O Guarani viveu dois momentos absolutamente distintos em 2009. Após realizar uma campanha irregular no Campeonato Paulista, a equipe entrou na rodada final da competição necessitando de um triunfo sobre o Bragantino e uma combinação de uma série de resultados paralelos para evitar o descenso. Sequer conseguiu fazer sua parte.
O fracasso em termos de rebaixamento foi o sexto nos últimos oito anos. Antes disso, o clube de Campinas havia sofrido a queda nos Paulistas de 2001 e 2006, no torneio Rio-São Paulo em 2002, e nos Nacionais de 2004 e 2005, este último na Série B. Mas a partir do pontapé inicial no Brasileiro da segunda divisão da atual temporada houve uma mudança de figura. E Oswaldo Alvarez esteve presente nela.
Com duas passagens no currículo pela equipe alviverde, Vadão, como é conhecido desde que ingressou no futebol em 1974, então como atleta das categorias de base bugrina, é referência e homem de confiança da cúpula interiorana. Conduziu um planejamento emergencial, com cerca de dez dias de preparação antes da estreia no Nacional, contra o Fortaleza, atual campeão cearense, e se deu bem. Goleada por 4 a 2 sobre os nordestinos, acompanhada de outros sete triunfos nas dez partidas seguintes.
A perda da invencibilidade só ocorreu na 12ª rodada da competição -recorde igualado ao Corinthians-08 na Série B -, mas a liderança folgada de então já credenciava o Guarani ao posto de um dos principais candidatos ao acesso.
"Um ambiente geral no clube e na torcida 'comprou a causa' de resgatar o Guarani. No fim do primeiro turno, ainda apresentamos uma queda, e tivemos de contratar mais alguns atletas. E, mesmo num grupo com 40 pessoas, parece que todos fazem parte de uma mesma família", revelou Vadão, nesta entrevista à Universidade do Futebol.
"Podemos repetir esse plano estratégico no ano que vem e dar tudo errado, até por conta da emergência com o qual ele foi realizado. Mas esse momento do Guarani é, de fato, especial, também", acrescentou o treinador que passou por diversos clubes do interior - inclusive o rival do Guarani, a Ponte Preta - e traçou seu nome no futebol a partir de uma performance marcante no início da década de 1990 à frente do Mogi Mirim. Era o "Carrossel Caipira".
Baseado nas referências de Vadão, encantado pelo futebol holandês, em especial à performance na Copa do Mundo de 1974, buscou repetir a estratégia do comandante da "Laranja Mecânica", Rinus Michels, no seu grupo: deu certo. Foram vitórias em sequência e a atenção despertada dos rivais para o talento de Capone, Válber, Leto, Rivaldo e companhia.
"Atuávamos em um 3-5-2 com muita rotatividade. Nesse aspecto é que fomos comparados com a Holanda de 1974, não pelo esquema. Naquela época, praticamente revolucionamos a formação no país, pois a seleção brasileira havia sido crucificada com o Lazaroni por atuar dessa maneira na Copa de 90 - mas foi o modo como a Alemanha se sagrou campeã", indicou Vadão, fã também de Claudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira.
"Curiosamente eu peguei uma safra de jogadores jovens muito versáteis. Rivaldo era centroavante e virou meia, o time era muito flexível, e como jogava bonito, rodando as posições, e eu falava muito do Rinus Michels nas entrevistas e para os jogadores, acabou sendo apelidado dessa forma", completou o treinador do Guarani.
Dentre outros temas, o experiente profissional fala ainda sobre aspectos peculiares das categorias de base nas agremiações nacionais, a importância da psicologia do esporte aplicada ao futebol para o desempenho de seu grupo e as adversidades explicitadas pelo modelo do calendário brasileiro.
Universidade do Futebol - Por favor, conte sobre sua trajetória como jogador de futebol profissional, a formação acadêmica em Educação Física e a transição para a carreira de treinador.
Vadão - Eu comecei no próprio Guarani, em 1974, como atleta do juniores, e tive passagens por alguns clubes do interior, como Noroeste e Botafogo-SP. Quando eu encerrei minha carreira, eu estava no Derac, de Itapetininga, e vi que não tinha muitas perspectivas. No ano de 1980, ingressei na FKB - Fundação Karnig Bazarian, após ter ficado três anos no Derac.
