O treinamento de força no futebol passou por mudanças nos últimos tempos e tem se tornado cada vez mais específico
Rafael Martins Cotta *
Cada vez mais o treinamento de força vem ganhando um maior espaço no futebol e em todas as categorias. Sabemos que a força é uma capacidade física básica para qualquer pessoa na execução das tarefas diárias e para atletas de qualquer modalidade, e, quanto mais esta conseguir se manifestar dentro do campo de jogo, mais em alto rendimento este atleta competirá. Esta capacidade apresenta subdivisões que devem ser treinadas de forma que atendam as necessidades da partida em suas respectivas categorias, trabalhando com as cargas corretas de acordo com as faixas etárias e com os exercícios ideais para formação e desenvolvimento do atleta. Podemos encontrar vários nomes para estes subtipos, em que precisamos saber quando, como, quanto, pra quem e onde realizar estes trabalhos.
Abaixo encontramos uma explicação resumida para estes subtipos de acordo com Carvalho & Carvalho, apud Schmidtbleicher, 1985:
1) Força máxima: é o valor mais elevado de força que o sistema neuromuscular pode produzir independente do tempo.
2) Força rápida: força condicionada pelo fator tempo. A maioria dos esportes depende das ações de força executadas com rapidez.
3) Força explosiva: é o resultado da relação entre a força produzida (manifestada ou aplicada) e o tempo necessário disponível.
4) Potência: razão entre um determinado trabalho mecânico e o tempo em que é efetuado, ou o produto da força pela velocidade.
5) Resistência de força: resistir à fadiga em solicitações de força.
Na literatura encontramos inúmeros trabalhos relacionados ao treinamento de força, porém, o problema está na sua realização. Aplicar treinamentos em academias ou no próprio campo? Trabalhar a transferência após uma ação tensional ou metabólica? Trabalhar com aparelhos ou pesos livres? Treinar em cadeia cinética fechada ou aberta? Crianças iniciando no esporte podem realizar treinamento de força ou não? Trabalhar os atletas para desenvolver a hipertrofia ou apenas a resistência muscular? São algumas perguntas frequentes que nos fazemos e na maioria das situações a resposta está em apenas uma palavra: depende. Depende da etapa em que se encontra o atleta, do nível de coordenação dos seus movimentos para realização dos exercícios, do local disponível para realizar os trabalhos de que o atleta está precisando desenvolver naquele momento, entre outras tentativas de resposta.
A periodização tem grande importância não só no treinamento de força, mas de todas as capacidades e é nela que consultaremos as orientações de carga e objetivos dos microciclos a partir de suas características. Treinar a força requer acompanhamento severo, controle individual e certeza de que os movimentos estão sendo executados corretamente pelos atletas, pois seu aumento acarretará num aumento da condição atlética desta capacidade e das outras, e sua má realização pode ocasionar sérias lesões. Como para tudo, o sucesso deste tipo de trabalho está por trás de um bom planejamento.
Sabemos que quanto mais perto da realidade da competição forem elaborados os treinamentos, maior será a transferência para a mesma. Porém, sabemos também que o futebol é uma modalidade que envolve todas as capacidades e torna-se difícil a montagem de alguns tipos de trabalho. Conhecer as necessidades do jogo e como os atletas de cada posição são exigidos durante uma partida com relação a todas as capacidades é primordial aos preparadores físicos. Com isso, devemos elaborar exercícios que estimulem estas exigências pra quando nossos atletas forem requisitados, os mesmos não sintam dificuldade e se sobressaiam aos adversários. Para isto, devemos trabalhar em especificidade.
Manso, Valdivieso e Caballero (1996) acrescentam aos subtipos de força muscular a força especial, que pode ser entendida como a capacidade de tensão que cada grupo muscular pode gerar em uma velocidade específica de execução. Assim, os treinamentos de força especial para futebolistas devem ser realizados com movimentos relacionados às ações motoras do jogo pela influência da adaptação neural na produção de força, em que este elevado nível não poderá ser utilizado efetivamente se o atleta não for capaz de coordenar a ativação dos diferentes grupos musculares no movimento (Bangsbo, 1994).
Colocarei neste texto alguns pontos que podem virar discussões futuras, mas serão de grande importância para nosso crescimento como profissionais e discussão embasada na ciência e não no empirismo.
O treinamento da força máxima aumentará o recrutamento do número de unidades motoras e futuramente trará para o atleta uma maior velocidade se quando o mesmo estiver adaptado a este tipo de treinamento. Alguns estudos colocam que se após a ação tensional realizarmos imediatamente uma ação de potência, esta pode ser aumentada. Outros estudos comprovam que a eficácia da transferência após 3 minutos da execução da ação tensional consegue se aproximar mais de um aumento no número de unidades motoras recrutadas. Aplicando este tipo de trabalho no futebol, fica a seguinte dúvida. Necessito de muito peso para executar um treino de força máxima, em que provavelmente numa equipe profissional fica inviável levar para o campo esta grande quantidade de peso numa situação de trabalho de um grupo entre 20 e 30 atletas, porém, não é impossível.
Apenas temos que ter uma boa equipe de apoio e correção, e estrutura para dispor de uma boa quantidade de peso. Por outro lado, se a academia oferecer um bom espaço, a aplicação deste trabalho torna-se ainda mais viável, até porque a transferência pode ser feita para um trabalho pliométrico. Em contrapartida, ao levarmos para o campo pouco peso, podemos trabalhar a transferência com ações mais específicas e com maior ênfase na potência. Contudo, ao realizar o exercício (com menos peso) não estaremos recrutando o número necessário de unidades motoras para aumentar esta velocidade.
Com relação à cadeia cinética de realização dos exercícios, podemos deixar as nossas cadeiras extensoras, mesas flexoras, entre outros aparelhos, para a reabilitação de lesões. Isto se deve, pois os exercícios em cadeia cinética fechada, além de trabalhar o equilíbrio do atleta, ainda serão mais específicos por utilizarem mais articulações e trabalharem de forma específica todos os músculos que serão solicitados na competição, além da especificidade do próprio movimento.
Os exercícios de agachamento, avanço, afundo, levantamentos “clássicos” do LPO (o arranco e o arremesso), possuem similaridade com as ações de diversos esportes, principalmente aqueles que dependem de ações horizontais e verticais com a extensão simultânea das articulações do tornozelo, joelho e quadril (como no basquete, vôlei, futebol, handebol, tênis, atletismo, entre outros), sendo considerados exercícios de força específicos. O arranco e arremesso quando corretamente executados são o mesmo que um “salto com pesos”. Essa ação explosiva e coordenada pode ser de grande auxílio para atletas de diversas modalidades. Várias pesquisas demonstram uma grande correlação entre os exercícios de LPO e o salto vertical. O salto vertical máximo é um teste amplamente utilizado e reconhecido como medição de potência dos membros inferiores (Dantas & Coutinho, 2009).
Qual a finalidade de se aplicar um treinamento de resistência de força visando hipertrofia de um atleta profissional? Ele precisa de estímulos específicos, pois o seu momento de base já passou, ou seja, aplicar este tipo de trabalho neste atleta está tomando a oportunidade da realização de um trabalho mais específico e que o traga mais resultados na competição.
Enfocar uma periodização apenas no desenvolvimento desta capacidade pode gerar várias discussões, mais em alto nível, o que determinará o resultado será o trabalho das capacidades determinantes. Trabalhamos a base nas categorias menores, como seu próprio nome já diz, “trabalho de base”, o atleta de alto nível tem que ser trabalhado visando o resultado e a especificidade. Principalmente o treinamento de força tenta aproximar as chances de isso acontecer, lógico que vários outros fatores determinam o resultado no futebol.
Com o aumento de profissionais aplicando o treinamento funcional, algumas idéias passadas estão ficando para trás. Com a evidência do treinar em especificidade ser mais eficaz e com a renovação dos preparadores físicos paralela à maior busca pelo conhecimento e a tentativa de se errar menos, vamos aos poucos melhorando a qualidade dos trabalhos físicos no futebol.
Ficam aí vários pontos para serem estudados e discutidos!
Bibliografia:
Carvalho & Carvalho, Revista Portuguesa de Ciência do desporto 6(2), Apud Schmidtbleicher D (1985). Klassifizierung des Trainingsmethoden. In Krafttraining Lehre des Leichtathletik. Beilage zur zeitschrift Leichathletik 35(50): 1785-1792.
BANGSBO, J. The physiology demands of playing soccer. In: EKBLOM, B. (Ed.).
Football (soccer). London: Blackwell Scientific, 1994c. Cap.4, p. 43-58.
MANSO, J.M.G; VALDIVIELSO, M. N; CABALLERO, J. A.R. Bases teóricas Del
entreinamiento desportivo: princípios y aplicaciones. Madrid: Gymnos, p.367,
1996.
Dantas, E. & Coutinho, J. LPO System. Força e potência no esporte. 2009.
* Rafael Martins Cotta é pós-graduado em Treinamento Desportivo pela UGF e, atualmente, atua como preparador físico do E.C. Santo André (Categorias de Base) /Centro de Formação e Treinamento de Futebol.
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Benê Lima