Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, junho 29, 2010

Obra reconta a história de João Saldanha

Todos apoiaram João Saldanha, menos Pelé, conta jornalista

Ana Cláudia Barros

Há 40 anos, uma das páginas mais polêmicas da história do futebol brasileiro era escrita. Três meses antes da Copa do Mundo de 1970, o então técnico da seleção, o jornalista João Saldanha, recebia a notícia de que havia sido demitido, apesar do retrospecto vitorioso e da indiscutível popularidade. Muito se especulou sobre o afastamento do furioso "João Sem Medo", aquele, segundo Nelson Rodrigues, capaz de explodir na presença de um fósforo aceso - "maravilhoso defeito", de acordo com o escritor.

Disposto a desconstruir mitos em torno da queda de Saldanha, o jornalista carioca Carlos Ferreira Vilarinho decidiu se debruçar sobre o tema. Ao longo de dez anos, recuperou histórias, alinhavou fatos, mergulhou de cabeça na vida do mais controverso técnico que esteve à frente do selecionado canarinho. O resultado é o livro Quem Derrubou João Saldanha (Editora Livrosdefutebol.com) - o primeiro de Vilarinho -, cujo lançamento está programado para o próximo dia 8, no Rio de Janeiro. (Aconteceu no dia 8 de junho)

- São vários mitos. O mais imoral deles é o que acusa o próprio Saldanha por sua derrubada - diz Vilarinho, referindo-se à ideia de que o temperamento impertinente do técnico teria sido a principal causa de sua degola.

Para o jornalista, admirador confesso de Saldanha, com quem tem identificações "políticas e esportivas", a demissão foi minuciosamente arquitetada pela ditadura militar, a mesma que teria aprovado o nome do treinador para assumir o cargo de comandante da seleção.

- Todo plano da seleção brasileira de 1970 foi submetido, previamente, à Comissão de Desportos do Exército (CDE) e aprovado. Inclusive, o nome do técnico foi submetido e aprovado.

Vilarinho afirma que, antes de receber o "golpe final", Saldanha passou por um processo de "fritura" e de provocação, visando enervá-lo. O autor defende ainda que a saída do técnico, um "militante destacado do Partido Comunista Brasileiro", era certa, independentemente do histórico vitorioso.

- Ele era uma ameaça e mais: não se admitia que um militante do quilate do Saldanha voltasse com a Jules Rimet nas mãos, voltasse nos braços do povo. A vitória não poderia ser atribuída a um líder oposicionista, a uma figura inimiga do regime "nazista" que vigorava no Brasil.

O autor desmistifica ainda outro rumor: o de que a relação entre o técnico e os jogadores da seleção estaria desgastada.

- Os atletas, com exceção de Pelé, liderados por Brito (zagueiro), estavam dispostos a declarar solidariedade ao técnico e a exigir que ele ficasse na seleção. Foram demovidos dessa intenção pela mulher de Saldanha, Tereza Bulhões. Ela argumentou que, se eles fizessem isso, não teria nenhum efeito porque a decisão já estava tomada e que os jogadores poderiam sair prejudicados, sendo cortados da seleção.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - O que o livro apresenta de novo sobre os bastidores da demissão de João Saldanha do comando da seleção brasileira, às vésperas da Copa de 1970?
Carlos Ferreira Vilarinho -
Penso que este livro vai alterar a visão que se tem dessa seleção, dessa campanha do tricampeonato. Depois desse livro, ninguém mais vai falar dessa Copa do Mundo como antes. O livro demonstra, em primeiro lugar, que a seleção do tricampeonato foi praticamente escalada por João Saldanha, em junho de 1968, ao contrário do que se apregoa. Nenhuma seleção é feita em alguns meses. O embrião da seleção de 1970 já aparece nitidamente em maio de 1964, no scratch que disputou a Taça das Nações, escalado por (Vicente) Feola.

Como foi o processo de pesquisa e elaboração do livro? Foram quantos anos de trabalho?
O livro me custou nove anos de trabalho. Comecei a escrever em julho de 2000.

