Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, dezembro 27, 2009

Imprudência, temeridade e força excessiva: substrato da regra 12
O futebol é um grande veículo de comunicação. Daí, a importância que seja praticado com muito fair play em sua esfera profissional, pois estes são o espelho deste esporte
Cleber Vaz da Silva

O esporte, em sua versão primitiva (Grega), era pautado em uma atividade benéfica do ponto de vista moral, haja vista que a sua prática estava alicerçada em valores ético-morais positivos e os comportamentos morais assimilados durante a prática esportiva seriam ampliados a todas as outras formas de comportamento das pessoas durante sua vida futura.

Hodiernamente o futebol é um esporte competitivo e o contato físico entre os jogadores é um aspecto normal e aceitável do jogo. Não obstante, os jogadores devem jogar respeitando as regras de jogo e os princípios do fair play, ou seja, do jogo limpo.

A arena do jogo é para os jogadores darem espetáculos, com jogadas formidáveis, lances de tirar o fôlego do torcedor e não um ringue de luta. É o jogo da bola, da malícia e do drible, que reflete a própria nacionalidade de uma terra dominada pela paixão da bola. É um palco de talento e criatividade.

O futebol é um grande veículo de comunicação e educação, onde sua prática é desenvolvida principalmente entre as gerações mais novas. Desta forma, vem a importância que seja praticado com muito fair play (jogo limpo) em sua esfera profissional, pois estes são simplesmente o espelho deste esporte.

Contudo, lamentavelmente existem as constantes manifestações de agressividade entre os torcedores e entre os atletas, formando o fenômeno da violência no futebol, que infelizmente tem mais vitrine na mídia do que os espetáculos promovidos pelos artistas da bola.

No mundo futebolístico sempre esteve presente uma certa dose de violência, tanto no terreno de jogo como entre os torcedores. Entretanto, é importante salientar que o futebol foi criado sob valores de masculinidade, valores exacerbados de virilidade, força e sobrepujança, com seu início na segunda metade do século XIX no continente europeu, precisamente na Inglaterra.

Todavia, este fundamento de que a violência esteve permanentemente ligada ao futebol não deve servir de conformação ou mesmo aceitação de que ela estará presente no futebol eternamente; mas, devemos estar informados de que as causas e as soluções desses problemas são complexas e demandam tempo e medidas eficazes na busca de sua solução mais acertada.

Por outro lado, cabe reforçar que o árbitro, autoridade máxima da partida, é o protagonista que sempre é lembrado pelos jogadores, torcedores, diretores e comissão técnica das equipes derrotadas, sendo alvo incessante de críticas e comentários entre estes e os especialistas do esporte.

Ainda é imperioso evidenciar que os árbitros estão dispostos em uma via de mão dupla; onde de um lado tem-se a necessidade de tolerar o vigor e os contatos físicos essenciais para preservar a tensão, emoção e interesse da disputa tanto para jogadores como para os torcedores; de outro lado, se não impor sua autoridade para o cumprimento da regra e aplicar as punições devidas, correm o risco de perder o “controle do jogo”, e os jogadores acabarem assumindo comportamentos violentos frente aos seus adversários.

Noutros dizeres, deve ele preservar a integridade física dos atletas, sem contudo deixar que o jogo perca sua magia peculiar (rigidez e virilidade), evitando a criação de um campo de batalha no solo sagrado do futebol.

Por isso, é preciso saber distinguir entre um futebol disputado com força e virilidade daquele em que a maldade e a violência estão presentes. De um jogo forte para um violento. A partida violenta distingue da vigorosa no propósito dos atletas, que pode ser perceptível ao árbitro; pois a utilização da força, punível seu excesso, é socialmente admitida, e não raro reclamada pelos atletas.

Na violência, a visão finalística do atleta é agredir seu adversário, isto é, age de maneira premeditada, com o objetivo de lesionar seu opoente. Há um profundo desrespeito ao fair play. É regado de deslealdade, com uso desmedido de maldade.

Assim, a distinção se funda em função das ações e atitudes de enfrentamento e contato corporal. Também não podemos esquecer das violências morais e verbais, como ameaças, coações e xingamentos, que são passíveis de expulsão ou exclusão, conforme o caso.

