Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor
1. Fim da aula expositiva original. Há professores universitários que se esqueceram que são antes produtores que reprodutores do conhecimento. Professores assim abandonam a aula expositiva em que deveriam apresentar uma tese original e a substituem por seminários dos próprios alunos que, não raro, resultam apenas em forma sofrida de empurrar a aula. Isso não quer dizer que o professor, na graduação, deve dar aula de sua dissertação ou tese e, sim, que ele deve ter um discurso próprio até mesmo sobre o assunto dos cursos básicos. É isso que torna a aula válida e importante, caso contrário o aluno poderia simplesmente dispensar a aula em função do livro. O professor que não tem um discurso original faz o aluno duvidar da utilidade da aula e, então, resta a esse professor segurar o aluno em sala por meio da coerção da caderneta de presença, o que é mais que lamentável.
2. Doutrinarismo. Há professores que não conseguem distinguir entre o discurso meramente doutrinário e o discurso útil à ampliação do conhecimento do aluno. Em nome da não neutralidade do seu discurso, torna-se incapaz de distinguir entre o discurso com razões explícitas e bem concatenadas e o discurso com denúncias vazias, razões toscas ou nenhuma razão, preenchido por frases dogmáticas. O doutrinarismo, de qualquer tipo, é o começo do fim do ensino superior. Onde ele impera, a universidade acaba.
3. Excesso de avaliação. Há professores que não ensinam, apenas avaliam. Seus cursos são, na verdade, um conjunto de provas ou, então, um excesso de informações que só ganham significado pela existência da prova. Trata-se não de um curso para a aprendizagem e, sim, de um curso para se esmerar na “arte de fazer exames”. É interessante que quanto mais avalia, esse professor menos se avalia.
4. Burocratismo e avalanche de atividades. Há professores que tudo que tocam transformam em burocracia. Exigem a presença na aula, mas de modo burocrático. Exigem a entrega de mil e um trabalhos, mas todos eles só servem para fazer o aluno não estudar, não criar, não se desenvolver, pois são meros instrumentos burocráticos para deixar o aluno ocupado. Esse é o tipo do professor que não tem a mínima noção do que é o conhecimento, ele não sabe que o conhecimento é irmão gêmeo do “período de maturação”. Excesso de atividades pode antes tirar o aluno do estudo que colocá-lo em uma situação de reflexão e amadurecimento. Em um curso universitário em que a maioria dos professores age assim, o melhor que o aluno tem a fazer é sair e procurar uma universidade melhor.
5. Não problematização. Encontramos professores que expõem tudo de modo liso, como se não existissem problemas a serem resolvidos no âmbito do assunto que ministra. Para esse tipo de professor o conhecimento é um conjunto de enunciados que se sobrepõem, e não uma guerra de teorias e verdades que, não raro, cria mortos e feridos definitivos. Para esse professor, o conhecimento é alguma coisa da ordem do acúmulo e não da maravilha da aventura. No máximo, esses professores colocam questões e perguntas, mas são incapazes de trabalhar com um problema efetivo junto com os alunos. Um curso em que o estudante não se defronta com problemas reais que ele tem de resolver pode ser tudo, menos um curso universitário.
6. Falta de curiosidade. Muitos professores reclamam da falta de curiosidade dos alunos pelo assunto de seu curso quando, na verdade, eles próprios não possuem nenhuma curiosidade por tal assunto. O professor universitário deve expor os problemas da sua disciplina, em especial os problemas que encontraram soluções, ainda que não definitivas, mas também deve tentar mapear para o aluno os problemas que permanecem em aberto. Entre esses últimos, alguns podem, sim, ser abordados em nível de graduação. Muitas vezes, são os casos que podem ser abordados na graduação os mais próximos do cotidiano e que chamam o aluno para várias formas de laboratório, segundo as especificidades de seus cursos. O professor deve ter curiosidade por eles e fomentar tal curiosidade no estudante. Caso não consiga isso, talvez seja interessante verificar se não está na área errada ou mesmo na profissão errada.
7. Opinião cristalizada. Encontramos um tipo de professor que conversa muito e deixa o aluno participar da aula com inúmeras perguntas. Dá a impressão de ser um professor aberto. No entanto, às vezes nada é senão um professor extremamente fechado, pois é incapaz de ver que, em determinado nível, o diálogo só ocorre verdadeiramente se a possibilidade de mudar de opinião se verifica. Ele dialoga muito, mas não oferece razões para o aluno mudar de opinião. Inversamente: quando posto na parede e se pega sem razões para argumentar, ainda assim não muda de opinião. O professor universitário que não muda de opinião não serve para o ensino superior. A universidade só é boa se ela cria sem medo o espaço do erro do aluno e do professor, incentivando-os a mudar de posição ou, ao menos, procurar boas razões para não mudar.
8. Fuga da discussão com os pares. Há professor universitário que nunca consegue conversar com os colegas a respeito do assunto que pesquisa ou trabalha. Conversa de tudo e, sobre assuntos burocráticos da universidade, sabe tudo. Todavia, é incapaz de viver o seu assunto de aula e de pesquisa. Deste professor nenhum colega arranca qualquer opinião sobre conteúdos acadêmicos, embora possa conseguir sua opinião sobre todo o resto. Esse tipo de professor que não se envolve com seus próprios conteúdos que ministra e que, enfim, só é um intelectual em sala de aula, acaba por não ser intelectual em lugar algum. Não tem qualquer condição de se colocar como professor universitário. O professor universitário é um intelectual polemista também e principalmente fora da sala de aula, não só com os alunos, mas com seus pares. Ele escreve e fala cotidianamente sobre seu tema e a relação deste com o que ocorre no mundo. Quando não faz isso, está na profissão errada.
9. Nem scholar, nem erudito. O professor universitário deve ter erudição e, ao mesmo tempo, ser um scholar de determinado autor ou assunto. Não se pode ser scholar sem ser erudito no campo da cultura geral e não se pode ser um erudito sem ser um scholar. Só o casamento perfeito dessas duas condições garante o que deve ser o professor universitário.
10. Não presença nos corredores. O professor universitário não tem seu único lugar na sala de aula ou em sua sala ou escritório. Seu lugar é, principalmente, na cantina, nos corredores, nos espaços em que os alunos circulam. O professor que recusa o exercício do footing pela universidade para se deixar abordar pelos alunos e socializar suas experiências, atender alunos e criar um “clima” de polêmica e conversação cultural, não pode ser professor universitário. A universidade só é viva se nos corredores e nas cantinas fervilham discussões promovidas pelo erotismo socrático distribuído entre mestres e estudantes, o que os faz se seduzirem mutuamente. Fora disso, a universidades quase que se resume a um prédio morto – talvez um túmulo de cérebros.
© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
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Benê Lima