E o que te motivou?
Minha admiração por João Saldanha. Identificações políticas e esportivas. O ponto de partida foi a minha recusa em aceitar a tese de que a seleção de 1970 deveria ser creditada a Zagallo. Eu também não aceitava, com a mesma força, a tese que atribuía a Saldanha, a defesa do sistema 4-2-4. Isso é mentira. Lá por 1997, resolvi fazer uma monografia sobre a queda de Saldanha. Em 2000, retomei e terminei de escrever já com a intenção de fazer um livro. Terminei em outubro de 2001 e resolvi escrever uma biografia, porque achei que a nova geração não conhecia João Saldanha o suficiente. Terminei a biografia, mas ficou muito grande, então, desisti de publicar. Decidi publicar esse livro, contando só o espisódio da ascenção e queda de João Saldanha.

O que é mito e o que é verdade na queda de Saldanha?
São vários mitos. O mais imoral deles é o que acusa o próprio Saldanha por sua derrubada. A tese de que ele foi derrubado por si mesmo, devido ao seu descontrole emocional. Isso não é verdade.

Qual é a verdade, segundo suas pesquisas?
Foi derrubado pela Ditadura Militar.

Qual foi a influência daquela entrevista dada por João Saldanha, na véspera do amistoso da seleção contra a Argentina, em Porto Alegre? O técnico, ao ser questionado se sabia que o presidente da República na época, Emílio Médici, queria a convocação do centroavante Dario, respondeu que o presidente escalava o ministério e ele, o time. Isso foi determinante?
Foi determinante, mas a decisão da demissão é anterior ao episódio. Sustento que a decisão do regime militar de derrubá-lo vem desde que ele classificou o Brasil para a Copa do Mundo.

Mas qual foi a razão exatamente? Ele tinha um retrospecto invejável como treinador e, apesar de polêmico, era uma figura popular.
Ele não servia mais à ditadura militar. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), quando o convidou, sabia perfeitamente que ele era um militante destacado do Partido Comunista Brasileiro. Era uma liderança, uma figura nacional, adorado pelo povo e respeitado internacionalmente. Todo plano da seleção brasileira de 1970 foi submetido previamente à Comissão de Desportos do Exército (CDE) e aprovado. Inclusive, o nome do técnico foi submetido e aprovado.

Por que o nome de Saldanha foi aprovado?
Ele era o principal porta-voz dos críticos às diretrizes da CBD, que levaram ao fiasco em Liverpool, em 1966. Como ele era a principal autoridade em futebol na época, nada melhor do que entregar a ele e ver se dava conta, já que ele sabia criticar.

A ideia era "queimar" o Saldanha?
Não. A CBD sabia que ele seria vitorioso e sua escolha traria um dividendo extraordinário para ela, que seria trazer para o apoio à seleção brasileira, de toda a imprensa carioca, neutralizando a oposição sistemática da imprensa paulista. Esse foi o motivo que o levou para lá.
Agora, o motivo que o levou a ser posto para fora é porque, com a classificação da seleção, a sua tarefa já estava cumprida. Tratava-se agora de substituí-lo por outro para completar a tarefa. Ele não servia mais. Até porque, após a classificação do Brasil, ele fez uma série de incursões pela Europa para observar os possíveis adversários na chave do seleção e nas fases seguintes.
O que ocorre é que, no dia 4 de novembro de 1969, um grande amigo do João Saldanha foi assassinado pelo exército. Carlos Marighella. Saldanha estava com a morte do amigo atravessada na garganta. Perguntado sobre o que acontecia no Brasil, ele fez uma série de denúncias gravíssimas, confirmando aquilo que se sabia e se denunciava, que era o desaparecimento de presos políticos, torturas. Evidentemente, essa atitude não poderia passar em branco. Em novembro de 1969, seu futuro já estava riscado. Em janeiro de 1970, quando ele viajou para o México, junto com dirigentes da CBD, para acompanhar o sorteio das chaves, ele encontrou outro amigo dele, o Didi, técnico da seleção peruana, e falou que, provavelmente, não duraria muito tempo na seleção.

