Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, junho 26, 2010

Élio Carravetta, coordenador de preparação física do Internacional

Profissional do clube colorado discorre sobre sua trajetória e a relação entre cultura e o futebol

Bruno Camarão

Há mais de uma década, Élio Carravetta está envolvido com o dia-a-dia do Internacional. Sua experiência prática na área de treinamento e coordenação esportivos, entretanto, é bem mais ampla. E se o clube colorado se vangloria dos títulos recentes conquistados, da condição privilegiada de revelador de jovens talentos e até mesmo do sistema de gestão administrativo, certamente tem de fazer uma referência a esse profissional.

Especialista em Ciência do Esporte, pela Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre, com mestrado em Métodos e Técnicas de Ensino, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutorado em Filosofia da Ciência da Educação, pela Universidade de Barcelona, na Espanha, Élio sempre soube propor um diálogo coerente entre o âmbito acadêmico e a parte prática. Algo muito difícil de se ver representado, como revelou nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.

“Houve um afastamento do meio acadêmico em relação à realidade, e é necessário que haja esse resgate. Hoje, porém, ainda há uma distância”, apontou.
No Beira-Rio, atua como coordenador de preparação física – englobando categorias de base e o departamento de futebol profissional. Desde 2002, as funções são restritas às atividades de reabilitação e programas especiais para os atletas que ingressaram no grupo principal.

Sempre em consonância com a diretoria gaúcha, exerceu também trabalhos de ordem administrativa. Atualmente, o retreinamento, processo com a finalidade de atender a rotatividade de jogadores, gerada por novas contratações, déficit físico ou lesões, é seu carro-chefe.

Élio tem ainda em seu currículo a assinatura de algumas obras, como “O Esporte Olímpico”, “Um novo paradigma nas relações sociais e pedagógicas”, “O Jogador de Futebol - Técnicas, Treinamento e Rendimento” e “Modernização da Gestão do Futebol Brasileiro”. A última delas, “O enigma da preparação física no futebol”, lançada no ano passado, revela ideias muito interessantes do profissional em relação à atividade.

“É até uma declaração forte, mas a preparação física como grande parte da sociedade pensa simplesmente não existe. No futebol, ao contrário, o que se busca é o equilíbrio das qualidades físicas para melhorar o desempenho individual através dos treinamentos técnicos, táticos, estratégicos e relacionais – e tudo isso pensando no rendimento coletivo das equipes”, argumentou Élio, que também falou sobre a integração das ciências dentro do Inter e por que a questão cultural resultou na saída do técnico uruguaio Jorge Fossati da equipe.
Universidade do Futebol – Qual é a sua trajetória à frente do Internacional e o papel atual na comissão técnica do grupo principal de futebol?

Élio Carravetta – Fui contratado pelo Sport Club Internacional em dezembro de 1996, como coordenador de preparação física. A partir de 2002, minhas funções estão relacionadas com a categoria principal nas atividades de recuperação física e em programas especiais para os futebolistas que ingressam no grupo.

Ao longo destes 14 anos, participei dos programas de planejamento estratégico do Internacional e fiz parte do Escritório de Qualidade (PGPQ) no período de 2005-2006.

Até o ano de 2001, exercia no clube funções técnicas e administrativas, pautadas nas orientações políticas da cúpula diretiva: orientava a canalização dos esforços e potencializava a competência dos colaboradores, promovia a racionalização das ações e das funções e participava da busca permanente da formação técnica competitiva e a excelência do desenvolvimento organizacional (ciclo “planejar, executar, controlar e agir”).

A partir da temporada seguinte, minhas funções mudaram para uma área especificamente técnica e funcional, com a introdução do retreinamento.

Universidade do Futebol – O que seria o retreinamento?

Élio Carravetta – O retreinamento foi introduzido no departamento de futebol, aplicado pelo setor de preparação física, com a finalidade de atender a rotatividade de jogadores, gerada por novas contratações, déficit físico ou lesões.

As ações interdisciplinares ocorrem da seguinte forma: quando recém contratado, o jogador é avaliado pelo departamento médico e, uma vez aprovado, é encaminhado ao setor de preparação física. Se o atleta apresenta deficiências físicas ou está retornando de lesão, é também encaminhado para o retreinamento.

Há alguns procedimentos de rotina. Primeiramente, ocorre uma reunião entre preparação física, médico e fisioterapia. Em casos especiais, outros profissionais, como nutricionista e assistente social, participam.

Feito o diagnóstico inicial, apresentamos a proposta de trabalho ao jogador. Então, efetuamos uma análise dos padrões de movimento (preparação física e fisioterapia), um relatório do equilíbrio muscular e da mobilidade articular, passando para a avaliação subjetiva da resistência aos esforços, força e conduta reativa.

A preparação física mantém um contato diário com a fisioterapia e o departamento médico sobre o andamento do processo, e o diálogo é permanente com o treinador sobre o desenvolvimento dos casos especiais.

Estou muito feliz e realizado na liderança destas atividades. Me sinto constantemente renovado, motivado e sempre aberto para as novas aprendizagens e metodologias.