Ganhei uma bolsa de estudos, passei em primeiro lugar no vestibular de Educação Física, e no ano seguinte, comecei como auxiliar de preparação física na Portuguesa, com o Pedro Pires de Toledo, função que desempenhei por duas temporadas.
Aprendi praticamente tudo de preparação física com ele, e fiquei nessa função por mais ou menos 10 anos.
Em 1991, no Mogi Mirim, quando eu era preparador físico, a equipe não se encontrava bem e assumi, de início, interinamente, a função de treinador. Acabamos salvando o time do rebaixamento no Campeonato Paulista à ocasião e as pessoas envolvidas com o clube me incentivaram a continuar - diziam que eu tinha o perfil para atuar nessa área.
Até relutei um pouco, mas acabei aceitando, e em 92, com o famoso "Carrossel Caipira", me consolidei.
Universidade do Futebol - Você tem uma ideia de quantos clubes dirigiu ao longo da carreira?
Vadão - Na verdade, não dirigi muitos clubes. Foram três vezes no Guarani, onde estou atualmente, na Ponte Preta e no Atlético-PR. Como treinador do Mogi Mirim fiquei quatro anos. Ainda acumulo experiências por alguns clubes do interior paulista, como Matonense, Araçatuba e XV de Piracicaba, onde fui campeão da Série C. Ainda dirigi Corinthians, São Paulo, Bahia, Goiás e o Vitória em 2007, na campanha do acesso à elite do Nacional.
Universidade do Futebol - Certa vez, em uma entrevista, você comentou que "se conheceu melhor como pessoa" quando ingressou na carreira de treinador. A que aspectos humanos se referia?
Vadão - Quando passa a ser treinador, especialmente no Brasil, você sofre uma transformação muito grande, porque vai dentro do seu limite na profissão. Há problemas com a família, uma cobrança muito grande, situação pela qual eu não havia sido colocado à prova ainda
As pessoas olham muito para o fator financeiro, algo que não me moveu de início, e muitas vezes não compreendem que há uma trajetória muito longa para se obter um status e uma afirmação na área.
Você vai passando por muitos degraus pessoais para suportar essa carreira: acaba envolvendo família, perde a privacidade, além de você passar a ser o líder principal de um grupo, algo muito representativo.
Ricardo Xavier em ação: atacante é um dos destaques do Guarani na Série B de 2009
Universidade do Futebol - Você tocou no tema "liderança". Essa era uma característica sua como pessoa antes de ingressar no futebol, ou foi parte de uma mutação sofrida nesse processo?
Vadão - Logicamente que foram degraus também. Na faculdade, tinha uma certa liderança, por ser um bom aluno e nunca ter tido problemas de nota, mas curiosamente era muito tímido, e esse foi um dos motivos pelos quais não venci na carreira de atleta.
Para me tornar preparador físico e treinador, tive de passar por uma mudança muito brusca. Liderar um grupo de futebol fez com que eu me reconhecesse melhor, e acabei melhorando como preparador físico. Mas na função de treinador, esse aspecto de liderança foi ao patamar máximo. Houve também a morte prematura da minha mãe, quando eu tinha apenas 17 anos, e aprendi a me virar na vida.
Toda hora temos de nos expor, e vamos vencendo a barreira da timidez. Quem me conheceu quando jovem e me vê agora, consegue perceber as diferenças com mais propriedade.
Universidade do Futebol - Como você avalia o nível de formação dos treinadores brasileiros? Crê que a obrigatoriedade de uma formação acadêmica, como a sua, é necessária para uma valorização e um desenvolvimento da função?
Vadão - O futebol mudou. Hoje exige muito da parte da preparação física, e há necessidade de um conhecimento mínimo desse aspecto por parte do treinador. Vamos pegar um exemplo: o Guarani vai se apresentar ano que vem dia 2 de janeiro, e inicia os jogos oficiais dia 13. São 11 dias para se fazer testes, avaliações médicas e preparação física, técnica e tática. Algo humanamente impossível.