Ele já sabia que sairia?
Já sabia. E as provocações contra ele, como as da parte de um teleguiado, como era o Yustrich (técnico do Flamengo na época), recados na imprensa enfiados por Médici faziam parte de um processo de "fritura" e de provocação, visando enervá-lo, já que ele era conhecido por não levar desaforo para casa e responder na bucha.

Houve aquele episódio em que ele procurou, armado, o técnico do Flamengo, para tirar satisfações...
Sim, mas, voltando à sua pergunta, a resposta exata que ele deu foi: "E nem eu escalo ministério nem o presidente escala time. Então, está vendo que nós nos entendemos muito bem". Essa resposta foi encarada como impertinente. Não obedece ao presidente. Isso foi no dia 3 de março. Ele foi derrubado no dia 17, 12 dias depois.

Ele era uma ameaça?
Era uma ameaça e mais: não se admitia que um militante do quilate do Saldanha voltasse com a Jules Rimet nas mãos, voltasse nos braços do povo. A vitória não poderia ser atribuída a um líder oposicionista, a uma figura inimiga do regime "nazista" que vigorava no Brasil.

Já foi dito que o então presidente da CBD, João Havelange, teria sido um dos articuladores da queda de Saldanha. Isso tem fundamento?
Não vejo assim. Havelange tinha respeito por Saldanha. Não era um nazista. Ele que colocou Saldanha lá. Num sábado, dia 14 de março de 1970, ele fez questão de comparecer ao jogo-treino, no estádio de Moça Bonita, ao lado da família do Saldanha. Para que ele fez isso? Para reforçar a posição de Saldanha, logo depois do incidente em que ele invadiu a concentração do Flamengo para tirar satisfações com o técnico Yustrich, que o tinha chamado de covarde.

Ele foi armado?
Foi armado, não encontrou o Yustrich, voltou para a concentração da seleção e reportou tudo para Antônio do Passo (diretor de futebol na época) e outros dirigentes da CBD. O Havelange não estava. Chegou lá depois. Ele se solidarizou. Não só Havelange. Antônio do Passo hipotecou irrestrita solidariedade a Saldanha, condenando, inclusive, o Flamengo por não reprimir o seu funcionário pelos ataques contra o técnico da seleção.

Esses ataques eram orquestrados por alguém?
Eram premeditados. O Yustrich estava certo de que seria o substituto de Saldanha. Ele foi cogitado e só não foi escolhido porque no dia da demissão de Saldanha, os jogadores anunciaram que iriam embora, se ele fosse o substituto.

Como a seleção da época recebeu a demissão do João Saldanha?
Os jogadores receberam muito mal. Na tarde do dia 17, os atletas, com exceção de Pelé, liderados por Brito (zagueiro), estavam dispostos a declarar solidariedade ao técnico e exigir que ele ficasse na seleção. Foram demovidos dessa intenção pela mulher de Saldanha, Tereza Bulhões.
Ela argumentou que, se eles fizessem isso, não teria nenhum efeito porque a decisão já estava tomada e que os jogadores poderiam sair prejudicados, sendo cortados da seleção. E que o João Saldanha preferia que eles não tomassem nenhuma atitude porque seria inútil. Ele era admiradíssimo pelos jogadores e adorava aquele time.

E como o Saldanha recebeu a demissão? Você falou que ele já esperava...
Já esperava. Tanto já esperava que, no dia 2 de fevereiro, aceitou o convite para trabalhar nas Organizações Globo. Ele tinha ideia de que a qualquer momento seria demitido. Além disso, voltando para a imprensa, do qual havia se afastado, ele teria uma tribuna para se defender dos ataques sistemáticos que recebia dos provocadores.
Mas a decisão de Saldanha criou um fato novo porque, até então, a imprensa carioca, que o apoiava, se dividiu, já que uma parte viu no gesto do técnico a criação de uma concorrência imbatível. O Jornal do Brasil fez até editorial condenando a volta de João Saldanha à profissão. Mas ele ficou muito triste com a demissão porque até o sábado, contava com apoio irrestrito da CBD e, entretanto, na segunda-feira, foi convocado para uma reunião na sede da CBD para discutir com o Antônio do Passo e o Havelange. Quando chegou em casa, foi informado, pela imprensa, que Antônio do Passo exigia "ou ele ou eu". Ele ficou muito sentido, mas não pode ter se surpreendido.

