Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, novembro 14, 2009

Fabio Fernandes, vice-presidente de marketing do Vasco
Na série B do Brasileiro-09, a agremiação focou em ações para estreitar a relação com a torcida
Marcelo Iglesias

A queda para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro pode significar, para a maioria das equipes que chegam a essa situação, o início de uma dura batalha para retornar a elite do futebol nacional, visto que os recursos investidos em times da segunda divisão são poucos e que muitos atletas de destaque deixam os clubes, transferindo-se para outras agremiações que estejam no grupo das 20 melhores do país, ou para times do exterior.

No entanto, algumas equipes enxergam o período em que estão na série B do Brasileiro como uma oportunidade. Foi o que fez o Vasco, entre outros departamentos, por meio da sua área de marketing. O clube investiu no apoio da sua torcida ao time e conseguiu destoar entre os participantes da segunda divisão do Campeonato Brasileiro de 2009.

“A série B é um universo ao qual o Vasco não pertence. Aliás, o instante da virada do time dentro da segunda divisão, quando a equipe não estava muito bem, veio justamente desse pensamento. O clube se conscientizou e adotou o discurso: ‘Nós não pertencemos à série B, e não vamos aceitar essa situação com normalidade’”, contou Fabio Fernandes, vice-presidente de marketing da equipe de São Januário, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.

O dirigente foi um dos responsáveis pelas inúmeras ações realizadas pelo Vasco neste ano e que aproximaram a torcida da agremiação. Entre as principais iniciativas está o programa de sócio-torcedor que, após pouco mais de cinco meses do seu lançamento, já conta com aproximadamente 39 mil associados.

Na entrevista, Fabio Fernandes contou como foram pensadas as ações de marketing da equipe carioca em 2009, sobre a estrutura do futebol do Rio de Janeiro, a pressão sofrida por bons resultados, da relação do time e dos torcedores com o estádio de São Januário, e referiu-se à importância da Copa do Mundo de 2014 para o desenvolvimento da indústria do futebol no Brasil.

Universidade do Futebol – Assim como o Corinthians, o Vasco apostou na paixão do seu torcedor durante o ano em que o time esteve na série B do nacional. Essa é a única alternativa para um time que foi rebaixado? Na série A, isso não é viável?

Fabio Fernandes –
Não é a única alternativa para um time que foi rebaixado para a série B, mas, seguramente, é a opção mais inteligente para um clube com uma grande massa de torcedores. Infelizmente, para a maioria das agremiações, a melhor solução não é essa porque nem todos podem contar com um volume considerável de adeptos.

No caso do Vasco e do Corinthians, as torcidas são imensas e a característica desses torcedores é de paixão, de apoio e de incentivo ao time mesmo e, às vezes, até mais em condições adversas do que quando a equipe está razoavelmente bem. Portanto, estimular essa emoção é algo interessante.

Já a posologia para a Ponte Preta, por exemplo, não pode ser a mesma adotada pelo Vasco, a não ser que ela seja dimensionada proporcionalmente ao tamanho do clube e dos seus seguidores.

Assim, foi a aposta que o Vasco fez, de trazer o torcedor para mais próximo do time, fazendo com que ele conviva mais do momento e se intere mais sobre as informações relativas ao clube. Naturalmente, aproveitou-se o que é parte do DNA da torcida vascaína, que foi demonstrado ao final do jogo que decretou a queda da equipe para a série B, em 2008, contra o Vitória, em São Januário.

Os torcedores que acabaram de ter o rebaixamento consumado, ficaram, após o término da partida, mais 30 minutos dentro do estádio, cantando o hino do Vasco e os demais cantos da torcida, em um misto de tristeza, choro, e até uma ameaça de suicídio, quando um indivíduo, que simbolizou o desespero do momento, ameaçou jogar-se de cima da laje do estádio. Foi uma demonstração muito clara da força da torcida vascaína e do que deveria ser utilizado como uma das armas para ajudar o time a retornar à elite do futebol nacional em 2009.*

Caso não houvesse pessoas inteligentes o bastante trabalhando na diretoria para focar na torcida a campanha deste ano, bastaria a mera observação do comportamento dos adeptos naquele jogo para perceber que esse era o caminho a ser seguido.

Se um clube tem a infelicidade, que o Vasco não teve, de permanecer na série B por mais um ano, o tema do marketing muda totalmente de perspectiva. É mais ou menos parecido com a volta para a série A sem uma contrapartida do clube nessa relação e nesse momento de apoio irrestrito que a torcida mostrou no ano em que o time estava na segunda divisão. Ou seja, o nível de exigência, na primeira divisão, volta para as mãos da agremiação. A torcida abraçou o projeto proposto pelo clube durante o ano de 2009, mostrando-se solidária e aliada em quase tudo o que foi colocado como objetivo para o futuro do Vasco, isto é, houve um voto de confiança.

Quando a torcida se comporta dessa maneira, ela sabe que esse é o momento dela ser o diferencial para ajudar o time naquela fase. Na volta para a série A, assim como aconteceria se o clube permanecesse na série B, é o instante em que os torcedores esperam a contrapartida por parte do clube. Então, a agremiação tem que oferecer para os seus adeptos algumas respostas que são esperadas para um momento em uma disputa com perspectivas e níveis de exigência diferentes.

Se o Vasco entrar no ano de 2010 com uma força muito grande ainda da associação dos torcedores com o time, o clube terá isso potencialmente aumentado se o time corresponder às novas expectativas, ou haverá um resultado extremamente negativo do ponto de vista do comprometimento do torcedor, caso haja a sensação de que a situação não vai mudar para melhor, conforme a torcida esperava, o que acarretaria em uma relação mais fria e de mais cobrança.

No entanto, essas possibilidades fazem parte do projeto. Mas a ideia de quem chega a uma situação dessas e faz o esforço que o Vasco fez em 2009 é a de não voltar mais para um momento parecido com o que acarretou essa dedicação. Depois que se conseguiu mobilizar de 930 sócios, que o Vasco possuía quando foi rebaixado, para 39 mil adeptos ao programa sócio-torcedor que existem atualmente, fica claro que os adeptos acreditam naquilo que se está propondo.

É óbvio que a maneira correta e profissional como foram feitas as ações visando atingir a torcida colaboraram para atrair mais pessoas. Elas estavam prontas para ajudar, mas, ao mesmo tempo, sentiram que já havia uma contrapartida, que era a nova relação que elas estabeleceriam com o clube.

Mas, o principal, foi a demanda que esse consumidor trouxe para o Vasco, e a vontade de consumir e de associar-se ao clube em todos os seus aspectos nesse momento de dificuldade. Depois que se consegue isso e que se projeta algo a partir dessa perspectiva, cabe à agremiação realimentar esse assunto para não mais voltar ao ponto inicial.

Por isso, agora, o Vasco, mais do que antes, possui uma força de coalizão muito interessante que, se o clube conseguir corresponder, entra-se em um círculo virtuoso em que torcida e time estão em sinergia.

Prova dessa percepção por parte da agremiação em relação à participação cada vez maior da torcida foi a transferência de todos os jogos que aconteceriam às sextas-feiras ou aos sábados, que estavam marcados para o estádio de São Januário, para o Maracanã.

O clube cativou e está catalisando o sentimento do torcedor, sobre o qual tem-se uma responsabilidade muito grande a partir de agora, pois é interessante manter essa massa junto do clube.

*Nota da Redação: No último dia 7 de novembro, o Vasco confirmou, com quatro rodadas de antecedência, o seu retorno à série A do Campeonato Brasileiro, em 2010, após vencer a equipe do Juventude, em pleno Maracanã, pelo placar de 2 a 1. Foram exatos 11 meses na segunda divisão do futebol nacional. Na partida que decretou a volta do time de São Januário ao grupo dos 20 melhores do Brasil, 81.904 torcedores foram ao estádio para acompanharem o jogo.



O Vasco investiu em ações para estreitar a relação com a torcida, após a demonstração de amor dos adeptos no jogo que decretou a queda, em 2008



Universidade do Futebol – Quais são os resultados da campanha "O Vasco é meu", que, originalmente, visava atingir os 100 mil sócios para o clube?

Fabio Fernandes –
Quando foi lançada a campanha, procurou-se não estabelecer nenhuma meta. Acredito sim que o Vasco chegue, com certa rapidez, a 100 mil sócios, mas esse número foi colocado como um desafio para todos aqueles que trabalham na agremiação. No entanto, é a torcida vascaína que vai dizer se o clube é realmente desse tamanho, ou se é menor ou maior.

Creio que a agremiação tem dialogado com os seus torcedores de maneira bastante interessante, pois houve um afluxo enorme de adeptos que se transformaram em sócios, em um intervalo de tempo muito curto, uma vez que a campanha foi lançada no início de junho, ou seja, há cinco meses atrás. Nesse período, houve 39 mil cadastros.

Assista ao vídeo da campanha “O Vasco é meu”

Porém, esses sócios têm devolvido para o Vasco críticas que eles possuem em relação ao plano, o que, em certos casos, é muito construtivo. Por isso, o clube está sensível à opinião dos seus torcedores e, por vezes, modifica e acrescenta vantagens.

Acreditávamos que o lançamento desse produto era um passo importante a ser dado, não se podia mais esperar para começar com esse projeto, pois essa demanda estava refreada dentro do clube há muito tempo, e o torcedor sinalizava que gostaria de participar como sócio e não tinha pelo que o Vasco adiar ainda mais o programa para desenvolver o plano de benefícios. Isso porque, os primeiros torcedores que entrariam como sócios eram aqueles que, simplesmente, gostariam de se doar ao clube.

Mais pra frente haverá os sócios que também serão bem-vindos, mas que são mais exigentes, que irão requisitar algumas vantagens para participarem do programa. Essa série de vantagens é algo que estamos desenvolvendo neste momento, uma vez que para os primeiros 20 mil sócios, isso não era um elemento que decidiria sobre a sua participação ou não no plano.

Para desenvolvermos as vantagens estamos contando com a colaboração dos próprios torcedores, e tenho certeza de que chegaremos aos 100 mil sócios. Por exemplo, o Barcelona, com a pujança que ele tem, é um clube que alcançou essa meta há pouco tempo atrás, e faz muito tempo que o clube espanhol estava em busca desse número de adeptos. Comparando-se com o que já foi alcançado pelo Vasco, não há como não ficar animado, já que, em cerca de cinco meses, o time conseguiu aproximadamente 40 mil sócios.

Acredito que todas as etapas do processo para chegar e ultrapassar os 100 mil sócios serão importantes: o campeonato estadual, em que o clube de São Januário mostrou, em 2009, que possui um elenco forte, mas que foi prejudicado por questões extra-campo, uma vez que perdeu seis pontos por conta de problemas com a federação responsável. Além disso, disputaremos a Copa do Brasil, em que, neste ano, novamente, houve um pênalti não marcado contra o Corinthians, o que nos fez deixar a competição na fase semifinal. Por fim, a volta do Vasco à série A do Campeonato Brasileiro completa a agenda com inúmeras possibilidades para persuadir mais torcedores a associarem-se junto ao clube pelo programa “O Vasco é meu”.



A campanha "O Vasco é meu" contou com a participação de artistas sabidamente torcedores da equipe de São Januário


Universidade do Futebol – Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o técnico Dorival Júnior disse que falta estrutura e profissionalização no futebol carioca. Isso teria até dificultado a formação de uma equipe para este ano, dada a má imagem da modalidade no Rio de Janeiro. Como o departamento de marketing do Vasco atua a fim de evoluir nesse sentido?

Fabio Fernandes –
O clube tem procurado trabalhar com o máximo de integração possível entre os departamentos. Porém, esse tipo de relação, em muitos casos, é difícil (falo mais por relatos que escutei do que por experiência própria, visto que nunca havia trabalhado em agremiações).

Por isso, tratamos de afinar os discursos e as decisões longe da imprensa e de alguns setores políticos do clube para poder fazer uma gestão do futebol com o apoio do marketing, e vice-versa, sem conflitos de interesse ou qualquer atropelo. Pois, em alguns casos, embora os interesses finais sejam os mesmos, que é o sucesso do clube, a forma de trabalhar de uma área e de outra pode acabar conflitando com os planejamentos montados pelos departamentos isoladamente.