Atletas do Inter treinam: processo especial de retreinamento comandado por Élio Carravetta rende bons frutos à comissão técnica

Universidade do Futebol – As categorias de base são contempladas com esse seu trabalho?

Élio Carravetta – Realizamos também um programa de treinamento especial com os jovens provenientes das categorias de base.

Alguns atletas necessitaram passar por isso, como o Taison, o Valter, e o próprio [Alexandre] Pato. Alguns jogadores que vieram de fora, como o Danilo, também foram submetidos a ele.

Independentemente de não atuar mais diretamente com o departamento de formação, tenho uma relação estreita com as comissões técnica e o setor da preparação física, onde sou um elemento de apoio dentro do processo de treinamento.

O retreinamento não deixa de ser um trabalho inovador dentro do contexto do futebol. Poucos clubes o realizam.

Universidade do Futebol – O Inter preza muito pelo seu departamento de formação, utilizando-se de muitos atletas na categoria principal. Qual é o diferencial do clube neste sentido?

Élio Carravetta – O Internacional tem uma história dentro do processo de formação. No nosso passado, contamos com Batista, Caçapava, Schneider, Taffarel, Lúcio, mais recentemente: todos foram atletas moldados nas nossas categorias de base.

Dentro dessa trajetória, existe uma cultura especial de formação, que não estagnou e vai se aprimorando continuamente de acordo com as novidades científicas.

Em toda organização, há pontos positivos e outros a melhorar. Entendo que a excelência não pode ser por minutos, por dias: sempre temos de buscar a melhoria no processo de evolução.

Contamos com profissionais que atuam por vários anos em nosso departamento de formação, o que contribui para essa realidade – cerca de 70% a 80% deles trabalham há mais de uma década no clube. E uma experiência vai sendo adquirida, o que contribuiu para o processo, quando não há acomodação, logicamente.

Estou há uns nove anos afastado das categorias de base, mas a integração existe e é constante. O Fabio Mahseredjian é quem tem feito esse elo, na área específica da preparação física, mantendo um contato com diversos atletas mais novos. A própria renovação é importante, com novos profissionais atuando nessa frente.

Universidade do Futebol – Como é seu contato com o Fabio e a participação nos programas de planejamento estratégico do Internacional?

Élio Carravetta – Minha interação com o Fabio é muito boa. Ele é um jovem competente, muito promissor, que provoca muitas dissonâncias em relação a conceitos e metodologias, sempre em prol do clube, e tem um futuro brilhante. Não concordamos em tudo (risos), mas não é à toa que ele compõe também a comissão técnica da seleção brasileira de futebol.

Profissionalmente, é extremamente gratificante participar e colaborar no campo das ideias do clube. No penúltimo planejamento estratégico, concluído no ano de 2005, tínhamos como uma das metas internas colocar o Inter entre as quatro principais forças da América. E justamente naquele período conquistamos a Libertadores e o Mundial.

Nem tanto pelos títulos em si, que são relevantes, claro, mas o importante é a liberdade para se trabalhar de maneira interativa com outros profissionais, conjugando pensamentos das diferentes áreas em um plano maior.

Fico muito contente por isso, pela relação afetiva que tenho com o clube, estreita com a instituição em si, independente do teor profissional. Em termos emocionais, espirituais, me sinto recompensado aqui.

Universidade do Futebol – O senhor fala com um carinho especial a respeito do Inter. Há, de fato, um tratamento diferente por parte da direção do clube em relação aos profissionais que por aí passam?

Élio Carravetta – A instituição tem um valor, sem dúvidas. Manter tantos profissionais por tanto tempo é muito importante, como agora o caso do Celso Roth, que dirige o Internacional pela terceira vez. Não em uma perspectiva corporativa, mas como uma forma de manter a história e criar um vínculo, a relação entre os funcionários, que passa a ser estreita.

A luta por um ideal conjunto, percebendo essa entrega de todos, é muito gratificante.

Universidade do Futebol – Para esta temporada, o Internacional contratou o treinador uruguaio Jorge Fossati, que teve ótima passagem pela LDU, do Equador. Ao lado dele, o compatriota Alejandro Valenzuela assumiu a preparação física do time principal. Como foi essa experiência com ambos antes do retorno do Celso Roth?

Élio Carravetta – Eu tenho um conceito de treinamento esportivo e o coloco desta forma: é um processo continuado de ensino-aprendizagem e tem como finalidade modificar alguns comportamentos integrados. Temos componentes técnicos, táticos, físicos, psicológicos, sociais, relacionais, afetivos, cognitivos. E há um muito importante, que é o cultural.

No momento em que qualquer profissional entra em uma nova cultura, ele tem de se adaptar à mesma. É mais fácil ele efetuar esse processo, do que todos os outros já inseridos se moldarem de maneira inversa.

Esses intercâmbios existem dentro de um processo de globalização, mas há uma cultura definida no próprio clube. E o professor Fossati, por mais que tenha explicitado suas qualidades, que são muitas, encarou dificuldades nessa questão.

O futebol não é só dentro de campo, e há necessidade de uma adaptação à cultura, à metodologia de treinamento própria do Brasil. O processo de aprendizagem é gradativo, e requer tempo. Infelizmente não houve êxito no Inter.

O mesmo vale para o Valenzuela, que apresentou uma proposta de treinamento diferente. Não estou julgando se é boa ou má, nem que não tenha tido aceitação do grupo de jogadores, mas ela encontrou dificuldades de ser inserida. Prefiro não comentar muito sobre esse tema.


Apesar das adversidades encontradas, Fossati conduziu o Inter à semifinal da Libertadores

Antes de sua saída, Alejandro Valenzuela já havia comentado sobre dificuldade de interação com os atletas

Universidade do Futebol – O senhor acredita que existam escolas de futebol regionais específicas no Brasil (gaúcha, paulista, carioca, etc.), algo que condicione o trabalho do preparador físico, fazendo o mesmo ter de se adaptar àquela realidade local?

Élio Carravetta – Eu acredito, sim, que a influência da cultura condiciona o comportamento. No Rio Grande do Sul, a cultura do Internacional vai exigir determinado tipo de comportamento. Assim como existe no Grêmio, em uma atmosfera diferente. Bem como em cada localidade.

Por mais que haja um processo de globalização das informações, influências culturais exigem e direcionam um tipo específico de comportamento.

Universidade do Futebol – O que diferencia o trabalho entre preparadores físicos no Brasil, já que hoje o conhecimento está muito mais acessível?

Élio Carravetta – É até uma declaração forte, mas a preparação física como grande parte da sociedade pensa simplesmente não existe. No futebol, ao contrário, o que se busca é o equilíbrio das qualidades físicas para melhorar o desempenho individual através dos treinamentos técnicos, táticos, estratégicos e relacionais – e tudo isso pensando no rendimento coletivo das equipes.

A unicidade dos atributos técnicos, táticos, físicos, relacionais, psicológicos e socioculturais tem como principal condutor o treinador. Pela multiplicidade de funções, o treinador exerce uma influência fundamental na performance coletiva da equipe.

O restante dos profissionais que trabalham diretamente com ele deve ter a sua confiança, aprovação, sintonia metodológica e respeito.

O preparador físico tem basicamente uma ou duas unidades de treinamento, contra cinco do treinador. Quase 80% do tempo é trabalhado dentro da área técnica, tática, relacional, e não especificamente física.

Essa ideia de preparação física é muito mais global. Nós trabalhamos muitos outros componentes do simplesmente físico e motor – justamente a percepção, a consciência e, ao mesmo tempo, a própria autoavaliação que levamos o atleta a ter. Ele mesmo saberá as necessidades sobre sua condição.

A concepção está mudando. E o cabeça maior disso tudo é o treinador. Isso que eu falo e escrevo em meu livro, o professor João Paulo Medina, quinze anos atrás, já colocava em outras palavras e tinha essa visão no próprio Internacional.


Confira resenha do último livro escrito por Élio Carravetta

Universidade do Futebol – E diante de tal realidade, os treinadores brasileiros, de maneira geral, estão preparados para assumir o papel?

Élio Carravetta – O perfil do treinador está evoluindo muito, em minha opinião. Creio que temos que valorizar bastante a escola de futebol do Brasil, que é uma referência, sem dúvidas.

Não há uma difusão tão grande das ideias, por conta dos trabalhos e publicações ainda muito escassos, mas é motivo de orgulho nosso desenvolvimento e nossa condição.

Fora o treinador, todos os profissionais que trabalham no futebol são assistentes. Ali, eles trabalham para o treinador. Se uma equipe corre muito é porque ela é muito organizada taticamente, com boa capacidade técnica e corretiva. O mérito não é apenas do preparador físico, mas da equipe, comandada pelo treinador. O mesmo vale quando a imagem é negativa e os problemas aparecem.

As deficiências individuais de um determinado componente físico-motor em termos de performance pode ser atribuída ao preparador físico, mas no conjunto é o treinador quem tem de responder.

A autoridade exercida, que começa pela escalação, pelas multifunções que ele assume, faz com que o treinador tenha de estar integrado a todas as áreas científicas.

Novos talentos estão sendo formados. Eles podem não ter muito espaço na mídia, ainda, mas trabalhos muito competentes vêm sendo desenvolvidos.


Celso Roth assume o comando da equipe principal do Inter pela terceira vez e já mostra estar integrado ao projeto

Universidade do Futebol – Existem modelos e métodos diferentes sendo aplicados por diferentes preparadores físicos no nosso país?

Élio Carravetta – Algumas novas metodologias lentamente começam a ser introduzidas no futebol. São linhas de atuação que buscam potencializar a criatividade, a responsabilidade individual, a consciência corporal e a participação coletiva dos jogadores no processo de treinamento. Realizamos isso no Inter.

Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria da atuação do profissional de preparação física?

Élio Carravetta – Na verdade, o próprio modelo da universidade não premia esse tipo de relação – falo do futebol, mas o mesmo vale para a maioria das outras áreas.

Houve um afastamento do meio acadêmico em relação à realidade, e é necessário que haja esse resgate.

Hoje, porém, ainda há uma distância.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima