Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, novembro 27, 2010

Entrevista com o técnico do Internacional B, Enderson Moreira

Enderson Moreira, técnico do time B do Internacional
Campeão brasileiro sub-23, ele fala sobre as características de seu trabalho no projeto colorado
Bruno Camarão

Na próxima segunda (29/11), a comissão técnica do Internacional divulgará a lista dos 23 atletas inscritos para a disputa do Mundial de Clubes da Fifa, em Abu Dhabi. O treinador Celso Roth garante que sua relação está praticamente definida. Certo também é que o processo de formação do grupo principal esteve condicionado a atuações recentes de postulantes a uma vaga em jogos oficiais. E quem se destacou no Campeonato Brasileiro sub-23, obviamente, alimenta uma chance de embarcar para os Emirados Árabes Unidos e lutar pelo maior título da temporada.

Muriel, Daniel, Ronaldo Alves, Oscar, Eduardo Sasha, Juliano, Romário, Massari e Kléber Silva, por exemplo, integraram por um período o chamado Inter B, equipe que faturou o torneio da categoria, e ganharam nova chance na equipe profissional – vitória por 2 a 1 sobre o Botafogo, no Engenhão.

“No time B, consegui recuperar meu ritmo. Há alguns que podem ir ao Mundial, como eu, e se aparecer uma vaga na lista será como um título para mim”, disse Oscar, talentoso meio-campista, após sua atuação decisiva na final do sub-23, contra o Corinthians. Marcou um gol e deu uma assistência para outro no triunfo por 3 a 0.

No comando desses jovens esperançosos – e de alguns com mais idade, que tiveram que reconstruir suas carreiras – está a figura de Enderson Moreira. Mineiro de Belo Horizonte, ele teve sua formação ligada às três principais forças do Estado – e pelo emergente Ipatinga –, além da equipe júnior do 7 de Setembro, clube conveniado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde se formou e deu os primeiros passos na profissão.

Parceiro de Ricardo Drubsby, Enderson captou do ex-coordenador das categorias de base do Atlético-PR muitos dos conceitos de organização e planejamento estratégico vividos em várias comissões técnicas pelo país. Ao desembarcar no Internacional, ele se deparou com uma realidade muito próxima da qual pensa sobre a modalidade.

“Alguns outros clubes pensam também em futebol, mas às vezes muito preocupados com a estrutura física, as possibilidades de treinamento, que também são importantes, mas a essência do jogo ainda é o atleta. É ele quem fará com que a equipe se desenvolva. E nesse processo de seleção, o Inter é diferente. Está sempre buscando atletas de qualidade”, apontou Enderson, nesta entrevista àUniversidade do Futebol.

Dentre os variados temas, o profissional que faturou duas Copas São Paulo de Futebol Júnior – uma com o América-MG e outra com o Cruzeiro – falou sobre como pensou e sistematizou a forma de jogar do time B do Inter, a integração entre os departamentos, sua relação com o futsal e qual a relevância do staff para o sucesso de um comandante.

“O treinador é o 'cabeça', mas é fundamental estar cercado por profissionais que se sintam importantes e possam desenvolver suas funções com total autonomia. Cabe a nós gerenciar essa comissão e verificar e controlar o desempenho de cada um”.



 

Universidade do Futebol – Qual a sua formação acadêmica e como ocorreu seu ingresso no ambiente do futebol?

Enderson Moreira – Fui atleta de futebol até os 18 anos. Como minha carreira não deslanchou, fiz o vestibular para Educação Física e decidi cursar para trabalhar com futebol.

Uma pessoa que me influenciou muito para tomar essa decisão foi o Ricardo Drubsky, que foi meu treinador no infantil do Venda Nova, clube de Belo Horizonte. A partir desse momento, tomei-o como exemplo e segui esse caminho. Me formei tanto no Bacharelado quanto em Licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Antes, minha primeira participação no futebol foi como preparador físico, em 1993, no próprio Venda Nova, na categoria juvenil. Dois anos depois, o Ricardo, após um longo tempo em que não nos falávamos, entrou em contato e me indicou ao América-MG, no qual eu trabalhei como preparador físico desde a categoria júnior, em 1995 – fomos campeões da Copa São Paulo de Futebol Júnior, no ano seguinte – até me tornar auxiliar de preparação do grupo principal.

Saí do América-MG em 1996 e me tornei treinador em 1998. Dirigi a equipe júnior do clube 7 de Setembro, que tinha um convênio com a UFMG. Em 1999 e em 2000 fui treinador do juvenil do América-MG, até que parei por quatro anos para fazer o meu mestrado.

Sempre trabalhei, em paralelo, em um colégio de Belo Horizonte, chamado Magno Agostiniano, famoso na formação de atletas, pelo qual fui treinador de futsal durante 15 anos.

Em 2004, o Ricardo, então coordenador das categorias de base do Atlético-MG, me convidou para ser treinador do juvenil do clube. Fiquei lá até 2005, e no início de 2006, quando o Ricardo já estava no Cruzeiro como treinador da equipe júnior, fui chamado para ser auxiliar dele. Quando ele assumiu a coordenação da base do Cruzeiro, fui promovido a técnico do júnior, ficando até maio de 2008.

Em 2008, o Ricardo foi para o Ipatinga, o acompanhei e me tornei primeiro assistente técnico dele, e depois treinador do time principal, quando ele saiu. Depois disso ainda transitei pelo América-MG, pela categoria sub-20 do Atlético-PR, em 2009, até receber o convite da diretoria do Internacional para dirigir o time B.

Universidade do Futebol – Você comentou sobre aquele período em que esteve afastado do futebol para a realização de uma atividade acadêmica. Do que se tratou sua tese de mestrado?

Enderson Moreira – Sempre tive muito contato com a psicologia do esporte. Minha monografia de conclusão de curso foi voltada a essa área. Não cheguei a fazer o mestrado, apenas algumas disciplinas isoladas, pois recebi o convite do Ricardo e do Atlético-MG no meio do período.

Universidade do Futebol – Já que você tocou no tema, como você trabalha questões ligadas à área da psicologia esportiva aplicada ao futebol em seus treinamentos diários?

Enderson Moreira – Na verdade, durante esse período todo em que eu estive no futebol, apenas no Atlético-MG tive um contato muito bom com a Paula de Paula, psicóloga do clube. No Inter, também ocorre um trabalho específico com um profissional da área.

O que eu mantenho são intervenções mais voltadas ao meu estilo de trabalho, um estilo formador, do qual nunca abri mão, e tive oportunidades de colocar algumas coisas que foram estudadas e tive acesso, mas nada muito especial.

Em alguns casos, porém, quando percebemos algum problema emocional em algum atleta, entramos em contato com a psicóloga para desenvolver uma atividade própria com ele, com sociogramas, etc.

Também mantemos um contato próximo com a assistente social, que é talvez até mais próxima e nos passa informações sobre a família do atleta e, assim, podemos intervir de maneira positiva para melhorar o desempenho.

Universidade do Futebol – O Inter preza muito pelo seu departamento de formação, utilizando-se de muitos atletas na categoria principal, bem como o Atlético-MG, o Atlético-PR e o Cruzeiro, clubes pelos quais você passou. Qual é o diferencial de cada um deles neste sentido?

Enderson Moreira – Tive oportunidade de passar por quatro grandes clubes que têm por característica e opção desenvolver bons trabalhos de base. Colocaria até o América-MG nesta lista, apesar das dificuldades enfrentadas. Mas o Internacional, para mim, está à frente na forma de pensar futebol.

A direção colorada é muito ligada à essência do futebol, que em minha opinião são os atletas. Os dirigentes sempre ficam buscando talentos e, quando estes chegam ao clube, há toda uma estrutura para recebê-los e fazer com que os mesmos se desenvolvam ao máximo.

Alguns outros clubes pensam também em futebol, mas às vezes muito preocupados com a estrutura física, as possibilidades de treinamento, que também são importantes, mas a essência do jogo ainda é o atleta. É ele quem fará com que a equipe se desenvolva. E nesse processo de seleção, o Inter é diferente. Está sempre buscando atletas de qualidade.

Em contrapartida, a formação de um time B vai muito a favor desse pensamento. Para que não se percam atletas de talento, o clube mantém um grupo de altíssimo nível, com padrão de treinamento e de organização de uma equipe profissional, e busca dar a esses atletas que se destacam na categoria júnior e em outras equipes a compreensão da transição do jogo do sub-20 para o jogo profissional.

A intenção é proporcionar uma maturação de jogo adulto àqueles atletas que se destacam.



Oscar comemora gol na final contra o Corinthians, que deu o título brasileiro da categoria sub-23 ao Inter: esperança de ir a Abu Dhabi
 

Universidade do Futebol – Esse conceito de “Time B” ainda é recente no Brasil?