Por exemplo, se o Dorival Júnior, que é quem comanda a questão do futebol, entender que era necessário que se mantivesse a concentração e o foco dos jogadores durante os últimos jogos, apesar da larga vantagem do Vasco, seria um erro absurdo que o marketing fizesse qualquer tipo de divulgação que levasse o torcedor a crer que o clube entendia que já era possível comemorar a volta para a série A. Esse é um exemplo um pouco ingênuo, mas no dia-a-dia, existe uma série de situações na agenda de cada uma das áreas que pode atrapalhar a tarefa das demais. Por isso, estamos tentando trabalhar cada vez mais afinados e com muito respeito profissional aos demais membros das diretorias.

Acredito que o marketing tem ajudado no desenvolvimento do clube, pois tudo o que o futebol realiza é aquilo que proporciona as possibilidades para que nós trabalhemos. Não é possível que se estimule, que se consiga persuadir alguém a se associar com algo que seja derrotado, que não frutifique. Por isso, os bons resultados que o futebol tem conseguido é o que nos encoraja para novos desafios no marketing, aproveitando esse momento.

Além disso, tenho certeza que, aquilo que está sendo feito pelo marketing tem reforçado algumas sensações importantes para o futebol. Por exemplo, o marketing possui alguma contribuição em colocar 80 mil pessoas dentro do Maracanã em um jogo contra o Ipatinga. O que isso impacta no futebol? Quando o jogador entra em campo, fica admirado com aquela massa de torcedores, fica orgulhoso de ser parte do Vasco, e percebe que ele não está deslocado na periferia do futebol.

Por fim, se o Dorival afirmou que falta estrutura no futebol carioca, deve ser verdade, pois ele entende muito disso. Mas, mesmo sem a opinião do técnico vascaíno, é possível perceber-se que o futebol do Rio de Janeiro está atrasado e essa é uma das questões que devem ser trabalhadas para que essa realidade mude.

Atuando junto com o futebol, o departamento de marketing consegue trazer equipamentos de altíssima qualidade para o desenvolvimento muscular dos atletas. Esse tipo de negócio é feito em cruzamento com o marketing, pois nós damos espaço para a empresa que é detentora dos equipamentos, no campo de treino, na camisa do clube, no backdrop da entrevista coletiva, etc, enquanto ela me disponibiliza o seu produto. Isso talvez não fosse possível se fosse bancado somente financeiramente.



Dorival Júnior comandou a equipe carioca e conseguiu, com o apoio da diretoria e da torcida levar o Vasco de volta à elite do futebol brasileiro


Universidade do Futebol – O presidente vascaíno, Roberto Dinamite, defendeu a união entre os clubes cariocas para que se resolvam os problemas de gestão do futebol local para que, depois, cada agremiação buscasse soluções para questões particulares. Como o marketing atua nesse sentido? Há o diálogo aberto com os demais clubes do Rio de Janeiro?

Fabio Fernandes –
Eu defendo a tese de que é melhor nós dividirmos uma boa comida do que comer migalha de pão duro e amanhecido sozinho. Acredito que é mesquinho, na situação atual do futebol brasileiro, querer-se trabalhar sozinho para tentar abocanhar um pedacinho de uma porcaria geral. É melhor todos desenvolverem e aumentarem o bolo de modo que ele fique bonito, grande e gostoso,, que dê pra todo mundo, e, a partir daí, aquele que tiver mais competência, capacidade e qualidade, vai ficar com a fatia mais gostosa desse bolo que, como um todo, é bastante saboroso.

Por isso, acredito que é uma maneira muito pobre de se pensar de maneira individual, em um momento de dificuldade, em que todos poderiam e deveriam se unir. Essa é a mentalidade que tem orientado o marketing do Vasco. Nós estamos ligados em discussões e aprendizados junto a muitos clubes de dentro e de fora do Rio de Janeiro, por meio de trocas de experiências. Alguns até nos surpreendem positivamente, pois eles se inspiram em muitas das iniciativas que nós estamos colocando em prática.