O treinador, por conta disso, tem de ter um pouco de conhecimento da área de fisiologia, psicologia - não necessariamente ter feito uma faculdade e ser formado. Mas deveria haver um curso específico. Não podemos nos dar ao luxo de abdicar desse conhecimento científico.
Há muitos treinadores que não aceitam a fisiologia aplicada ao futebol e diariamente brigam com o preparador físico. Na Europa, há a obrigatoriedade de um curso específico para treinadores, algo que deveria ser adaptado ao Brasil. Inclusive para as categorias de base.
De uma forma geral, quem pretende trabalhar com futebol, necessita ter um conhecimento geral de tudo isso. Você pega adolescentes de 14, 15 anos, vivendo longe de casa, sendo submetidos a treinamentos e convivendo com profissionais em relação aos quais você não sabe da formação e da condição. É muito complicado.
Universidade do Futebol - Como é a relação de estruturação de trabalho do preparador físico de sua equipe com você? Como ele estrutura o treino e em que aspectos há uma participação efetiva sua?
Vadão - Assim que chego com o preparador físico com o qual eu trabalho há alguns anos [Walter Grassmann], efetuamos as primeiras avaliações, para saber nível de força, condição aeróbia e anaeróbia, além de testes de equilíbrio muscular, quando isso é possível. Tendo em mãos os dados referentes ao nível físico de uma maneira geral - arranque, resistência de velocidade, etc. -, sento com o preparador físico e o fisiologista e, baseado no nosso calendário absurdo, definimos quais tipos de treinamentos a se realizar e o período em que alcançaremos o resultado.
Em 11 dias de "preparação" na pré-temporada, não fazemos mais longas sessões de musculação, por exemplo. Escolhemos cinco, seis agrupamentos musculares mais usados e repetimos exercícios diariamente. Evitamos a sobrecarga e, paulatinamente, vamos encontrando o nível ideal, em uma clara adaptação ao calendário.
Há momentos em que nosso preparador precisa treinar velocidade. Mediante a proximidade da partida seguinte, eu faço meu treinamento com bola, cobrando o gesto técnico, e ele acompanha a prática ao lado dos atletas, delineando uma metragem de velocidade. Bolamos jogadas de contra-ataque de 30 metros, por exemplo, e realizamos a tiragem de medidas específicas para avaliação.
Experiente Walter Minhoca foi uma das contratações em meio à competição: assumiu a camisa 10 e é destaque no setor ofensivo bugrino
Universidade do Futebol - Você já comentou sobre o Parreira. Mas além dele, quais são as suas principais referências na profissão de treinador?
Vadão - O treinador no qual eu me baseei na minha carreira foi o Rinus Michels, da Holanda. Ele modificou o conceito do futebol mundial, sem dúvidas. Além dele, me espelhei no Claudio Coutinho, que era um preparador físico e inovou o treinamento com a aplicação dos testes de força no futebol, na Copa de 1970 - e o Parreira, inclusive, era auxiliar dele naquele Mundial.
O que o Coutinho falava há mais de 20 anos, sobre "overlap", que era considerado sofisticado à época, é usado até os dias de hoje.
Como exemplo de honestidade, postura, equilíbrio, o Parreira é referência. Fala vários idiomas, conhece vários países, e no Brasil não se dá o devido valor, mas o mundo inteiro o consagrou: um exemplo para todos nós.
Universidade do Futebol - É possível se traçar um paralelo do trabalho de treinadores estrangeiros da atualidade, especialmente os do grande centro europeu, com os que atuam no país, ou é uma outra atmosfera?
Vadão - É outro mundo, é outra cultura. Nós, no Brasil, atuamos muito em cima de improviso, propriedade de nossos atletas. Lá, seja Europa ou Ásia, o esquema tático é estudado, passado, treinado e mecanizado.
Vamos pegar um jogador como exemplo: Carlos Alberto, do Vasco. Se você fala para ele que em determinada partida irá atuar em uma segunda linha de quatro homens, no meio, caindo pela direita e acompanhando os avanços do lateral-esquerdo adversário, a imprensa vai dizer que você está podando o talento do atleta, a torcida vai chiar e os dirigentes irão cobrá-lo, de forma geral.