Enderson Moreira – Infelizmente, nem todas as equipes têm esse tipo de pensamento. Muitas vêm a formação desse novo grupo como mais um gasto. Aqui no Inter o pensamento é bem consolidado, especialmente na figura de seus dirigentes.

Muitos atletas terminavam a idade de júnior e ainda não estavam prontos ou não encontravam espaço para ingressar no time principal. O primeiro passo era emprestar esses atletas para equipes menores, nas quais não recebiam a mesma atenção que ocorria no clube em que foram formados. Por isso nasce a ideia do time B, como forma de preparação para que os jovens pudessem chegar mais experientes, com mais jogos “profissionais” na bagagem – algo que é muito bem desenvolvido na Europa. As agremiações estrangeiras possuem seus times secundários há mais tempo.

Tínhamos as equipes aspirantes, que faziam os jogos preliminares, com torcida, mas acabaram. E o nascimento do time B é para justamente preencher essa lacuna. A categoria sub-20, com as diversas competições que foram criadas, ficou bastante “segmentada” (A Copa SP, atualmente, é disputada pelo sub-18. E o Campeonato Brasileiro sub-20, pelo time sub-19). É importante ter o time B para captar os atletas com potencial e utilizá-los em curto prazo.

Universidade do Futebol – Como você pensou e sistematizou a forma de jogar do time B do Inter? Há uma linha metodológica semelhante à realizada pelo Celso Roth, no grupo principal?

Enderson Moreira – Há uma coisa interessante no futebol. Para montar um sistema de jogo, eu tenho uma ideia bem definida. Nessa ideia, eu tenho algumas possibilidades a partir do que eu tenho em relação aos atletas. No começo, a formação de jogo do time B era diferente da utilizada pelo Jorge Fossati, treinador do time principal à época. Agora, com o Celso, temos utilizados sistemas semelhantes, muito em função das características dos atletas que temos.

Quando um jogador “desce” para jogar conosco, ele já está acostumado ao modelo. Lógico que o Celso tem algumas variações a partir dos pensamentos dele, assim como eu as tenho, mas a essência de jogo é muito próxima, o que ajuda no processo de transição.



A partir da utilização de atletas pelo Inter B, Celso Roth terá mais opções para fechar lista de selecionados para o Mundial de Clubes

 

Universidade do Futebol – O trabalho realizado pelas comissões técnicas do Internacional é interdisciplinar? Como se dá a integração entre as diferentes áreas pedagógicas e científicas?

Enderson Moreira – Sim. Temos reuniões quinzenais, mensais, nas quais algumas estratégias e alguns temas são tratados. Nas questões pedagógicas, no modo de treinar, o Inter sempre procura definir uma linha sequencial de categoria para categoria.

Temos uma preocupação com a organização dessas equipes, para o processo de formação do atleta. O departamento de formação do Inter é pensado como um todo, e não individualizado em equipes. Muitas coisas precisam ser melhoradas e ajustadas, e estamos tentando contribuir a partir de nossas experiências em outros clubes.

Universidade do Futebol – Você poderia citar alguns desses pontos positivos que você observou – e dos quais você participou – em outras instituições esportivas?

Enderson Moreira – O Atlético-PR, por intermédio do próprio Ricardo Drubsky, vem com um projeto que havia sido implementado no Cruzeiro e no Atlético-MG, baseado na organização e na sistematização do processo de formação do atleta. Tive a oportunidade de participar da construção desses documentos. No Inter, já vi uma coisa muito pronta, avançada. O que tento é fazer um agrupamento desses conhecimentos, das experiências bem sucedidas.

Aqui no clube, há um projeto chamado Aprimorar, por exemplo, que também é muito interessante. Participo dele há apenas 10 meses, não tenho um conhecimento profundo da origem, mas conheço bem as pessoas que trabalham nele, como o Ortiz, o Pinga, o Chico Fraga e o Thiago Rebelo.

Nesse projeto, toda categoria seleciona alguns atletas que apresentam algumas deficiências. A partir de um relatório do que precisa ser melhorado, o Aprimorar, de maneira individualizada, vai trabalhar as carências desses atletas em um período fora do horário de treinamento.

 


Chico Fraga, do Projeto Aprimorar – S.C Internacional 

 

Cada profissional é responsável por um determinado setor, com trabalhos interessantíssimos, fazendo com que o atleta tenha uma melhora significativa nos aspectos técnicos, ferramentas para exercer no plano tático as suas qualidades.

No time B, quando há semanas cheias, realizamos uma atividade especial por setor. Um dia pegamos os atacantes, por exemplo, meia hora antes do treinamento, para aplicar exercícios de coordenação e fundamento, mas a base toda é do Aprimorar.