No início, eu pedia bastante para que os membros de outras agremiações me ajudassem, e hoje acontece o contrário. Nós temos feito isso com o São Paulo, com o Corinthians, com o Grêmio, com o Internacional. Além disso, no Rio de Janeiro, a área de marketing está ligada aos outros clubes. Há encontros regulares com o Flamengo, Botafogo e Fluminense.

Porque se compararmos o futebol do Rio de Janeiro com o de São Paulo, é mais ou menos como se compararmos o futebol brasileiro com o europeu. Aqui em São Paulo, os clubes estão em um estágio mais avançado em termos de estrutura. e do ponto de vista econômico, mas têm problemas muito sérios se comparado com a realidade do futebol mais profissional do mundo, que é o europeu.

Por isso acredito que trabalhar em conjunto com os demais clubes do país é a maneira que deve ser adotada, pois somos mais fortes juntos. Ainda mais em um momento em que o futebol é um negócio imenso, vantajoso e que movimenta recursos astronômicos, mas os clubes não conseguem tirar proveito disso. Portanto quanto mais se estiver unido e se trabalhar em bloco, tem-se mais força na negociação com empresas do setor privado, fornecedores e empresas-satélite do negócio do futebol.



Após fazer sucesso como jogador, Roberto Dinamite atua, hoje, como presidente do Vasco



Depois, conforme disse o Roberto, por você ter características diferentes de outros grupos, há de se começar a trabalhar sozinho ou em grupos menores. Além disso, os times possuem exigências e propriedades distintas que eles conseguem oferecer e vender, como, por exemplo, um estádio. No Brasil, muitos clubes não possuem isso, o que faz com que não nos seja vantajoso ficarmos tão atrelados ao Fluminense, por exemplo, a ponto de perder uma negociação interessante.

Universidade do Futebol – O fato de o Vasco estar na segunda divisão criou para vocês uma necessidade de resultados positivos neste ano. Como o marketing lida com essa pressão?*

Fabio Fernandes –
O Vasco é o melhor time do Brasil neste ano, em aproveitamento de pontos, número de vitórias e quantidade de derrotas. Ainda assim, há de se saber que as emoções são muito polarizadas. Ou seja, quando acontece um empate, por exemplo, com um time que a torcida que não possui expressão para alcançar tal resultado diante do Vasco, o time de São Januário acaba recebendo vaias.

Recentemente, houve episódios como esse dentro do nosso estádio, o que deixou os nossos jogadores chateados com a postura de alguns torcedores que estavam exigindo muito deles.

Ao mesmo tempo, cada uma das vitórias, para alguns críticos dentro da própria torcida vascaína, é considerada como algo nada além da obrigação do time. No entanto, há também os arroubos de felicidade absoluta. Ou seja pode-se ir do céu ao inferno na mesma semana.

Mas isso só mostra que nós estamos no lugar errado, pois não estamos habituados a trabalhar com essa variável, pois a série B é um universo ao qual o Vasco não pertence. Aliás, o instante da virada do time dentro da segunda divisão, quando a equipe não estava muito bem, veio justamente desse pensamento. O clube se conscientizou e adotou o discurso: “Nós não pertencemos à série B, e não vamos aceitar essa situação com normalidade”.


Assista ao vídeo “Ame-o e não o deixe”


Isso porque, no dia-a-dia, a tendência é a de se começar a falar sobre os assuntos presentes no seu cotidiano com conformismo. Mas, nós sempre olhamos a série B com espanto, tratamos esse tema sendo o mais blasé possível, tentando mostrar sempre que o Vasco é muito maior do que os demais clubes do torneio, possuímos uma massa de torcedores muito maior, temos mais recursos, podemos contratar melhor, pagar melhor, olhando para esse universo, com todo respeito aos demais oponentes, como se não pudéssemos pertencer a esse lugar.

Porque, uma coisa é o discurso que se tem que fazer para ser humilde, e é o que se projeta para fora das paredes do clube. Não se pode jogar com qualquer que seja o adversário e encará-lo com desprezo. Mesmo porque, isso muitas vezes é utilizado para motivar os atletas do outro time que podem sim surpreender. Esse tipo de visão é ser ético, inclusive. E é preciso ser profissional.

No entanto, internamente, esse tipo de discurso não permeia a conversa. Para nós, o Vasco é muitas vezes maior do que qualquer time da série B, e nós sempre soubemos que o clube não estaria na mesma situação no ano que vem, e não pertence a esse lugar.

É óbvio que para sair da segunda divisão, nós teríamos que passar por ela. Então, aceitamos essa realidade, muito mais do que ficamos nos lamentamos sobre isso, o que seria um outro grande erro. Nós respiramos fundo, estufamos o peito e não deixamos, em nenhum momento, que alguém percebesse ou entendesse o Vasco como uma alternativa na série B. Sempre nos colocamos como um alienígena na segunda divisão, algo estranho, que, com certeza, seria expelido para a série A, o mais depressa possível.

Portanto, por não saber ser série B, que essas emoções vividas neste ano foram tão diferentes. Aliás, pelo o que passamos em 2009, é distinto de tudo o que a torcida vascaína já presenciou e sentiu. Porque se uma derrota na série A pode significar, de repente, mais um ano sem se chegar ao título, sem estar entre os clubes que se classificam para a Libertadores, na série B, pode significar que o time não vai retornar para a elite do futebol nacional.

Se perguntarmos para qualquer torcedor do Vasco o que ele gostaria, com certeza, a resposta seria: “Ser campeão”. No entanto, se questionarmos a mesma pessoa se esse título vale alguma coisa, ele responderá que não. Isto é, a torcida quer ser campeã, o time tem que ser o primeiro, mas não vale de nada esse título.

O Campeonato Carioca de 2003 foi a última vez que o Vasco ganhou um título. Porém, o torcedor vascaíno não considerará que o jejum foi quebrado com o primeiro lugar na série B. Ou seja, ser campeão na segunda divisão não irá entrar na conta de títulos, e eu concordo com esse pensamento.

*Nota da Redação: A entrevista foi realizada antes do Vasco garantir o acesso à série A do Campeonato Brasileiro, após a partida contra o Juventude, vencida pelo placar de 2 a 1, no último dia 7 de novembro, em pleno Maracanã.

Universidade do Futebol – Ao mesmo tempo, o rebaixamento possibilitou ao Vasco jogar contra adversários que são inferiores nos quesitos técnico e econômico. Como vocês equacionaram a pressão por vitórias e a tranquilidade da equipe?

Fabio Fernandes –
Esse é um assunto muito mais ligado àqueles que lidam mais diretamente com o futebol do Vasco. Mas, eles souberam blindar muito bem os jogadores de uma série de ansiedades da direção do clube e, especialmente, da torcida.

Foram dadas as condições necessárias para que a comissão técnica desenvolvesse o seu trabalho, os jogadores tiveram o suporte que se foi possível de oferecer e eles corresponderam àquilo que foi colocado como meta para a equipe.

Eu não sei de muitos detalhes sobre esse universo, pois não convivo diariamente com os jogadores e membros da comissão técnica. Mas o que se percebe por mera observação ou conversando com alguns daqueles que estão diariamente com os atletas, técnico, preparadores, etc, é que, neste ano, o clube teve uma gestão extremamente profissional, focando-se sempre no objetivo final de voltar para a série A.

Tanto que, algumas vezes, em que eu gostaria de ter começado alguma ação de marketing, em conversa com o resto do departamento e os membros de outras áreas do clube, foi-me negado o desenvolvimento da campanha para que fosse mantida a concentração dos jogadores e mesmo da torcida naquilo que realmente era importante: garantir o retorno para a elite do futebol brasileiro o mais depressa possível. Ou seja, houve uma proteção bastante grande para os jogadores e membros da comissão técnica, mas eles souberam corresponder a altura.

Acredito que uma decisão de mudança de jogos importantes do time para o estádio do Maracanã, que nós tomamos há tempos, e que foi muito criticada por alguns setores da oposição do clube, foi essencial para a boa performance da equipe. Há muitos anos, o Vasco não jogava dentro do Maracanã da maneira que está jogando, ironicamente, no ano em que estava na série B.

O que tínhamos em mente quando decidimos adotar o Maracanã como “casa” do Vasco é que, assim como todos os grandes eventos esportivos cariocas terminam em um grande estádio, o Maracanã, via de regra, no Rio de Janeiro, é esse local. Além disso, não podemos deixar de citar o amadurecimento que os jogadores e membros da comissão técnica vascaína tiveram com o advento de atuar em um grande estádio, tornou o Maracanã naquilo que ele sempre deveria ser: um outro caldeirão do Vasco. Isto é, o Maracanã é tão do Vasco quanto é do Flamengo ou do Fluminense, por exemplo.

Outro aspecto que foi levado em consideração foi a identificação que o torcedor vascaíno tem com o estádio de São Januário, o que levaria a decisão para discussões políticas. Porém, não se pode colocar só 26 mil pessoas dentro de um local, sendo que se tem um evento com um interesse de público muito maior. Além disso, no Maracanã consegue-se oferecer muito mais conforto, acesso mais fácil e rápido, maior segurança, etc.

E adotamos o Maracanã como a nossa casa também. Pois, quando a torcida do Vasco se sente visitante nesse estádio, algo está errado. Ou seja, eu não posso bater na porta para entrar no Maracanã. Ele é meu da mesma forma que é dos outros.

Universidade do Futebol – São Januário foi escolhido como sede do rúgbi nas Olimpíadas de 2016. Que tipo de ação vocês vão fazer para aproveitar isso? Qual é o papel do estádio nas receitas do clube atualmente?

Fabio Fernandes –
Naturalmente, elas diminuíram muito, porque, nesse turno da série B, temos jogado muito mais vezes no Maracanã do que em São Januário.

Além disso, o custo de se jogar em São Januário é muito menor do que o de se jogar no Maracanã, embora tenhamos feito uma determinada negociação para atuar no Maracanã, comprometendo vários jogos em um “pacote”, e, com isso, conseguimos reduzir os custos das partidas no estádio, se compararmos com o valor que desembolsaríamos caso pagássemos cada um dos jogos separadamente. Ainda assim, é um custo maior do que se fizéssemos os jogos no nosso próprio estádio.

No entanto, o Maracanã oferece uma série de vantagens. Por exemplo, a capacidade dele que é maior, o que resulta em um volume de venda de ingressos maior, além daquilo que seria possível em São Januário.

Mas, o critério que estamos utilizando não tem sido esse, e sim, em que local de jogo conseguiremos acomodar melhor sócios e torcedores, em partidas que possuam um apelo de público maior do que caberia no nosso estádio, neste momento.


Assista ao vídeo que mostra o apoio da torcida vascaína ao time



A intenção é de se fazer uma reforma completa em São Januário, o que já é visto desde administrações passadas como algo que precisa ser feito, apesar de que muitos torcedores enxergam na estética do local a sua face mais bonita. Porém, é um estádio que ficou ultrapassado em relação a uma série de fatores, desde a visão de jogo em alguns pontos, pois no passado não existia engenharia que possibilitasse a não existência de algumas pilastras, que atrapalham a visão de parte do público, até questões que referem-se a temas ligados à conservação.

Além disso, pensamos em aumentar a capacidade que é uma obrigação nossa, porque a torcida vem crescendo geometricamente, e o estádio permanece com o mesmo número de assentos, ou diminui em relação ao que se tinha no passado por questões de mudança da interpretação daquilo que deve ser o espaço destinado à torcida por parte dos poderes públicos. Por exemplo, o Maracanã, em tempos passados abrigou 200 mil pessoas, e hoje, não se podem vender mais do que 88 mil ingressos. Hoje, existe a obrigação de se colocarem cadeiras, o que diminui a possibilidade de uma quantidade maior de pessoas.

Por fim queremos fazer a cobertura do estádio de São Januário, projetos que já estavam curso por meio de conversas com empresas de fora do Brasil para a realização dessas reformas, oferecendo em contrato a utilização e a captação de algumas receitas extras por um determinado tempo.