Por que o nome do Zagallo foi escolhido?
É fácil responder. No dia 17, à noite, já circulavam nos corredores da CBD, três nomes: Dino Sani, Zagallo e Otto Glória, de acordo com as preferências dos dirigentes. No dia 18, Antônio do Passo foi ao aeroporto receber o Dino Sani. Só que ele alegou oficialmente que não se considerava apto ainda. Ele era técnico do Corinthians, mas era relativamente novo na profissão. Alegou falta de condições psicológicas. O que se sabe é que ele não aceitou trabalhar sob a supervisão do capitão Cláudio Coutinho (preparador físico), que, a essa altura, já tinha tomado o lugar do Russo que, em solidariedade a Saldanha, havia saído. Ele foi o único membro da comissão técnica escolhido por Saldanha. Também não aceitou nomes previamente escolhidos por outros. Entre parênteses: Dario. Pegou o avião e voltou para o trabalho dele.
Então, o Antônio do Passo saiu dali e foi se encontrar com o Zagallo no treino do Botafogo. E o Zagallo aceitou tudo e pegou o emprego.

O Zagallo tinha um perfil mais flexível, aceitava interferências?
Eu não diria isso. Ele é pragmático. Sabia, por exemplo, que no time dele não tinha vaga para o Dario. Mas poderia ter vaga nos reservas. Não comprava brigas indigestas. Até porque ele, com toda razão, sabia do seu valor. Em fevereiro de 1969, ele era o favorito para substituir o Aymoré Moreira (técnico que esteve no comando da seleção no Mundial de 1962).
O terceiro nome, Otto Glória, rechaçou rudemente, dizendo que não admitiria jamais dividir o comando do escrete. Uma atitude corajosa.

Naquele contexto, qual era o grau de influência do regime militar nas decisões da CBD?
Total e absoluto.

Falando de seleção brasileira de uma maneira geral, você consegue identificar interferências no trabalho dos treinadores. Nas Olimpíadas de 2008, foi dito que o Ricardo Texeira, presidente da CBF, exigiu a convocação do Ronaldinho Gaúcho. Há ainda outro exemplo, que seria a suposta imposição de jogadores por parte da Nike.
Em todas essas tramas, não há documentos escritos, ninguém passa recibo, mas é notória, ainda mais hoje em dia, a interferência de grupos econômicos, forças econômicas poderosas, anunciantes, fabricantes de material esportivo sobre as ligações da CBF. O mundo dos negócios é uma realidade que ninguém pode desmentir. Na verdade, a CBF tem pouco a ver com clubes brasileiros, com o futebol brasileiro. Ela tem interesses próprios. Ela convoca quem ela quer, independentemente da pátria a que pertence o clube onde o jogador atua.

Você acha que a atual formação da seleção que vai disputar a Copa é um exemplo?
Diria até que é o contrário. Ela confirma essa ideia que eu tenho, mas ao contrário. Penso que as recentes pressões contra o Dunga têm origem em interesses.

Que tipo de interesses?
Valorizar certos passes que, num curto espaço de tempo, serão vendidos para a Europa. Nesse caso, Dunga demonstrou muita coragem em contrariar interesses que exigiam a convocação de certos jogadores. Estou falando de bambinos (risos).

Você está falando de garotos, como Ganso e Neymar?
Todos eles já estão com passagens marcadas para a Europa. Nada melhor do que uma camisa amarela para aumentar o preço. Dou meus parabéns ao Dunga.

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Benê Lima