Universidade do Futebol – Alguns clubes investem nas categorias de base para a formação de jogadores - para a equipe profissional ou para transferência a outros clubes. Outros têm esse discurso, mas na prática mantêm todas as energias para vencer as competições que disputam, muitas vezes mascarando a intenção através desse discurso. Como isso funciona no Internacional?

Enderson Moreira – Como eu não tenho o conhecimento de muitos anos, não posso me aprofundar, mas percebo que o Internacional não é um clube que faz modificações bruscas apenas pelo resultado.

As duas coisas podem caminhar juntas: você ter um trabalho de formação e lutar pelas vitórias. A competitividade faz parte do processo de formação, também. O que não podemos é radicalizar. Vencer é importante, também. O jovem não pode aprender a disputar e a competir apenas no profissional.

Não é em cima de uma derrota que o trabalho está todo ruim, assim como uma vitória não é justificativa de um processo bem realizado.

Universidade do Futebol – Quando era treinador da base do Cruzeiro, você passou um longo período sem derrotas, que foi coroado com a conquista do título da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2007. Poderia relembrar um pouco sobre aquela trajetória?

Enderson Moreira – Eu fiquei à frente do Cruzeiro durante 1 ano e 8 meses, mais ou menos. E durante esse tempo, em competições nacionais, não tivemos nenhuma derrota no tempo normal. Participei da campanha na Copa SP de 2007, e fomos campeões invictos; depois, na Taça Belo Horizonte, perdemos apenas para o Flamengo, na final, na disputa de pênaltis; e em dezembro participamos do Campeonato Brasileiro sub-20, sendo campeões – com apenas um empate na campanha – justamente contra o Inter; na Copa São Paulo do ano seguinte, acabamos eliminados em uma disputa de pênaltis nas oitavas de final.

Universidade do Futebol – A análise de desempenho, com o acompanhamento de dados, pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica na iniciação ao futebol? Como o Inter trabalha este aspecto?

Enderson Moreira – O Ortiz, alem do projeto Aprimorar, é responsável por relatórios com todas as informações dos scouts dos jogos. Acho importante buscar uma análise criteriosa a partir desses dados, mas sem me fixar apenas em números. Eles são muito importantes, desde que você possa fazer uma análise criteriosa e competente de cada item.

Se meu meio-campista deu dez passes, errou cinco e acertou cinco, sendo que três foram assistências para gol, o jogo ganha outra representatividade. Os números são quantitativos e qualitativos.

O futebol ultrapassa a questão de ser apenas um esporte. Ele é um grande negócio, com exposição de marca e fidelização de mercados. E tudo o que puder ser agregado para melhorar o jogo, o espetáculo, na verdade, é muito bem vindo.

A única coisa que faço restrição é a inversão de valores, quando as pessoas colocam como importância maior esse tipo de aparato. A essência do jogo é o atleta. Tudo contribui, e o treinador tem a faculdade de organizar e conduzir esse processo. Mas não podemos perder de referência o jogo.

Universidade do Futebol – Em se pensando o futebol no aspecto humano e social, você acredita que a influência da cultura condiciona um determinado tipo de comportamento? É possível se falar em escolas regionais de futebol?

Enderson Moreira – Em alguns cursos que vou ministrar, falo muito sobre as diferenças culturais do jogo de acordo com a região. Vou além: há diferenças culturais até de clubes para clubes da mesma localidade.

Atlético-MG e Cruzeiro, por exemplo. O segundo é um time mais técnico, que joga com a bola no chão, no jogo apoiado, e o primeiro impõe uma marcação mais forte, um jogo mais vertical, agudo, com muita vontade. Para as pessoas que trabalham com futebol é importante conhecer essas particularidades.

O que existe é uma caracterização que a torcida admira. A do Cruzeiro, por um time mais técnico; a do Atlético, por um time mais aguerrido.

Percebi isso no Paraná e aqui no Rio Grande do Sul, também, onde o jogo é mais lutado, com força. No Rio de Janeiro, o jogo é mais cadenciado, com posse de bola. Já no Nordeste, a transição defesa-ataque ocorre de maneira muito rápida.

É lógico que as grandes equipes têm uma tendência a apresentar um jogo muito mais próximo – elas tendem a ter equipes com atletas técnicos e modelos de jogo organizados.



 
"A essência do jogo é o atleta": Enderson valoriza troca de ideias com os jovens e procura diagnosticar aspectos de liderança no grupo

 

Universidade do Futebol – Em uma de suas primeiras intervenções como treinador da seleção brasileira, o Mano Menezes citou a necessidade de o país em reassumir a condição de protagonista do jogo. Qual leitura você faz disso?

Enderson Moreira – O futebol brasileiro, na verdade, sempre foi um futebol de posse e de toque de bola. Eventualmente, em algumas situações, abrimos mão disso. Não que o fato de o Dunga ter formado um time cuja principal característica era o contra-ataque estivesse “errado”. Ele tinha jogadores com essa capacidade de transição. Mas acabou não ganhando a Copa, e não se tornou uma referência.

O que percebo nessa frase do Mano é que o Brasil tem uma marca e uma forma de atuar que não deve ser descartada. O brasileiro sempre conduziu o jogo, sempre teve a capacidade de colocar qualquer adversário para dentro do campo dele, e principalmente no terço ofensivo do campo, nossos atletas buscavam muito a jogada individual, de desequilíbrio. E é o que o Mano quer retomar.

Dificilmente a Espanha enfrentará um rival que tenha mais posse de bola do que ela. Mas nem sempre ela irá ganhar por conta desse protagonismo. O mesmo vale para o Barcelona.

Universidade do Futebol – Para alcançar esse patamar, há necessidade de um trabalho diferenciado nas categorias de base? Como você analisa, de maneira geral, a formação do atleta brasileiro?

Enderson Moreira – Acredito que a seleção pode servir de exemplo. Ela começa talvez a ditar aquilo que o treinador busca, uma diretriz que é colocada a ser seguida por clubes que queiram ver seus atletas na seleção principal nacional. Essa é a minha ideia apenas.

O Mano tem possibilidade de criar a sistematização que ele quer, por conta de sua capacidade, e fazer as escolhas de atletas que possam exercer as funções da melhor maneira possível. E consequentemente todos terão ideia daquilo que está sendo colocado, resultando em um efeito cascata na formação de novos atletas com esse tipo de perfil.

Universidade do Futebol – Assim como você, o Mano Menezes é um profissional ligado às ciências do esporte, bem como o Ney Franco, que coordena as categorias de base da seleção brasileira. Esse é um indicativo positivo para a função de treinador, servindo também de referência para a formação de novos profissionais?

Enderson Moreira – Acho muito positivo, sim. Primeiro por se tratarem de pessoas ocupando cargos importantes, com uma visão muito ampla sobre o futebol. Ao passo que temos ex-atletas que também têm essa capacidade muito desenvolvida.

A formação, simples, não garante essa visão diferenciada. O Brasil apenas agora sinaliza algumas iniciativas sobre cursos de qualificação e formação de treinadores – inclusive participei de algumas reuniões da Escola Brasileira de Futebol (EBF).

Não percebo nos cursos de Educação Física uma preocupação em formar treinadores de futebol ou de qualquer outra modalidade. Há apenas apontamentos genéricos, nada técnico, para que a pessoa possa atuar com total desenvoltura na área escolhida – no meu caso, senti carência de informações e base para ingressar no futebol. Daí a necessidade de escolas específicas para cada uma das modalidades.

É fundamental haver uma construção de equipe e comissão técnica a partir de uma boa base científica. E tanto o Mano, quanto o Ney, cuja carreira acompanhei em sua totalidade, têm total capacidade para isso e temos confiança neles.

 

Especial: Mano Menezes, o novo treinador da seleção brasileira 
 

 

Universidade do Futebol – Que conteúdos o treinador precisa dominar para ter êxito na carreira?

Enderson Moreira – Diria que esse profissional tem de ter uma noção boa do todo. Das questões da fisiologia, que são importantes, para se travar um diálogo com os médicos, preparadores físicos e os próprios fisiologistas.

A questão técnica e tática também é fundamental para a construção do modelo de jogo de sua equipe. Algo fundamental são os fatores psicológicos, de liderança, de ter capacidade para gerenciar pessoas – além da comissão técnica, há os atletas e o contato com dirigentes e os demais funcionários do clube.

O bom relacionamento é fundamental para que o treinador tenha sucesso em sua carreira. Saber delegar e respeitar é um ponto importante, também.

Universidade do Futebol – Como detectar aspectos de liderança em jovens? Você procura executar exercícios específicos para potencializar essa capacidade em determinados atletas? Como você trabalha essa questão?

Enderson Moreira – Não tenho muito conhecimento sobre a questão de liderança tão a fundo, para fazer testes específicos. O que tenho é uma sensibilidade para perceber atletas com essa capacidade. Em algumas situações de adversidade, situações-problema, eu consigo detectar bem a atitude dos atletas.

O papel de liderança não é simplesmente delegado àquela pessoa que consegue se expressar bem: a conduta traz o aspecto de liderança. E temos de ficar muito atentos a esses momentos.

Transformar as palavras em ações nem sempre ocorre com eficácia. Muitas vezes aquele jogador que se doa ao máximo em campo, sendo exemplo, mostrando sua capacidade de determinação, acaba se integrando no processo de construção de liderança. Mesmo que de maneira indireta, ele acaba virando uma referência, seja na organização da equipe em campo, auxiliando o treinador, seja nas preparações para o jogo.

Sempre motivo muito os atletas a serem levados a exercer essa questão da liderança, com reuniões e conversas abertas. Desenvolver esse aspecto, tanto para a carreira deles, como para a nossa, é muito importante.

Universidade do Futebol – Você citou no início sua relação com o futsal. Durante o trabalho nas categorias de base, é possível utilizar alguns aspectos dessa modalidade para o processo de ensino-aprendizagem?

Enderson Moreira – Eu vejo muita coisa no futsal podendo ser adaptada ao futebol de campo. Os benefícios daquela modalidade se observam principalmente na origem da formação dos atletas.

Até o sub-13, acredito que o futsal seja a melhor escola para crianças, porque ele mantém alguns facilitadores extremamente interessantes. Primeiro a baliza: no futsal, o gol de tamanho menor cria uma perspectiva positiva. A bola também fica mais no chão, menos “viva”, facilitando o aprendizado de fundamentos.

Conseguimos também treinar de uma maneira muito melhor alguns aspectos táticos e situacionais (1-1, 2-2-, 3-3).

A partir dos 13 anos, pela minha experiência, percebo que é o momento ideal para transição e o atleta possa conciliar as duas modalidades. Aos 15 anos, há uma definição de fato, ou pelo futsal, ou pelo campo, para que ele possa buscar seu espaço. Depois disso é mais complicado, por se tratarem de modalidades com características diferentes.

Outras situações no futsal foram implementadas no futebol de campo e são facilmente perceptíveis, como o carrinho em projeção à bola, para interceptar o chute ou atrasar a jogada do atacante; a desmarcação – no futsal, os atletas estão a todo momento tentando se livrar do adversário; a saída do goleiro, em pé, em lances cara a cara, abrindo os braços e ampliando o campo de ação, também é trabalho iniciado no salão e levado ao campo.

Os esportes coletivos, de maneira geral, em termos de conceitos, são muito parecidos e permitem algumas adaptações. Dobras defensivas, dobras ofensivas, a postura do defensor, com o quadril mais rebaixado, por exemplo, são situações que nascem no basquete, passam pelas quadras de futsal, e são assimiladas ao futebol. E vice-versa. O jogo cada vez fica mais interessante.

Vejo o futebol com uma dinâmica muito mais interessante do que em décadas passadas recentes, e essa evolução é bem perceptível.
 

 

Relação entre os movimentos do futsal para utilização intrínseca no futebol 
 

 

Universidade do Futebol – Qual é a importância da comissão técnica para o pleno desenvolvimento do trabalho do treinador?

Enderson Moreira – É algo a ser valorizado. O treinador é o “cabeça”, mas é fundamental estar cercado por profissionais que se sintam importantes e possam desenvolver suas funções com total autonomia. Cabe a nós gerenciar essa comissão e verificar e controlar o desempenho de cada um.

Tive muitos auxiliares técnicos que foram ex-jogadores, e fico cada vez mais impressionado com a capacidade deles em darem alguns toques que passam despercebidos por nós. Eventualmente não nos atentamos a alguns detalhes por não termos sido atletas profissionais. Isso é fundamental.

Trabalhei com o Luis Fernando Flores, que foi meu auxiliar no Cruzeiro, e agora com o André Doring, no Inter, dois grandes profissionais e essenciais para a nossa caminhada. Além de vários outros no Ipatinga e no América-MG.

O auxiliar, quando é formado em Educação Física, tem geralmente uma visão muito próxima à sua. E o ex-atleta geralmente traz informações diferentes, novas para você, e esse tipo de interação rende muitos ganhos. Faço questão de valorizar a presença de todos nessa nossa comissão técnica do Internacional.
 




Enderson ao lado do ex-goleiro André: percepção dos detalhes é enaltecida pelo treinador

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Benê Lima