Agora, fomos surpreendidos positivamente pela possibilidade de se fazer isso dentro de um planejamento que inclui a melhoria geral da cidade e do entorno do estádio de São Januário, o que vai trazer uma série de benefício para o bairro como um todo.

Porém, atualmente, o estádio tem sido menos utilizado do que no passado e acredito que, nos próximos anos, isso mudará radicalmente, pois conciliando com o planejamento que se tem para a Copa do Mundo de 2014, o Rio de Janeiro vai precisar de São Januário para compensar a ausência do Maracanã, que estará em reforma até a data do evento. A rigor, os três estádios do estado, em 2010, serão São Januário, Engenhão e Volta Redonda. Esses poderão receber as partidas de times considerados grandes. Além deles, obviamente, estádios menores serão os palcos de jogos de times de menor expressão.

Por isso, é interessante que se planeje muito bem, pois dentro dessa agenda de eventos que acontecerão no Rio de Janeiro (Copa do Mundo e Olimpíadas), terá que acontecer a reforma de São Januário, o que não poderá ser antes de 2014, mas sim a partir daí até 2016, quando receberemos os Jogos Olímpicos.

Nesse intervalo de tempo, serão feitas todas as reformas ditas, além da conversão do gramado para a prática do rúgbi, que necessita de outras características. Por isso, o Vasco deverá ficar um bom tempo sem atuar no seu estádio após a realização da Copa do Mundo de 2014.



Durante a reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, o estádio de São Januário será um dos palcos das partidas dos times cariocas de maior expressão

Universidade do Futebol – Em quais aspectos a Copa do Mundo de 2014 poderá contribuir para a profissionalização dos clubes de futebol e da indústria do esporte no Brasil?

Fabio Fernandes –
O futebol brasileiro já poderia ter construído um cenário parecido com o que se observa na NBA (Liga de Basquete dos EUA). Lá começou-se criando um fundo entre as equipes, com a visão de que eles tinham que se unir para serem mais fortes e terem os seus interesses representados.

Acredito que houve alguns avanços e o Clube dos 13 foi uma semente disso. No entanto, paralisou-se mais rápido e em um estágio muito aquém daquilo que se poderia ter ido.

Repito que atitudes mesquinhas como a que eu relatei, ocorrida dentro do próprio Clube dos 13, apenas apequena esse instrumento, que deveria ser de ganho para todas as agremiações.

Mas ainda acredito, pelo desenvolvimento que o Brasil vem demonstrando, principalmente, no que se refere aos esportes, com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, se não for na base da vontade conseguiremos evoluir por conta de alguma realidade que terá que ser apresentada, ainda que de maneira não tão natural quanto deveria.

Eesse é o momento do Brasil para que todas as áreas evoluam, não somente o futebol. Será, seguramente, nos próximos 15 anos, um lugar excelente para ter o dinheiro investido.

Ou seja, tudo o que puder ser feito de maneira profissional, no Brasil, renderá frutos geometricamente aumentados. O futebol brasileiro tem tudo para ser e deveria ser a “NBA do futebol”. Porém, estamos perdendo isso para países que importam o nosso know-how e o nosso talento, e que adorariam ser 10% daquilo que o Brasil consegue ser, inclusive no que se refere à paixão, porque o torcedor europeu apesar de ser mais presente, não se compara em termos de doação ao clube quando se fala em adeptos brasileiros.

Não creio que seremos o pólo do mundo, pois não vejo ninguém com essa prerrogativa. Mas não ser considerado é algo muito triste. Não digo que seremos maiores do que a Itália, a Espanha, a França, ou qualquer outro país de destaque no cenário internacional do futebol. Mas poderíamos ser um entre eles.

A questão não é se o Brasil é o único lugar para os melhores jogadores do mundo atuarem. O problema é que nós não somos nem considerados. Eles escolhem entre Itália, Inglaterra, Espanha, Alemanha e França. O Brasil não está nem entre esses. O ideal seria o atleta considerar que ele pode jogar nos países europeus, mas também vale a pena atuar no Brasil.

Estar entre os locais em que os melhores podem jogar é uma pretensão a ser considerada, e que só com a conjunção das forças do futebol e da governança do país é que poderemos chegar nesse patamar.

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Benê Lima