Para melhor ilustrar, está postado nas Instruções Gerais da CA/CBF a definição de “entrada violenta”, que é passível de sansão com um cartão vermelho:

“Uma entrada violenta é quando um jogador se lança com um pé ou os dois pés para frente, quer seja de frente ou às costas do jogador que tenha a bola sem tocar esta última; ou quando se atira com a clara intenção de parar o jogador de forma violenta e sem se importar em que na ação toque ou não a bola”.

Importante frisar que o termo “entrada”, muito utilizado pelos árbitros, se refere ao “carrinho”, em que o atleta projeta suas pernas na direção do adversário buscando atingir a bola ou não, podendo ser punido pela sua utilização com excesso de força ou quando utilizado de forma perigosa, que possa, à luz do comandante da partida, por em risco a integridade do adversário. Portanto, deve o árbitro examinar a ação final do jogador; o ato produto de sua intenção.

Assim sendo, mesmo que um atleta tenha como objetivo inicial buscar alcançar a bola, mas que durante a jogada, por imprudência, temeridade ou uso de força excessiva, tenha acertado seu adversário, incumbe ao árbitro puni-lo em consonância com os fatos que presenciou, assimilou e interpretou. Impende ressaltar que a seriedade de uma lesão não é critério adequado para se definir a intencionalidade violenta da ação, pois pode ocorrer independentemente da ação ser violenta ou agressiva.

Não obstante, é de competência do árbitro decidir, em milesimais segundos, o desejo do atleta no lance. Vale realçar que nos casos de imprudência não deverá ser aplicada nenhuma punição disciplinar. Porém, deve-se advertir com o cartão amarelo e verbalmente o atleta que age com temeridade. Já o uso de força excessiva deve ser punida disciplinarmente com o cartão vermelho, devendo a autoridade da partida descrever claramente e objetivamente em seu relatório, justificando as medidas disciplinares adotadas para o atleta infrator das regras do jogo.

Objetivando enriquecer o tema, analisaremos consoante o fascinante mundo do futebol, os significados das condutas em que o árbitro as julgue imprudente, temerária ou com uso de uma força excessiva, conforme dispõe a REGRA 12 – FALTAS E INCORREÇÕES, do livro de Regras do Jogo 2008/2009, da Fédération Internationale de Football Association – Fifa, Órgão máximo do futebol mundial:

As faltas e incorreções serão punidas da seguinte maneira:

Tiro livre direto

Será concedido um tiro livre direto para a equipe adversária se um jogador cometer uma das seguintes sete infrações, de maneira que o árbitro considere imprudente, temerária ou com uso de uma força excessiva:

• dar ou tentar dar um pontapé (chute) em um adversário;
• dar ou tentar dar uma rasteira em um adversário;
• saltar sobre um adversário;
• dar um tranco em um adversário;
• agredir ou tentar agredir um adversário;
• empurrar um adversário;
• dar uma entrada (“carrinho”) em um adversário.


Deste modo, considera-se “temerária” a conduta quando o atleta age sem levar em consideração o risco ou as conseqüências para seu adversário. Também é praticada de modo perigosa, onde o resultado apresenta-se como altamente provável (previsível). Em outras palavras, a previsibilidade é patente, além de censurável. Na conduta temerária, sua ação foi por ato voluntário que culminou em um efeito lesivo, sendo ele advertido. Sua atuação apresenta demasiadamente arriscada, pois expõe a perigo concreto seu oponente. Mesmo o atleta antevendo os resultados prováveis de sua conduta, isto é, o possível resultado era previsível, ele assume todas as conseqüências advindas da sua atitude negligente. Com certeza, não era o comportamento que teria adotado se fosse munido naquele instante de discernimento e prudência para a jogada, pois poderia ter uma ação ou providência que evitaria tal perigo a seu opositor. Falta-lhe moderação na conduta, onde ele expõe seu adversário a riscos desnecessários. Logo, sabendo do grau do risco envolvido, mesmo assim ele age acreditando que seja possível a realização de sua conduta sem prejuízo para seu adversário, suportando plenamente o resultado; isto é, ele age além da justa medida de prudência que a jogada requer. Atua com afoiteza ou precipitação na conduta.

Por outro lado, temos a “imprudência”, caracterizada pelo descuido, desatenção do atleta frente à jogada. Carece de reflexão, de ponderação sobre a conduta. Neste caso, observamos que a sua conduta era não querida por ele, isto é, foi acidental, casual. Houve um imprevisto. Aconteceu sem que houvesse sua intenção; uma conduta inesperada, que decorreu por acaso. Inexistiu planejamento. Estava fora de sua esfera de previsibilidade (imprevisível). Em suma, ele não acreditava que fosse acontecer, tratando-se então de uma conduta ocasional, fortuita, acidental. Percebe-se um comportamento que não se pode prever, ou seja, é a imprevisão do jogador em relação às conseqüências de seus atos ou ações. É algo que acontece rapidamente, em instantes, subitamente.

No entanto, no “uso de força excessiva” o jogador que se utilizar de uma entrada que ponha em perigo a integridade física de um adversário deverá ser punido pelo uso excessivo da força ou por jogo brusco grave, dependendo do caso concreto. Logo, concluímos que se trata de um esforço desmedido, exorbitante, imoderado. O jogador excede a justeza de sua conduta, transbordando os limites do bom senso, do razoável. Revela-se um grau de agressividade (violência), onde o atleta sabe plenamente de seu resultado desejável e assume totalmente a sua produção, não se importando da gravidade da lesão que poderá ocasionar. Logo, é evidente que o atleta tem o perfeito conhecimento do risco produzido, mas mesmo assim decide agir, ignorando-o. É de se notar, que nessa modalidade de infração as condutas praticadas pelos jogadores fogem totalmente aos padrões éticos normais exigidos pelas regras. É uma conduta desproporcional, grosseira; onde o vigor físico, a firmeza e potência são colocados desnecessariamente ao extremo na jogada. Temos aqui uma jogada considerada ríspida, de aversão física contra seu adversário no momento de disputa de bola. Ressalta-se que qualquer jogador que se aja sobre o adversário na disputa da bola, de frente, por detrás ou dos lados utilizando uma ou ambas as pernas, e colocando em perigo a integridade física do adversário, será culpado desta prática, sendo assim, rigorosamente punido.

Nesse ínterim, percebemos que as regras do jogo não ofertam a possibilidade de mensurar, avaliar ou graduar as ações dos atletas, tendo essa primordial função os árbitros; pois eles dispõem, dentro de campo e próximos aos atletas, além de “sentir o jogo”, de uma situação privilegiada para interpretar os lances e adequadamente punir ou não os jogadores.

Por fim, mesmo as entidades promovedoras do futebol (Fifa, CBF e Federações) se unindo para evitar e controlar a violência, são de vital importância que essa prevenção também seja abraçada por outros segmentos como Tribunais, mídia, dirigentes e comissão técnica das equipes. De igual modo, também é indispensável que essas instituições esportivas busquem incessantemente medidas para que os afrouxamentos emocionais proporcionados pelos esportes não sejam extrapolados, resultando em atitudes violentas ou agressivas.

Arrematando, impende destacar que o espírito esportivo - fair play (código de ética do esporte) deve ser sempre fomentado, pois sem ações pautadas na ética, moral e espírito esportivo, a sobrevivência do esporte como atividade humana estará ameaçada. Assim, a conservação dos valores éticos e morais do esporte é uma tarefa que envolve jovens, adolescentes, adultos, idosos, atletas, espectadores, dirigentes, técnicos, autoridades, patrocinadores, professores, etc. Deve haver o apoio irrestrito de todos que acreditam que o esporte possa ser uma atividade geradora de alegria, prazer e promoção das relações humanas, pois sem o fair play o esporte não acontece de forma verdadeira.

Bibliografia

FÉDERATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION. Regras do Jogo 2008/2009. Tradução CBF. Rio de Janeiro: 2008.

MURAD, Maurício. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Torcidas organizadas de futebol: violência e auto-afirmação: aspectos da construção das novas relações sociais. Taubaté: Vogal, 1997.

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Benê Lima