O bom jogador brasileiro não é habituado a cumprir regras, esquemas, ser determinado na marcação. Na última Copa, com o "quadrado mágico" [alcunha recebida pela linha de ataque da seleção brasileira, formada por Robinho, Kaká, Ronaldo e Adriano], que se falava, ninguém marcou ninguém. É difícil efetuar um comparativo.
O Mourinho recentemente falou que o jogador brasileiro é difícil de lidar, porque não cumpre muito as determinações táticas. A cultura lá é colaborativa. Gosto muito, sim, do estilo holandês, da forma técnica de atuar, valorizando o passe. E o Michels é o principal nome dessa escola.
Universidade do Futebol - O Mogi Mirim de 1992 recebeu a alcunha de "Carrossel Caipira", em referência à seleção holandesa comanda pelo próprio Rinus Michels da Copa de 74. Como aquele seu time jogava, em termos táticos?
Vadão - Atuávamos em um 3-5-2 com muita rotatividade. Nesse aspecto é que fomos comparados com a Holanda de 1974, não pelo esquema. Naquela época, praticamente revolucionamos a formação no país, pois a seleção brasileira havia sido crucificada com o Lazaroni por atuar dessa maneira na Copa de 90 - mas foi o modo como a Alemanha se sagrou campeã.
Curiosamente eu peguei uma safra de jogadores jovens muito versáteis. Rivaldo era centroavante e virou meia, o time era muito flexível, e como jogava bonito, rodando as posições, e eu falava muito do Rinus Michels nas entrevistas e para os jogadores, acabou sendo apelidado dessa forma - "caipira" pois éramos de um clube do interior de São Paulo.
O início do "Futebol Total" holandês - Copa do Mundo de 1974
Universidade do Futebol - De lá para cá, foi possível repetir em algum de seus grupos de comando uma dinâmica de jogo parecida, ou se tratava de um momento especial, com jogadores particulares?
Vadão - Da maneira como encaixou, com oito, nove jogadores muito inteligentes e multifuncionais, inclusive vindos do banco de reservas, a troca de posições era automática. Consegui fazer na sequência, mas não com aquela perfeição, isso é fato. Ganhamos oito jogos seguidos naquela ocasião, e foi uma surpresa. Hoje até se faz essa troca de posições entre os atletas de uma equipe com mais constância. Mas aquele momento foi totalmente especial.
Universidade do Futebol - Atualmente, existe a tendência de os meias terem de colaborar com a defesa, deixando de lado os atletas da posição que eram utilizados quase que exclusivamente para a armação de jogadas. Como você enxerga essa nova realidade e qual é a interferência disso para o futebol, tanto no aspecto técnico-tático quanto do ponto de vista histórico?
Vadão - Qual é o jogador que o treinador gosta atualmente? O Elias, do Corinthians, o Hernanes, do São Paulo, o Rodriguinho, que atua conosco, por exemplo. São jogadores que têm qualidade técnica, marcam muito, e são competitivos.
A tendência, já consolidada, é se mesclar a técnica com a marcação. Nem sendo apenas um time "brucutu", tampouco aquele que "só olha" o adversário quando o outro está com a bola.
Universidade do Futebol - Com o descenso no Paulista, o Guarani alcançou a marca de seis rebaixamentos nos últimos oito anos. De cara, não era credenciado como um dos favoritos para realizar uma boa campanha na Série B do Brasileiro. O que mudou? É o tempo de maturação de uma equipe que se iniciou alguns meses antes e foi alcançar o ponto ideal mais tarde?
Vadão - Daquele time do Paulistão, no máximo, ficaram 10% do grupo. Foi uma outra realidade, a gente montou o time dez dias antes de a Série B começar. A diretoria, quando nos procurou, apesar de eu não conhecer esse presidente, sabia da credibilidade que eu tinha no clube.
Minha volta ao Guarani, na visão da diretoria, era necessária para uma boa campanha no Campeonato Brasileiro. Aceitei o desafio, após ter a palavra de comprometimento da diretoria do esforço e do respaldo que me seriam dados, e efetuamos um planejamento rápido, curto prazo: contratamos alguns jogadores da minha confiança, para poder agir dentro do próprio grupo de uma maneira direta, e buscamos alguns destaques do Campeonato Paulista.
Tivemos dez dias de treino e fomos para o jogo contra o Fortaleza. Unimos, trouxemos um psicólogo, o João Serapião de Aguiar, para realizar um trabalho, e ele traçou um perfil individual e coletivo do grupo profissional. Aliado a todo esse nosso trabalho, tivemos muita felicidade.
Um ambiente geral no clube e na torcida "comprou a causa" de resgatar o Guarani. No fim do primeiro turno, ainda apresentamos uma queda, e tivemos de contratar mais alguns atletas. E, mesmo num grupo com 40 pessoas, parece que todos fazem parte de uma mesma família.
Podemos repetir esse plano estratégico no ano que vem e dar tudo errado, até por conta da emergência com o qual ele foi realizado. Mas esse momento do Guarani é, de fato, especial, também.
Treinamento do Guarani no Brinco de Ouro da Princesa: união entre atletas é uma das chaves para o sucesso da equipe
Universidade do Futebol - Como você citou, no início do ano você convidou o João Serapião de Aguiar, psicólogo, para efetuar um trabalho junto ao seu grupo. Qual a relevância de se ter um profissional dessa área cotidianamente? Em termos práticos, quais foram os pontos positivos percebidos?
Vadão - A diferença é que a chance de dar certo é maior quando esse profissional é antecipado e compõe o planejamento inicial da comissão técnica. Na emergência, sem conhecimento do grupo, o trabalho desse psicólogo pode ou não frutificar resultados efetivos.
Tendo o traço coletivo do grupo, aliado ao particular, é possível desempenhar ações pontuais com cada um, mesmo em termos de cobrança. Aquele que não pode ser chamado a atenção no meio dos outros, pois irá cair de rendimento, será tratado de uma maneira diferenciada, bem como um outro atleta, que precisa ser constantemente motivado e cobrado para manter seu nível de performance sempre alto.
O Serapião me apresentou o perfil do grupo e disse que se o trabalho desse certo na parte tática, técnica e física, as possibilidades de sucesso seriam muito grandes, pois o nosso elenco, em si, era muito forte psicologicamente.
Universidade do Futebol - Teoricamente, as categorias de base têm como função principal a formação dos atletas. No entanto, exige-se que esses jovens atletas desde muito cedo sejam campeões encarando-os como se fossem profissionais. Como você encara essa situação e o que é encontrado aí no Guarani, tido como um dos maiores celeiros do futebol amador ao longo da história?
Vadão - Eu fui jogador do Guarani em 1974 e conheço o clube desde então. Ele era exemplo em termos de departamento de futebol amador. Mas a agremiação entrou em uma crise financeira muito grande, com uma série de rebaixamentos nos últimos anos, e realmente não possui as mesmas condições que tinha anteriormente.
O que eu discuto, porém, não são as condições financeiras - porque isso um clube vai ter mais, o outro vai ter menos. Coloco em questão, sim, a filosofia de trabalho implementada nessas agremiações.
Aqui, a interação é boa, pois o treinador da categoria de juniores foi meu preparador físico - trata-se do Cidinho. Mas eventualmente outro profissional vem atuar com o elenco profissional e isso se perde. Por isso que deve haver uma linha de conduta de cima para baixo, própria e característica do clube.
Com um "menu", o treinador da base vai se adaptar àquilo que foi implementado e, com a experiência dele, efetuará algumas mudanças pontuais.
Hoje, o Guarani, por conta de toda a dificuldade financeira, não tem uma filosofia consolidada. Estamos conversando com o presidente, mas haveria a necessidade de uma reciclagem, a contratação de alguém para coordenar a base. E a essa pessoa não bastaria apenas boa vontade, mas um know-how. Tem que se entender de fisiologia, psicologia, preparação física, pedagogia. Pessoas de visão, como o [João Paulo] Medina, que efetuou esse trabalho em alguns lugares, o [Marco Antônio] Biazotto, no Palmeiras. Gente com alguma especialização, que a gabarita a ter bom trânsito em todas as áreas do clube.
Na verdade, no futebol, todo mundo tem protocolo, menos a parte técnica, de campo, onde cada um faz do seu jeito. Eu tenho fitas da Holanda de 15 anos atrás. Há um modelo a ser seguido com os garotos. Trabalhos físicos, de coordenação, um cartilha de treinamento que pauta tudo. E aqui não contamos com isso. A filosofia do clube tem de ser implementada.
Li uma reportagem de que o contrato do Van Basten com a Holanda, na última Copa do Mundo, o obrigava a atuar com três atacantes. Bem ou mal, há uma filosofia consumada ali.
Universidade do Futebol - O Pedro Oldoni em 2006 havia marcado seis gols no início do Campeonato Brasileiro e era o artilheiro da equipe. Quando você assumiu o comando do clube, "afastou" o jovem com a argumentação de que algumas etapas no processo de formação dele haviam sido puladas. Essa é uma realidade encontrada em vários clubes? Como efetuar um trabalho nesse aspecto?
Vadão - O caso do Pedro Oldoni foi diferente, pois ele era modelo. Começou com uma idade de 18, 19 anos, sem passar pelo infantil, juvenil. Ele era um cara grande, forte, mas que apresentava muitas carências em termos de fundamento. E, à época, optei pelo Dênis Marques, que estava em um ótimo momento, para que o Pedro realizasse alguns trabalhos específicos de técnica com as categorias de base.
Atualmente, como a Copa São Paulo de Futebol Juniores teve sua idade reduzida, os clubes começam a antecipar a subida de alguns atletas de categoria, o que acaba por promover a queima de etapas.
Não é no profissional que o jogador tem de compreender alguns aspectos básicos de fundamento. Existe ainda esse problema. Alguns clubes, obviamente, têm privilégios na seleção de talentos. O São Paulo, por exemplo, não precisa "jogar a vara para pescar". Os aspirantes a profissional vem até ele.
Com o fim da lei do passe, também, da maneira como está, as pessoas envolvidas - advogados, empresários, consultores - querem acelerar o jogador para fazer negócio logo antes que o perca.
Se você tem uma pedra preciosa, por exemplo, assina um contrato de três anos. Mas você não pode pegar 80 garotos e realizar procedimento parecido, que o departamento amador custará mais caro que o profissional. Mas quando esse jovem estiver no ponto, com 18, 19 anos, estará livre para buscar outra equipe.
Virou uma guerra, um negócio, um verdadeiro comércio. Algumas equipes, que são foco, como o próprio São Paulo, o Cruzeiro, o Internacional-RS, não perdem tantos jogadores, pois todos querem atuar por ali. Ou sofrem menos do que os clubes de interior, antigos celeiros. Pois se saírem daquelas grandes agremiações, será apenas para o centro europeu.
Antigo celeiro de grandes revelações, Guarani busca rever "filosofia"
Universidade do Futebol - Em um comparativo com décadas passadas, o jogo de futebol hoje é muito mais veloz e os atletas se deslocam por distâncias muito maiores em campo. Isso exige que os próprios atletas sejam mais rápidos, não só em relação à velocidade cinética (link pra explicar otermo), mas também no que se refere a pensar com mais agilidade para tomadas de decisão. Como isso pode ser treinado?
Vadão - Velocidade você ganha a partir de trabalhos de força e outros específicos. Você melhora esse quesito, mas nunca deixará um cara lento, veloz. É questão de fibras vermelhas. Vejamos o jamaicano Usain Bolt. Ele é de uma região da África privilegiada para aquele tipo de prova de atletismo.
Há uma questão hormonal, também: normalmente o negro tem uma dosagem de testosterona maior, motivo pelo qual ele tem uma ossadura maior e não obtém grandes feitos na natação, quando tem de flutuar, por exemplo.
Você pode melhorar jogadores lentos, por exemplo, mas não os tornando velocistas. Se fosse assim, condicionaríamos os zagueiros ao acompanhamento dos atacantes mais rápidos.
Velocidade é condicionada por fatores genéticos e reação neuromuscular
Universidade do Futebol - Há necessidade de se ter complexidade, dificuldade para que haja o entendimento maior do jogo que será disputado, em todo o tipo de treinamento, ou um rachão às vésperas de um duelo também tem sua relevância?
Vadão - Eu tenho meu "menu" de treinamento para cada situação. São vários tipos de treinamentos para atingir os objetivos de que eu necessito dentro de campo. O rachão é tradição cultural nossa. Estamos em um momento estressante, final de campeonato, e ele é altamente relaxante para os jogadores - pedido inclusive pelo nosso psicólogo.
Levar a recreação nos aquecimentos é uma outra forma de adaptação.
O stress está presente. É necessário para o atleta também um auto-relaxamento, um cinema para lazer, um choppinho com os amigos. Dependendo do objetivo, o rachão é muito importante. Mas o jogador é encarado às vezes como um outro ser humano, imune a todas essas adversidades. Ele não é.
Universidade do Futebol - Nesta reta final, com confrontos diretos contra Atlético-GO e Ceará, após um revés duro em casa para a Portuguesa, qual a condição psicológica do grupo do Guarani?
Vadão - Após a derrota por 3 a 0 para a Portuguesa, em casa, dei um rachão aos jogadores e inverti a situação, sem deixar de apresentar a realidade.
Coloquei que falta um campeonato de cinco jogos, 15 pontos em disputa, conosco estando oito pontos à frente do quinto colocado. Simples assim. Colocamos o grupo em uma clarividência favorável e mostramos que os rivais que vem atrás também foram derrotados recentemente, e terão de obter mais pontos do que nós para nos passar.
Temos de sempre olhar o lado positivo, do contrário, perderemos a confiança estando em uma colocação ainda confortável na tabela de classificação.
Nesse momento é necessário ter tranquilidade e calma. Aquele que tiver mais equilíbrio, estiver mais confiante, irá obter a classificação para a Série A do Brasileiro.
Treinando através dos jogos reduzidos e jogos adaptados
Universidade do Futebol - Você teve uma passagem pelo Japão - treinou o Verdy Tokyo. Em relação a calendário, cultura, quais foram as principais diferenças percebidas?
Vadão - Iremos jogar às 15h em Fortaleza, contra o Ceará, na próxima semana. Corinthians e Palmeiras fizeram um clássico recentemente debaixo de um sol absurdo em Presidente Prudente. No Japão, joga-se das 18h em diante, e no inverno, a partir das 13h, quando está menos frio.
Lógico que é um país bem menor, não há campeonato regional, mas há espaço no inicio da temporada e no meio dela. É possível fazer uma folga e uma inter-temporada, um período para "desestressar". É outro tipo de modelo, e precisamos séria e urgentemente mexer em nosso calendário.
Provavelmente o número de lesões do Guarani no início do ano que vem será muito grande. Ninguém aguenta treinar 10 dias e iniciar um campeonato com a cobrança de subir. É uma época de muito sol, o treinador é pressionado e precisa cobrar seu grupo, aí é uma lesão atrás da outra e você ouve da imprensa, com reprodução imediata da torcida, que o preparador físico e a comissão técnica que são incompetentes.
Acredito que o regional possa ser mantido, mas uma fórmula mais racional é necessária. Não é possível que a TV tenha de ter futebol de dezembro a dezembro, sem um respiro, a não ser quando tem Copa. Em ano de Copa do Mundo, não há um mês a mais, e se diluem os jogos dos campeonatos locais pelos meses restantes.
Encontra-se um jeito para o Mundial, e com boa vontade de todos e a participação de todas as partes interessadas, podemos encontrar uma qualidade melhor de trabalho e, consequentemente, do nosso futebol.
Universidade do Futebol - No que se refere à relação do futebol com as ciências, e também em linhas gerais, qual é a evolução que um evento como a Copa do Mundo de 2014 pode trazer nesse sentido para o Brasil, mudando a maneira de se enxergar o futebol e de atuar dentro da modalidade?
Vadão - A preparação física no Brasil evoluiu muito. Todos os países trabalham com calendários conscientes e bem planejados. Aqui, terminamos o ano com um nível de stress altíssimo e, quando nos apresentamos dia 2 de janeiro, já temos de falar em superação. Não há preparação efetiva.
Nossos profissionais são muito bons. Nossa medicina esportiva é referência. E com um evento desse porte em nossas mãos, conseguiremos expor a visão de que não somos apenas bons de bola, mas temos excelentes pessoas que pensam o esporte, e creio em um avanço em termos de estrutura e imagem do país. Claro que terá muita dívida, mas prefiro pensar pelo lado positivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima