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GUILHERME COSTA
Da Máquina do Esporte, em São Paulo
Se a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 transformaram o esporte em um segmento destacado no projeto do Brasil para a próxima década, isso apenas confirmou a realidade que se consolidou nos dois últimos anos. Regulamentada em 2007, a Lei de Incentivo ao Esporte, similar aos planos de incentivo à cultura, tem condições de ser artífice de uma série de mudanças na política da atividade física no país.
O problema é que falta eficiência. Das propostas apresentadas atualmente, 80% não são admitidas como projeto por falta de documentação. A triagem dos processos, que não deveria ser restritiva, ainda barra quase um terço das iniciativas. E do número menor que é aprovado, apenas 30% realmente conseguem obter financiamento em empresas.
No primeiro estágio, o ponto-chave é a formação de gestores. Grande parte dos projetos rejeitados deve-se à falta de qualidade nas propostas, e o que é aceito tem concentração totalmente desigual: 92% tem origem em três Estados (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), sendo que São Paulo responde por 60% do valor captado.
O que deixa mais evidente a importância de qualificação de gestores é a postura aberta dos responsáveis pela Lei de Incentivo ao Esporte. Enquanto a maioria dos debates sobre o tema fala sobre benefício de uma instituição em detrimento de outras, Ricardo Cappelli, presidente da comissão montada pelo Ministério do Esporte para gerenciar a legislação, lembra que não existe uma concorrência por um mesmo recurso.
"Mais importante do que discutir para quem vai o recurso é buscar maneiras de aproveitá-lo totalmente. Temos um espaço de crescimento muito grande ainda. Se tivermos mais qualidade nos projetos e um número maior de inscrições, poderemos atingir um volume mais próximo do limite. Mais do que discutir se A é beneficiado ou B é preterido, é importante usarmos tudo que a lei nos oferece", disse Cappelli em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
Ainda que a preocupação do Ministério atualmente seja com quantidade, não com a qualidade, a pasta é obrigada a rejeitar a maioria dos projetos. E quando os aprova, ainda precisa buscar maneiras de convencer empresas a investirem. Companhias que declaram imposto de renda pelo lucro real podem investir até 1% do valor em projetos aprovados.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Qual é sua avaliação sobre o momento do esporte no Brasil?
Ricardo Cappelli: Parafraseando o presidente Lula, nunca antes na história deste país o esporte esteve tão em pauta. Outro dia eu ouvi um comentário na rádio CBN de um analista de economia sobre o futuro. Ele disse que três fatores serão decisivos para um impulso ao Brasil: o pré-sal, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O esporte vive um momento especial, de muitas oportunidades. O orçamento do Ministério do Esporte em 2003 era de R$ 280 milhões, mas saltou para R$ 1,3 bilhão no ano passado. O esporte sempre teve um lugar secundário na agência da política pública, mas passa por um ciclo de fortalecimento e encontrará muitas oportunidades nos próximos dez anos.
ME: E a Lei de Incentivo ao Esporte, como se enquadra nesse cenário? Como tem sido a reação das empresas?
RC: A Lei de Incentivo ao Esporte é relativamente nova, mas já proporcionou alterações significativas na estrutura da empresas. Várias delas começaram a criar setores específicos para avaliar a visão da companhia e as oportunidades que existem para projetos no esporte. A Lei de Incentivo ao Esporte surgiu em um contexto positivo, mas ainda tem pouco tempo de vigência.
ME: Você considera a Lei de Incentivo ao Esporte como algo consolidado?
RC: Já houve mais de R$ 150 milhões investidos em dois anos, com mais de 1,5 milhão de pessoas beneficiadas, mas a lei ainda não usou todo o potencial que tem. Tivemos uma movimentação pequena dentro do universo que existe. E o que nós vemos é que ainda existe muito desconhecimento de empresas e de proponentes.
ME: Como é feita a seleção de projetos atualmente?
RC: A Lei de Incentivo, propositalmente, não é restritiva. Temos apenas uma restrição sobre quem pode apresentar projetos, que não podem ser feitos por pessoas físicas. A comissão que avalia é formada por membros do governo e da sociedade civil, pessoas que buscam referências para ter um equilíbrio e enriquecer a compreensão da sociedade.
ME: Por que o número de projetos é tão inferior ao volume de apresentações? O que falta para melhorar o aproveitamento?
RC: Nossa intenção é aprovar o maior número possível de projetos. O número de registrados é grande, mas a matriz do esporte no país ainda carece de um desenvolvimento. Falta expertise nos projetos, e qualificar gestores é um grande desafio nosso para os próximos anos. É fundamental formarmos pessoas capazes de aproveitar esse recurso que está aí.
ME: Qual é a projeção da Lei de Incentivo para este ano?
RC: O balanço de 2009 ainda não está fechado, mas a expectativa é que tenhamos o triplo de projetos em comparação com o ano anterior. Isso mostra que a Lei de Incentivo ao Esporte está crescendo e se consolidando. Tomamos medidas para acelerar os projetos, para não termos mais de 90 dias entre a apresentação, a apreciação e a definição.
Em 2007, tivemos 629 projetos apresentados e 416 aceitos. No ano seguinte, 666 projetos apresentados e 260 passaram. O número caiu drasticamente porque 80% do que chegava para nós não tinha nem a documentação necessária. Começamos a barrar logo por aí. Desde fevereiro, projeto sem documentação não forma sequer um processo.
ME: E desde que a lei começou a funcionar? A evolução está dentro de suas projeções?
RC: O crescimento tem sido dentro do esperado. É difícil fazer qualquer balanço sem que exista um histórico, e dois anos não são suficientes para criar um histórico. Teremos um cenário mais claro daqui a alguns anos, mas estamos investindo para intensificar o crescimento.
ME: Os recursos da Lei de Incentivo ao Esporte são bem distribuídos pelo país?
RC: Um dos problemas da lei é a concentração. 92% dos recursos captados estão divididos entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com 22%, 10% e 60%. Esses dados nos fazem voltar à questão da expertise, que ainda é pouco abrangente. Precisamos aproveitar mais para crescer, e para isso precisamos de mais qualidade. O grande desafio que temos pela frente agora é qualificar a gestão do esporte em todo o país.
ME: Você fala constantemente sobre o volume de recursos liberados, mas nem tudo isso vira apoio efetivo. De tudo que é aceito em projetos, quanto é efetivamente captado com empresas?
RC: Existe uma taxa de 30% do que é liberado que consegue efetivar a captação. Isso nos mostra que temos alguns desafios. O primeiro é aumentar a efetividade, divulgando a possibilidade que as empresas têm e mostrando a elas como funciona. Companhias não apoiam qualquer projeto. Em geral, elas preferem não alocar recursos se o projeto não transmitir total segurança. É um trabalho de divulgar a legislação, melhorar os projetos e dar credibilidade ao setor.
ME: Por que existe a restrição de não liberar verbas diretamente a atletas?
RC: Essa é uma questão complicada. É difícil colocar dinheiro público nas mãos de uma pessoa física. Não podemos simplesmente depositar verba do governo na conta de alguém, ainda que o fim seja positivo. Mas não encaramos isso como um fator limitador, já que o atleta pode fundar sua instituição. O projeto da Isabel Swan para as Olimpíadas de Londres-2012 captou dinheiro incentivado. Para isso, criou uma entidade.
ME: Mas isso não estimula a utilização de "laranjas"?
RC: A lei não limita o proponente, mas estimula uma interação entre atletas, federações, confederações e empresas. A ideia é que surjam parcerias, mas nada impede que um atleta crie sua própria instituição. Temos aí as fundações como Gol de Letra, Bola pra Frente e IEE. Eles nos mostram que isso é possível sem que sejam usados "laranjas". Boa índole e má índole existem em qualquer segmento. O desafio é encontrar um equilíbrio e criar regras que se aproximem de realidades diversas.
ME: Você considera correto o direcionamento dos recursos?
RC: Mais importante do que discutir para quem vai o recurso é buscar maneiras de aproveitá-lo totalmente. Temos um espaço de crescimento muito grande ainda. Se tivermos mais qualidade nos projetos e um número maior de inscrições, poderemos atingir um volume mais próximo do limite. Mais do que discutir se A é beneficiado ou B é preterido, é importante usarmos tudo que a lei nos oferece.
ME: O São Paulo captou dinheiro via Lei de Incentivo ao Esporte para construir um centro de formação de atletas em Cotia-SP. É legítimo usar dinheiro público para a construção de uma obra da iniciativa privada?
RC: Na época em que o São Paulo Futebol Clube apresentou o projeto, fizemos uma consulta aos órgãos de controle e não houve veto à possibilidade. Recentemente, uma portaria delimitou o caso de construções. Em caso de emprego de dinheiro público, é preciso que os clubes ofereçam contrapartidas de uso para a população. É razoável construir equipamentos que contam com Lei de Incentivo ao Esporte e não seriam erguidos sem ela. O Maria Lenk e o Velódromo foram feitos com recurso público, mas são administrados pelo COB. Da mesma forma, o São Paulo Futebol Clube é um clube social. Não se trata de uma empresa, e essa peculiaridade precisa ser considerada.
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Benê Lima