Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, novembro 09, 2009

Visões e "achismos" da preparação física no futebol
O treinamento diário é bem mais do que o "achismo" que se assiste e se ouve da arquibancada, do sofá da sala e nas rodas de conversa entre amigos
Alexandre Lopes

A preparação física deixou, a muito tempo, de ser "achismo" no futebol. Cada vez mais, são utilizado recursos científicos para avaliar e preparar uma equipe. Prova disso é o prolongamento da carreira de muitos atletas para além dos trinta anos, com qualidade em desempenho, como não víamos em décadas passadas, e com dois detalhes: um futebol mais veloz e com maiores distâncias percorridas durante as partidas.

Apesar disso, o "achismo" ainda tem espaço. Ficamos expostos a comentários inconsistentes e de "adivinhações" decorrentes do "ouvi dizer". Muitas das vezes, por pouca informação do que realmente acontece na preparação de uma equipe e na estrutura de um clube, e como isso chega aos órgãos de imprensa e ao torcedor, e, em outras ocasiões, pelo pouco entendimento de pessoas que vivenciam o dia-a-dia da agremiação, mas ainda não entenderam que o futebol treinado e jogado atualmente é muito mais do que interesse pessoal momentâneo.

Os testes físicos voltados especificamente para a modalidade, análises bioquímicas cada vez com respostas mais rápidas e precisas para trabalhar ou recuperar um atleta, avaliação isocinética para interpretação de desequilíbrio muscular, exame cardiológico, controle do treino diário com monitoramento da frequência cardíaca em tempo real e distância percorrida observada em GPS, novos aparelhos de musculação e trabalhos de força realizados dentro de campo, trabalho funcional, filmagens de treinos e jogos para análise de movimentos dos atletas e ações das equipes, controle de gasto energético durante as atividades, trabalhos regenerativos pós-treino e jogo, treinamentos voltados à especificidade do futebol (pequenos jogos com ênfase no aspecto físico-técnico), o uso da informática no armazenamento, consulta e análise das informações, etc. Isso aliado a um suporte multidisciplinar torna a preparação física a ferramenta de controle mais indiscutível do futebol.

As análises desses eventos em conjunto com esse suporte permitem dizer, com precisão, o que ocorre com o desempenho físico de cada atleta. Engana-se quem pensa que os controles destes eventos são o fim de todos os problemas de um preparador físico. Há de se pensar os atletas não só no aspecto físico, mas como o físico interage com a técnica, com a tática e como o emocional do jogador reage às várias situações de um treinamento e, principalmente, na competição.

A preparação de um atleta profissional, para os noventa e poucos minutos de um jogo, ainda passa por outras atividades e interferências. O aspecto técnico e tático tem grande influência em seu rendimento. O desgaste provocado em um atleta durante uma partida, seja emocional ou físico, é sempre maior ou menor dependendo, entre outras variáveis, da função determinada a ele, da posição em que ele atua, da ação de seus companheiros, da exigência do adversário com relação a ele, do posicionamento tático proposto, se este é condizente com suas características físicas e técnicas, da reação em relação à satisfação ou não do torcedor, de quanto tempo faz que ele não participa ou tem sequência em uma partida oficial, do comprometimento do atleta com sua profissão, com o jogo, com seus companheiros, com a comissão técnica e com o clube.

A interação destes fatores, na vitória, podem passar despercebidos. Contudo, na derrota, fica resumida, a baixa capacidade físico-técnica dos jogadores ou da equipe. Este entendimento costuma ficar restrito aos que trabalham e são conhecedores da preparação de uma equipe de futebol.

Com certeza, todos já ouviram os preparadores físicos anunciarem que um atleta suportaria apenas 45 minutos de um jogo e foi capaz de suportar mais de 90, e outros se arrastam apenas por 30 minutos, contrariando as expectativas. Há de se pensar o jogador não apenas para um jogo, mas para a sequência de uma competição. Nenhuma equipe ou atleta melhora ou piora de um jogo para outro no aspecto físico, por mais que se trabalhe no espaço de uma semana, esta "melhora física" encontra-se na sequência proposta pela periodização inicial ajustada à resposta individual de cada atleta. É um processo evolutivo que demanda tempo e cada capacidade física relacionada ao futebol tem o seu momento de prioridade e manutenção.

Este é um processo de adequação da informação que chega aos que apreciam o futebol, pois, o esporte mais apaixonante é também de grande interesse comercial. Ele precisa mostrar-se atraente e vendável, polêmico e confiável. É o sonho de muitos jovens serem atletas profissionais e tornarem-se um ídolo, exemplo para milhões de outros sonhadores. É preciso que se mostre como ele é, fruto de muito trabalho e abnegação. Não um produto descartável, sem solidez, sem base, valorizado em uma semana e execrado na outra.

Neste meio, convivemos com necessidades e personalidades diferentes de atletas. Temos os grandes astros, os ídolos do clube, as revelações, os iluminados e muitos que transitam entre a fama e o ostracismo. Vários que, apesar do esforço, do muito trabalhar, não são ídolos, mas são comparados a eles, sofrem e são colocados à prova a cada silvo inicial, normalmente, duas vezes por semana. Alguns conseguem lutar e superar os momentos difíceis, outros não se adaptam ao clube. Há ainda os que se entregam e saem pela porta dos fundos. Conviver com essa situação, otimizar o treinamento em função dessas necessidades, recuperar um atleta, dar a ele novamente condição de jogo, demanda conhecimento que só o tempo do convívio em grupo é capaz de mostrar.

A verdadeira integração das áreas diretiva, fisiológica, médica, fisioterápica, nutricional, preparação física, técnica e tática, aliada ao pensamento de evolução profissional e crescimento estrutural de um clube pode parecer utópica para os menos observadores. No entanto, isso já vem acontecendo em alguns clubes libertos das amarras do senso comum, tarefa essa, árdua e corajosa para aqueles que vêm crescendo no futebol (levando-se em conta que a agremiação é pensada como um local de formação, recuperação, evolução e exportação de atletas, tendo um padrão pré-estabelecido de rotinas de todas as aéreas, funcionando como uma engrenagem onde todos trabalham para que o produto final, o atleta, tenha condições de realizar o melhor de seu potencial).

O importante é debater, estudar e divulgar ideias junto aos profissionais das áreas a respeito de estruturação e treinamentos no futebol. Além disso, é interessante ampliar a visão que o torcedor tem da preparação física, informando aos que não vivem a programação semanal de um clube de futebol, que, o treinamento diário é bem mais do que o "achismo" que ele assiste e ouve da arquibancada, do sofá da sala e nas rodas de conversa entre amigos.

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Benê Lima