem mais, que tomem as decisões através de suas percepções do jogo e, mesmo que errem, aparecerá a oportunidade de analisar o que foi feito, podendo trabalhar para que ocorra a evolução.

É necessário que o goleiro seja observador, que esteja sempre atento no jogo e que tenha consciência do que o treinador quer taticamente da equipe, para que possa passar informações aos demais atletas e tomar decisões quanto à suas atitudes; por exemplo, o momento que terá que sair do gol para fazer uma intervenção. Para isso o goleiro tem que possuir uma boa noção espaço-temporal, noção da velocidade da bola e ter consciência corporal própria e do adversário.



Trabalho de direcionamento de bola e velocidade de reação

Descrição: O preparador de goleiros, um goleiro ou jogador de linha representado pelo “R” fará chutes no gol central de forma que o goleiro terá que direcionar a bola para um dos dois gols localizados ao seu lado, os goleiros posicionados nos gols laterais farão um treinamento de velocidade de reação para intervir da melhor forma e fazer as defesas.


Universidade do Futebol – 
Como adequar os trabalhos específicos para os goleiros e o projeto mais global, desenvolvido para o grupo, como um todo, com o restante da comissão técnica? Na Academia Pérola Negra, há uma integração entre você e os demais profissionais?

Luiz Carlos Laudiosa – O trabalho em conjunto com a comissão técnica é essencial. O goleiro hoje é fundamental no sistema tático da equipe e na organização da mesma, pois tem uma visão privilegiada no campo. O que era 4-4-2, hoje é 1-4-4-2, e até na nomenclatura o goleiro tem o reconhecimento que há pouco não tinha.

Na nossa comissão técnica, temos o preparador físico (Jorge Santos) e o treinador (Danton Moraes) brasileiros, e ainda contamos com um auxiliar da preparação física (Daniel Duplan) e o auxiliar técnico (Griffen) haitianos. Isso facilita o trabalho, pois falamos a mesma língua e contamos com a experiência da cultura local de dois haitianos.

Dentro das reuniões procuro discutir formas de inclusão no sistema de jogo por parte dos goleiros e combinar com os demais da comissão técnica para fazer o trabalho integrado dentro dos objetivos que cada um tem.



Trabalho de saída de gol, reposição e situacional integrado

Descrição: O atleta número 2 faz um cruzamento, para que o goleiro dispute a bola com 2 atacantes, após a defesa o goleiro fará a reposição para os jogadores 9 ou 7 que farão um jogo situacional de 2x1 e fará a finalização. Pode se fazer modificações de acordo com a categoria e o nível técnico dos atletas, aumentando ou retirando os jogadores que disputarão a bola com o goleiro, podendo também colocar jogadores de defesa, e o mesmo podendo acontecer no trabalho situacional.


Universidade do Futebol –
Você comentou que a tomada de decisão é um diferencial para o goleiro. Como se trabalhar essa capacidade tática a partir das exigências de habilidade e velocidade?

Luiz Carlos Laudiosa – Com certeza é um diferencial, mas antes da tomada de decisão o goleiro deve ter uma boa percepção dos acontecimentos. O treinamento em forma de situação de jogo, o treinamento de chutes aleatórios, o treinamento com desvios, entre outros, são fundamentais para que esse atleta vivencie alguns problemas que poderão acontecer no jogo, e a experiência real também vai ajudar muito.

Às vezes, o goleiro terá até que abrir mão da técnica para improvisar, pois apesar de tentarmos treinar as mais diversas situações, sempre aparecerá algo que não foi vivido. Não adianta ter um goleiro tecnicamente perfeito se ele não tem uma boa tomada de decisão. A técnica sem a leitura de jogo e a coragem não deixará o atleta sobressair na posição.

Além das situações defensivas, o goleiro tem que ter uma boa leitura de jogo para saber a hora que deve ganhar tempo, quando sair jogando rápido, onde efetuar o passe, como o adversário vai se comportar em determinadas jogadas, etc.

Universidade do Futebol – Você acredita que esse quesito está condicionado ao ambiente cultural? Como classificaria o nível de inteligência de jogo dos atletas com os quais você trabalha no Haiti?

Luiz Carlos Laudiosa – O ambiente cultural influi muito nos treinamentos e, consequentemente, no jogo. Às vezes, temos que modificar tudo que o menino aprendeu em seu ambiente. Por exemplo, aqui no Haiti os jogadores costumam ficar muito tempo correndo em volta do campo e depois fazem um coletivo. Para eles, treinamento físico tem que ser corrida em volta do campo, e quando se deparam com um trabalho físico com bola, eles questionam que nosso método é fraco.

Quanto aos goleiros com quem trabalho, tudo para eles é novo, mas até vejo uma evolução muito rápida, justamente porque querem muito aprender e se dedicam muito. Quando entramos em campo, antes de começar os treinamentos, eles já começam a fazer atividades que foram aplicadas anteriormente, com uma técnica nova para eles.

Com o fato de jogarem muito na rua, sem ninguém para exigir técnica, eles acabam vivenciando muitas situações e criando métodos de improvisação, ou seja, de certa forma eles aprendem a fazer uma leitura de jogo sozinhos, desenvolvendo essa inteligência. O desafio é conseguir transferir a experiência deles da rua para o treinamento, com a inclusão da técnica e do Modelo de Jogo.

O fato de verem o treinamento como uma chance talvez única de ter uma vida melhor gera um alto grau de atenção e dedicação, o que acaba ajudando no desenvolvimento.




Árvore no meio de um campo e jogo no asfalto: dificuldades encontradas nas ruas haitianas, que se refletem no futebol profissional 

 

Universidade do Futebol – Em termos psicológicos, você crê que há necessidade também de um trabalho específico com os goleiros, seja no processo de formação, seja já consolidado, como profissional?

Luiz Carlos Laudiosa – O goleiro necessita de um acompanhamento psicológico especial. É quase sempre o único que não pode errar, pois na maioria das vezes ninguém vai estar atrás para lhe salvar, e se falhar tem que conseguir manter a calma e passar confiança aos demais jogadores. Tem que se impor durante o jogo e passar informações para os demais atletas. Na maior parte do tempo fica parado perto da torcida, que se localiza às suas costas, gritando e às vezes até jogando objetos.

Com certeza um atleta assim deve ter um trabalho psicológico diferenciado, e muitos clubes já trabalham com o psicólogo. Porém este deve ter conhecimento amplo do futebol. Não vejo grande ganho se quem está trabalhando não conhece as necessidades do esporte e, claro, da posição de goleiro. Quando não se tem um profissional específico para tal trabalho, o preparador de goleiros deve fazê-lo. O que não pode é ficar sem trabalhar essa necessidade do atleta.

Hoje, nos cursos de Educação Física, existem aulas de Psicologia do Esporte, o que é fundamental. Tanto na minha graduação como na pós graduação estudei essa matéria com um doutor no assunto, que é o professor Renato Miranda. Essas aulas foram primordiais para eu entender melhor e trabalhar com os goleiros na ausência de uma profissional específica para a função.

Universidade do Futebol – Você faz uso de algum aparato tecnológico em seus treinamentos? De que maneira a tecnologia esportiva e uma maior aproximação ao ambiente acadêmico podem beneficiar o desenvolvimento da modalidade?

Luiz Carlos Laudiosa – Gosto muito de utilizar vídeos de jogos profissionais para discutir com os atletas. Além disso, utilizo frequencímetros para controlar os treinamentos e faço uso da demonstração de slides com fotos de situações de jogo para que os goleiros identifiquem a melhor opção. Há também a discussão dos scouts técnicos, algo que ainda não é tecnológico, mas que tenho vontade de informatizar.

O que não abro mão para a aprendizagem do goleiro é minha câmera. No primeiro treinamento que fiz aqui, ela já estava “trabalhando”: a filmagem dos treinamentos é fundamental para avaliar com calma as deficiências, o estágio que se encontra o goleiro, e serve de motivação para o atleta quando vê a evolução. Através disso, é possível dar o feedback para o atleta, que na maioria das vezes entende o que deve ser feito, mas não tem consciência corporal do que está fazendo.

Com o atleta vendo o vídeo, é possível ganhar muitos dias de treino, economizando muitas explicações e oferecendo a noção imagética dos movimentos executados.



Trabalho físico e integrado

Descrição: Um goleiro representado pelo número 1 (branco) fará a cobrança de tiro de meta para o lateral (2), este fará o domínio de bola e a tocará para o atacante (9) e fará um trabalho de salto e skip frontal para chegar à linha de fundo. Enquanto o lateral (2) domina a bola o goleiro representado pelo número 1 (azul) inicia um trabalho de coordenação motora e pliometria nos cones, chegando ao gol e posicionando para um cruzamento posterior do lateral (2).

O atacante (9) receberá a bola do lateral (2) e fará um passe para o meio campo (11), após o passe fará um trabalho de coordenação e dará um sprint fazendo um “X”com o outro atacante (10) que fará um trabalho de salto (frente - trás) e dará um sprint até o cone azul e se posicionará na área para receber o cruzamento do lateral (2). O jogador de meio campo após receber o passe do atacante (9) lançará a bola em profundidade para o lateral (2), fará trabalho de agilidade e se posicionará na entrada da área para o cruzamento. Enquanto isso um zagueiro (4) fará trabalho de força abdominal e depois posicionará na área para defender, ou dependendo poderá incluí-lo como atacante.

O outro zagueiro (5) fará um sprint até o cone amarelo e se posicionará para o cruzamento. Depois do cruzamento poderá acontecer a situação de finalização imediata, defesa do goleiro, retirada de um defensor, ou acontecer um jogo de superioridade numérica situacional.

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2 comentários:

  1. obrigado por divulgar minha entrevista, se precisar estou a diposição, parabéns pelo blog e visite o meu luizcarlosl1.blogspot.com, abraço

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  2. Grato pelo comentário. Faço do meu blog uma coletânea de bons textos, razão pela qual sua entrevista nele se encaixou. O grande mérito é de vocês, que são estudiosos das disciplinas e temas ligados ao futebol. Parabéns!

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Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima