Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, junho 24, 2010

Geraldo Campestrini, gestor esportivo

Pesquisador fala sobre o papel dos clubes como organismos de mobilização e integração social

Bruno Camarão

Para elucidação, é necessário dissociar o conceito de responsabilidade social da ideia de filantropia das organizações à comunidade. Somente desta forma, o real significado e o entendimento moderno daquele preceito, que aponta para a atuação socialmente responsável das instituições somente dentro do seu campo de atuação, ou seja, em torno daquilo que seus respectivos negócios fazem parte, passa a ser captado.

A função das entidades é cumprir com as necessidades das pessoas no presente, em todos os setores de atividade, sem que isto comprometa o futuro de outras gerações. Sendo as organizações um sistema inserido na sociedade, é preciso uma atuação pautada na ética, na legalidade, no senso de justiça e na responsabilidade econômica perante o governo, os consumidores, os fornecedores, o meio ambiente e demais envolvidos para suplantar uma série de melhorias coletivas. Clubes de futebol também deveriam compor esse âmbito, mas a prática só explicita exceções.

Graduado em Ciência do Esporte pela Universidade Estadual de Londrina, mestre em Gestão do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana, na Universidade Técnica de Lisboa de Lisboa-Portugal, e especialista em Gestão e Marketing Esportivo pelo Instituto Catarinense de Pós-Graduação, Geraldo Campestrini comprovou essa situação em uma pesquisa.

A intenção era justamente discutir as questões da responsabilidade social (RS) e verificar se as mesmas se aplicam ou não nas políticas e procedimentos das principais agremiações do futebol brasileiro no desenvolvimento do trabalho de formação de atletas. E os resultados indicaram que os departamentos investigados cumprem apenas em partes com as teorias propostas em termos de RS.

“No entanto, esse cumprimento acontece de maneira muito informal, totalmente dependente das pessoas que vivenciam o processo de formação de atletas no clube naquele momento”, revelou Campestrini, nesta entrevista concedida via e-mail à Universidade do Futebol.

Colunista especial do portal, o pesquisador viu seu projeto resultar na redação da Carta Internacional de Responsabilidade Social na Formação de Atletas para o Futebol – CIRESPFUTE 2009. Além disso, foi supervisor das categorias de base no Joinville Esporte Clube nos anos de 2005 e 2006 e técnico de futsal no Sporting Club Lisboa, de Portugal, em 2007.

“No Brasil, muitos clubes que possuem um vínculo grande com projetos sociais vieram fruto de ajustamentos de conduta ou acordos legais em detrimento de um problema havido com a justiça. As ações ainda são informais e desordenadas, salvo raras exceções”, apontou Campestrini, citando Atlético Paranaense e Internacional como exemplos interessantes de trabalho.

Defensor de novas práticas visando a profissionalização da gestão do esporte em todas as suas vertentes, ele ainda falou sobre sua visão em relação à gestão de arenas no país, o marketing social e como adequar no futebol o planejamento estratégico às intempéries motivadas por resultados negativos.

Universidade do Futebol – Qual a relação ou a associação que o futebol - clubes e federações -, tem com a responsabilidade social, em se tratando dos preceitos modernos e da aplicabilidade prática dela?

Geraldo Campestrini – As entidades de prática e de administração do futebol, ou de qualquer outra modalidade, possuem relações diretas com a sociedade e, por conseguinte, exercem forte influência e impactam de alguma maneira no modo de vida das pessoas. Parece óbvio, mas o fato é que muitas organizações esportivas adotam comportamentos que não condizem com a realidade de uma sociedade sustentável – a falta de transparência é uma delas, apenas para citar um exemplo.

Os clubes e as federações precisam entender seu papel como organismos de mobilização e integração social, valores inseridos na gênese da sua constituição, quando pessoas se reuniram com um propósito de fundar uma entidade ligada ao futebol.

O componente principal da responsabilidade social é justamente agir de forma equilibrada dentro daquilo que a organização se propõe a fazer, sem que isso impere em prejuízos para a sociedade como um todo.

Universidade do Futebol – Você desenvolveu uma pesquisa com o intuito de discutir as questões da responsabilidade social (RS) e verificar se as mesmas se aplicam ou não nas políticas e procedimentos dos clubes do futebol brasileiro no desenvolvimento do trabalho de formação de praticantes. Qual o panorama geral?

Geraldo Campestrini – O panorama geral dos clubes pesquisados (foram os 15 principais clubes do Sul e Sudeste do país e, portanto, aqueles com maior capacidade de investimento) é que a maioria deles até cumpre alguns dos preceitos destacados como relevantes para a análise da responsabilidade social na formação de atletas. No entanto, esse cumprimento acontece de maneira muito informal, totalmente dependente das pessoas que vivenciam o processo de formação de atletas no clube naquele momento.

Isso significa dizer que não há uma cultura ou a formalização de processos que determinem a atitude do clube, como organização, perante os menores. Fica tudo a critério do gerente de futebol da base e de seus respectivos treinadores e colaboradores o comportamento e as atitudes perante os atletas em formação – poucos clubes (entre três e quatro para cada item) apresentaram uma carta de princípios, um código de ética, um balanço social ou outro documento formal que qualifique as atitudes em termos de responsabilidade social na cultura organizacional do clube.

A responsabilidade social e o futebol

Universidade do Futebol – Em um de seus artigos expostos no portal, você identificou que os clubes, como organizações que são, precisam assumir formalmente seus papéis e princípios quanto à formação dos atletas. Já há uma evolução nesse sentido no Brasil?

Geraldo Campestrini – Vejo uma evolução neste sentido, sim. A pressão da sociedade, da mídia, do Ministério Público do Trabalho, de entidades como a Fifa, juntamente com a ONU/UNESCO, e outras organizações, tem contribuído para algumas mudanças de atitude. A nossa grande preocupação passa por entender até que ponto os clubes têm o direito de assumir o papel de tutores de menores por um longo período de sua formação.

Sabemos que, por um processo de seleção natural, a grande maioria das crianças e adolescentes que passam pelas categorias de base de um clube não se tornarão atletas de futebol profissional, por inúmeras razões. Se concordamos com esse mecanismo, será que é muito pedir ou recomendar aos clubes que trabalhem um formato de educação paralela, sem prejudicar a formação esportiva, mas que contribua para a inserção social daqueles que hão de fracassar no futebol?

Essa é a lógica principal da proposta da “Carta Internacional de Responsabilidade Social para a Formação de Praticantes para o Futebol” (CIRESP-FUTE 2009). Como eu disse anteriormente, os grandes clubes evoluíram bem dentro destes princípios, mas há muito o que fazer nos clubes de médio e de pequeno porte, que são a maioria. É também evidente, em razão desta pressão social para melhores práticas com crianças e adolescentes, uma disparidade significativa entre o discurso e a prática, merecendo atenção especial das pessoas neste sentido.

Universidade do Futebol – Há um modelo de publicação de balanço social mais recomendado? Como os clubes se apresentam como bons cidadãos corporativos perante a sociedade?

Geraldo Campestrini – Existe o modelo proposto pelo IBASE, que no Brasil é o melhor aceito pelas entidades que determinam critérios e parâmetros relacionados à responsabilidade social. Na pesquisa realizada com os clubes de futebol, apenas dois deles apresentaram Balanço Social: o Atlético Paranaense e o Internacional, sendo que apenas o Atlético Paranaense adota o modelo de Balanço Social do IBASE (o Internacional usa modelo próprio).

O Balanço Social não é um documento obrigatório, mas como recomendação, serve para esclarecer as atitudes e o investimento realizado no campo social pelas empresas ao longo de um ano.

Essa questão tem reflexo direto na transparência dos clubes e a lógica é simples: as entidades querem cada vez mais que as pessoas se preocupem com elas, que tenham uma relação positiva.

A recíproca é verdadeira. Os clubes precisam, portanto, mostrar e provar o quanto se preocupam com as pessoas para obterem retorno nesta via de mão dupla.


Complexo do CT do Caju abriga toda a estrutura administrativa e as equipes das categorias de formação do Atlético Paranaense

Universidade do Futebol – Como você vê o trabalho voltado à base e ao projeto social nas agremiações brasileiras, de maneira geral? É possível se traçar um paralelo com o que ocorre nas principais forças europeias, e quais são as particularidades?

Geraldo Campestrini – No Brasil, muitos clubes que possuem um vínculo grande com projetos sociais vieram fruto de ajustamentos de conduta ou acordos legais em detrimento de um problema havido com a justiça. As ações ainda são informais e desordenadas, salvo raras exceções. Também não vemos ações espontâneas, proveniente de um interesse em melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Na Europa, tive maior contato com os clubes portugueses, que atuam de maneira semelhante aos brasileiros. Pesquisei e tenho pesquisado outros clubes, com importante destaque para o Ajax, da Holanda, no seu trabalho de desenvolvimento de talentos e com reflexo considerável sobre a qualidade de vida dos jovens atletas.


Segunda equipe e academia para jovens do Ajax: clube holandês é considerado como uma das referências do Velho Continente em termos de formação de atletas

Universidade do Futebol – Manter um estádio de futebol é algo caro para qualquer clube brasileiro. A utilização do local para eventos e shows é uma alternativa para garantir a sua sustentabilidade. Partindo-se do estágio atual, e tendo o Morumbi como parâmetro, como você enxerga a gestão de arenas no Brasil e o que pode ser feito para um upgrade com vistas à sustentabilidade?

Geraldo Campestrini – Nossos estádios estão defasados e antiquados. É como reformar casa antiga, se pensarmos na nossa vida particular: quanto mais se mexe, mais problemas aparecem. Muitas vezes é preferível desmanchar e construir outra no lugar, tornando-a economicamente mais viável no médio-longo prazo. Penso que a lógica para os estádios é a mesma, mas a nossa cultura não admite este tipo de pensamento.

Um estádio precisa de alternativas, de acessibilidade, de condições viárias e transporte urbano adequado para torná-lo sustentável. Muitas arenas na Europa abrigam mais de 200 eventos ao longo de um ano, sem considerar os 30, 40 jogos de futebol em casa na temporada.

Tudo passa pelo planejamento e adequações para que o espaço possa ter vida ao longo do dia, que abrigue desde um congresso ou encontro de médicos até um show internacional, e no dia seguinte esteja em condições de receber uma partida de futebol pelo campeonato nacional. Esse planejamento começa antes da construção do estádio.

Universidade do Futebol – O que podemos aproveitar da experiência européia no tocante às ações de marketing e que seriam passíveis de implantação no futebol brasileiro?

Geraldo Campestrini – Estou trabalhando em outra pesquisa relacionada ao marketing social dos clubes de futebol, juntamente com outro pesquisador brasileiro que faz doutorado na Espanha, o André de Paula. Neste sentido, estamos investigando e comparando as ações de responsabilidade social publicadas nos sites oficiais dos clubes da 1ª divisão de Espanha, Portugal e Brasil – o estudo será apresentado no Congresso Europeu de Gestão do Esporte em setembro deste ano, que ocorrerá em Praga, na República Tcheca.

A nossa primeira recolha de dados, ainda não oficiais, mostra que o Brasil está um pouco atrás destes mercados quando falamos em comunicar as ações sociais realizadas e os projetos ligados a responsabilidade social. Esta noção de marketing tem reflexo direto no pensamento de autores como Philip Kotler, que lançou, em co-autoria com Kartajaya e Setiawan, recentemente, o livro chamado “Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano” (Editora Elsevier, 2010).

Percebo que os clubes brasileiros exploram muito pouco essa mobilização social inerente a modalidade.

Sporting: relação entre dados econômicos e esportivos

Universidade do Futebol – Qual é a importância da migração de um cenário multidisciplinar para uma perspectiva interdisciplinar no contexto do ambiente corporativo? Essa exigência é pertinente também no esporte?

Geraldo Campestrini – Em uma abordagem simplificada, a interdisciplinaridade faz menção ao componente que relaciona o conhecimento de diferentes áreas que são úteis para determinada finalidade, contribuindo para a tomada de decisão, a solução de problemas e a definição de processos dentro de uma equipe de trabalho ou mesmo fazendo parte da pauta de saberes dos gestores.

Essa perspectiva passa, portanto, pela conexão e acúmulo de distintos conhecimentos fundamentais para o eixo organizacional – quando falávamos em multidisciplinar, não havia esta justaposição e raciocínio para um fim.

No esporte essa relação é igualmente fundamental. Parte da formação da comissão técnica, com distintos conhecimentos e com um objetivo comum, passando por toda a estrutura organizacional, que deve perceber e entender as conexões entre o que pode interferir no diálogo dos negócios com aquilo que se espera em termos de resultado esportivo.

A decisão de optar pela contratação do jogador “A” ou “B” pode passar pela análise conjunta do treinador da equipe, que verá o atleta pelas suas habilidades técnicas e táticas, somada à opinião da psicóloga em relação a questões da personalidade dos jogadores, com as reflexões do gerente de marketing pelo potencial de marca e vendas de produtos licenciados da personalidade.

Universidade do Futebol – A abordagem holística de colaboradores e funções é determinante para o sucesso em qualquer ambiente. Mas quais são os passos que devem ser dados para que isso seja possível em um mercado que cobra resultados imediatos e não se preocupa com os processos que levam a essas metas?

Geraldo Campestrini – Os planos no esporte e em especial no futebol devem passar por duas reflexões importantes: os resultados esportivos é que vão dar vazão aos resultados econômicos? Ou são os resultados econômicos é que hão de proporcionar vitórias e conquista de campeonatos?

Se acreditamos que sem resultados imediatos não há como manter um clube, então devemos refletir na sustentabilidade destes resultados. A resposta está na estrutura e nas condições financeiras disponíveis pelo clube – se há recursos para manter estes resultados, ótimo. O grande problema é que a maioria dos clubes brasileiros não reúne condições de fazer “loucuras” todos os anos.

Minha visão é pela busca constante do equilíbrio entre um lado e outro. Isso pode ocorrer através da criação de duas gerências no início de um trabalho: uma responsável pelos resultados imediatos, dentro da capacidade de investimento possível do clube; a outra pela formatação de processos com visão de longo prazo.

A ideia passa pela ampliação do escopo do trabalho da segunda visando um encontro com a primeira ao longo do tempo até a adoção de uma mesma linguagem e princípios de atuação.

Planejamento x clubes de futebol

Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria entre as áreas em um clube de futebol?

Geraldo Campestrini – Nós estamos na era do conhecimento. Vivenciamos mudanças constantes na sociedade e no comportamento das pessoas. Se as organizações não estiverem preparadas ao ponto de serem capazes de se adaptar a essas mudanças, estão fadadas ao insucesso. Isso quer dizer que as ciências do esporte devem servir para o embasamento das tomadas de decisão no campo prático. Do contrário, o método passa a ser o da “tentativa-erro”, ou seja, se não há conhecimento acumulado, a decisão passa a ter suporte no “achismo” e não na convicção e debate de ideias.

Universidade do Futebol – Com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos no Brasil durante a próxima década, quais são as perspectivas que você vislumbra para o desenvolvimento sustentável da indústria do esporte no país?

Geraldo Campestrini – Os megaeventos citados, e podemos incluir aí as Paraolimpíadas, servirão como motor propulsor de iniciativas e crescimento do esporte em inúmeros segmentos. Isso é claro e as experiências em outros países comprovam a assertiva. Contudo, não vejo ações e discussões fundamentadas para que esse crescimento se torne de fato sustentável.

A sustentabilidade dos megaeventos deverá vir das novas instalações, com praticidade e facilidade de uso para a população; pela formação e capacitação das pessoas, deixando um legado de conhecimento para futuras atuações no campo esportivo; na questão econômica, sem que haja um grande impacto sobre as finanças públicas e que a população tenha que pagar posteriormente a conta dentre outras. Mas isso tudo parece utópico e ainda distante das ações relacionadas a essas organizações.


Campestrini ainda não vê ações e discussões fundamentadas para que crescimento do esporte se torne de fato sustentável, mesmo com os eventos citados

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Benê Lima