Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Thales Peterson, coordenador e treinador do FC Golden State
Treinador brasileiro explica as diferenças das relações sociais com o futebol nos EUA e no Brasil
Equipe Universidade do Futebol

Trabalhar no exterior, com certeza, é uma vontade de muitos profissionais brasileiros. Enfrentar desafios, superar e aprender com as diferenças culturais são algumas das metas daqueles que deixam o Brasil para tentarem atingir seus objetivos profissionais em outros países.

Um dos locais que oferece mais oportunidades de emprego para estrangeiros, entre eles, brasileiros ligados ao futebol, são os EUA. Pela ligação do país com o esporte, os profissionais brasileiros são muito bem recebidos.

“O sonho de qualquer menino brasileiro é de se tornar jogador profissional, ao passo que o sonho de qualquer menino americano é fazer uma Faculdade e ter um bom emprego, com alta remuneração financeira”, disse Thales Peterson, brasileiro que atua como “Director of Coaching”, responsável pela escolha e seleção de treinadores, no FC Golden State, clube da California, em entrevista exclusiva àUniversidade do Futebol. “Os americanos usam o futebol como meio para se obter uma vaga em uma boa universidade”, completou.

A partir dessa e de outras diferenças comentadas por Thales Peterson durante a entrevista, é possível se ter noção dos desafios que podem ser esperados por aqueles que pretendem trabalhar na formação do futebol nos EUA.

Além de apontar e opinar sobre o que há de distinto entre a modalidade nos EUA e no Brasil, o entrevistado também comentou sobre como os norte-americanos encaram o futebol (soccer), como as crianças e seus pais se relacionam com este esporte, quais são as diferenças da cultura esportiva nos EUA, como a modalidade está evoluindo no país, como é o seu trabalho no FC Golden State, qual é a ligação que a comunidade faz entre Brasil e futebol, e como é o mercado de trabalho para os profissionais brasileiros nos EUA.

Universidade do Futebol – Quem é o professor de Educação Física, treinador e coordenador de futebol Thales Peterson?
Thales Peterson –
Sou de Jundiaí, no interior de São Paulo, joguei nas categorias de base do Paulista em Jundiaí e do Bragantino em Bragança Paulista. Cheguei a jogar no Capivariano antes de ingressar na Faculdade.

Me formei em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física (ESEF) de Jundiaí, sou pós-graduado em futebol pela Universidade Federal de Viçosa (MG).

No ano de 2004, fui para os EUA com o sonho de me tornar treinador de futebol. Morei em Albuquerque no estado do Novo México, Miami no estado da Flórida e, agora, desde 2006, moro em Los Angeles, no estado da Califórnia.


Em 2004, Thales Peterson foi para os EUA com o sonho de se tornar treinador de futebol

Universidade do Futebol – Como é a experiência de trabalhar com futebol (soccer) nos Estados Unidos?
Thales Peterson –
Com certeza, é uma experiência riquíssima. Pude adquirir muitos conhecimentos vivendo fora do Brasil, aprendendo diferentes maneiras de enxergar o jogo devido à grande diversidade étnica que existe nos EUA. Há treinadores de diversos países como México, Colômbia, Argentina, Inglaterra, Holanda, Alemanha e do próprio EUA. Por meio de um rico intercâmbio de experiências, creio que pude aprender muito e enriquecer minha experiência profissional.

Universidade do Futebol – Como os norte-americanos (incluindo os hispânicos) veem este esporte que é pouco divulgado na grande mídia, mas que atrai pais e crianças (meninos e meninas) desde muito cedo?
Thales Peterson –
Realmente, o futebol atrai um grande número de crianças desde muito cedo, tendo equipes de sub-4 até o sub-19. Hoje em dia, estima-se que 20 milhões de americanos joguem o futebol, dos quais 78% têm menos do que 18 anos.

É um dos esportes mais populares do país até a idade de 15 anos, quando comparado com os grandes esportes (futebol americano, basquetebol, basebol e hóquei sobre o gelo). Atualmente, o futebol é o esporte mais popular entre as meninas, jogado em universidades.

Um dos fatores do maior crescimento do esporte foi com certeza a Copa do Mundo de 1994. Como parte do “leilão” feito para que a Copa do Mundo fosse realizada nos EUA, foi feito um plano de criação de uma liga de futebol profissional MLS (Major League Soccer) para desenvolver a modalidade no país, que teve sua criação no ano de 1996.


Estima-se que 20 milhões de americanos joguem o futebol, dos quais 78% têm menos do que 18 anos

Universidade do Futebol – O que difere, em sua opinião, a cultura esportiva dos norte-americanos em relação à cultura esportiva dos brasileiros?
Thales Peterson –
São culturas bastante diferentes. As ligas de esportes profissionais, por exemplo, do “Big Four” (os quatro grandes) = futebol americano, basquetebol, basebol e hóquei sobre o gelo – são consideradas as melhores do mundo, com os melhores jogadores, os maiores salários e uma grande quantia paga pela televisão. Ao passo que, o futebol “soccer” não é considerado uma liga de grande expressão, sem os altos salários dos outros esportes e sem grandes ídolos americanos.

A estrutura de treinamento e instalações também é algo diferente. Qualquer escola de ensino fundamental possui um campo, um ginásio, uma sala de ginástica, enfim, instalações adequadas à prática de qualquer esporte.

Universidade do Futebol – As crianças e adolescentes que praticam futebol (soccer) nos EUA pretendem, de forma geral, se tornar jogadores ou jogadoras profissionais?
Thales Peterson –
Este aspecto é fundamental para se entender a principal diferença entre Brasil e EUA em relação ao futebol. O sonho de qualquer menino brasileiro é de se tornar jogador profissional, ao passo que o sonho de qualquer menino americano é fazer uma Faculdade e ter um bom emprego, com alta remuneração financeira.

A partir desta ideia, podemos entender que os americanos usam o futebol como meio para se obter uma vaga em uma boa universidade. Se forem bons jogadores, conseguirão uma bolsa de estudos para ingressar em uma boa instituição de ensino e terão uma carreira de sucesso.


Os americanos usam o futebol como meio para se obter uma vaga em uma boa universidade

Universidade do Futebol – Qual é o papel dos pais na prática esportiva e, particularmente, do futebol nos EUA? Que diferenças existem em relação ao Brasil?
Thales Peterson –
Os pais têm papel fundamental na carreira esportiva dos filhos. O futebol nos EUA é pago, são clubes privados que oferecem os serviços e os pais desenbolsam quantias grandes para que os filhos possam ter a experiência necessária para, um dia, poderem jogar futebol por uma universidade. Muitos pais fazem um investimento na carreira futebolística do filho, investem o dinheiro na formação do atleta para que ele possa ganhar uma bolsa de estudo.

Os custos da universidade nos EUA são, em media, de US$20 mil por ano, podendo chegar a US$50 mil, nas grandes instituições. Isto faz com que os pais pensem que, se estão pagando, podem fazer o que quiserem. Muitas vezes, querem outro treinador para o seu filho, não estão contentes com o tempo que o filho está jogando, descontentes com os resultados. Nos EUA, não existe pressão da torcida, mas, em compensação, tem muita pressão por parte dos pais, que se acham no direito de reclamar, pois estão pagando para o filho jogar.

Universidade do Futebol – Como você vê o “espírito de competição” dos jovens norte-americanos? Eles praticam esporte para ganhar ou apenas praticam como um meio de educação, lazer e/ou saúde?
Thales Peterson –
Há casos diferentes, depende muito do nível em que as crianças estão jogando. Existe o menino que só joga, porque os pais obrigam, para que faça alguma atividade física; outro que está ali apenas e simplesmente para se divertir, não importando o resultado; e o caso mais comum do futebol competitivo, o que está ali apenas para competir e ganhar.

O futebol na região da Califórnia é muito competitivo. Para que se tenha uma noção, o estado é divido em norte e sul, com federações diferentes. O clube onde eu atuo faz parte da Federação do sul, com 10.300 equipes, 90.000 famílias, 130.000 jogadores, 30.000 técnicos, árbitros e funcionários. Baseado nestes números, dá para se ter uma noção da competitividade da área.

Então, os meninos e meninas, e principalmente os pais, estão muito voltados para o número de vitórias da equipe e não para o quanto cada criança está se desenvolvendo.


Jovens americanos, e principalmente os pais, estão mais preocupados com as vitórias do que quanto estão se desenvolvendo

Universidade do Futebol – O que você acha do futebol (soccer) profissional nos EUA, hoje em dia? Está ocorrendo uma evolução e incentivos para que se torne tão popular como em outros países?
Thales Peterson –
Hoje em dia, a MLS, Liga de Futebol Profissional dos EUA, possui 14 times, sendo um deles do Canadá. O plano de expansão é para se chegar a 18 equipes, em 2011.

Além da MLS existe também a USL (United Soccer League), que é uma coleção de cinco ligas, com nível um pouco inferior a MLS e da qual participam tanto homens, quanto mulheres e crianças. A USL é como se fosse a segunda divisão americana. Possui oito equipes dos EUA, duas do Canadá e uma de Porto Rico, com a programação da inclusão de mais duas equipes para a temporada de 2010.

A liga de futebol feminino passou por dificuldades e entre os anos de 2003 e 2008, chegando a ser cancelada. No ano de 2009, a liga foi recriada, com sete equipes e com expansão prevista para mais dois times na temporada de 2010. O futebol feminino norte-americano é uma das potências mundiais, com duas Copas do Mundo (1991 e 1999) e três medalhas olímpicas (1996, 2004 e 2008).

A contratação de astros como David Beckham, Cuahtemoc, Blanco e Denilson no masculino, e, entre outras, Marta, no feminino, fez com que a popularidade do futebol aumentasse muito. Mas ainda longe de ser comparada com outras ligas do “Big Four”.

O nível do jogo da MLS é bastante regular, as equipes jogam todas da mesma maneira, têm medo de cometerem erros, o que acaba forçando a jogarem de forma mais direta.

O futebol ainda não é tão profissional como em outros países. Por exemplo, a equipe do Galaxy, de Los Angeles, em que já tive a oportunidade de conhecer e trabalhar, não possui preparador físico específico para o futebol. Os jogadores são treinados por uma “empresa” que cuida da parte física da equipe.

Com certeza por ainda ser uma liga nova, há muito o que melhorar. Mas, tendo em vista o recente incremento do nível técnico da seleção, tanto masculina quanto feminina, creio que, em alguns anos, será uma liga muito competitiva.

Universidade do Futebol – Como é o seu trabalho no FC Golden State e a relação com a comunidade?
Thales Peterson –
O meu trabalho no Golden State começou há pouco mais de dois anos. Estava trabalhando em outro clube da região e fui abordado pelo presidente de uma agremiação de soccer, que, aliás, na época ainda não possuía nome, para começar um novo projeto, do zero.

Não havia ainda equipes formadas, treinadores, campos, enfim, seria iniciar um projeto a partir de um sonho. Como sempre, aceitei novos desafios na minha carreira, e me dispus a ser o coordenador do projeto. Criamos então o Golden State.

No nosso primeiro ano, tivemos 11 equipes, sendo oito de meninos e três de meninas. Destas, quatro foram promovidas a uma categoria de nível mais competitivo, para a temporada seguinte.

Este ano, é o nosso segundo ano de existência, temos 21 equipes, seis de meninas e 15 de meninos. Nossa temporada acabou há pouco, em novembro, e tivemos um ano de sucesso, com mais cinco equipes subindo para um nível mais competitivo.

O meu cargo no FC Golden State é de “Director of Coaching” (Diretor de Treinamento). Sou o responsável pela escolha e seleção de treinadores. Temos profissionais ingleses, americanos, mexicanos, franceses e brasileiros.

O trabalho com a comunidade é muito gratificante. Nessa região de Los Angeles, há muitos hispânicos, a maioria, com baixo poder aquisitivo. Um dos nossos projetos é tentar incluir todos os meninos e meninas que queiram jogar futebol, mas que não têm condições financeiras para participarem. Por meio do presidente que auxilia financeiramente os jogadores e jogadoras somos o clube que mais cresce na Califórnia.


Thales Peterson é o responsável pela escolha e seleção de treinadores do FC Golden State

Universidade do Futebol – O futebol brasileiro é referenciado e admirado nos EUA, ou a influência inglesa é ainda muito forte?
Thales Peterson –
Obviamente, por ter sido colonizado por ingleses, ainda há bastante influência, não só no esporte como também na cultura. Pela facilidade da língua e melhores condições de vida, há muitos ingleses que tentam a vida nos EUA.

Nos cargos de maior expressão, dentro da Federação Americana de Futebol, há muitos ingleses, o que faz com que eles ensinem mais ou menos “um jeito inglês” de jogar. A Premier League europeia é a liga mais popular nos EUA, por ser a que é televisionada em diversos canais de televisão. O campeonato da Série A do Brasil só pode ser visto por um canal de televisão fechada e os jogos passam aos domingo, às 22h.

Mas, em termos de seleção, com certeza a brasileira é a mais popular nos EUA. Os meninos e meninas conhecem todos os jogadores, sabem onde eles jogam, quanto ganham e tudo mais. O futebol europeu também é muito acompanhado por todos nos EUA, os jogos da Uefa Champions League são televisionados por diversos canais.

Universidade do Futebol – Como é o mercado de trabalho para profissionais do futebol brasileiro que queiram trabalhar nos EUA? Quais são os principais desafios e dificuldades a serem superados?
Thales Peterson –
O mercado de trabalho nos EUA é excelente, é a chamada “Land of Opportunity”, (Terra das Oportunidades). Apenas ao falar que é brasileiro, as pessoas já olham de uma forma diferente, todos pensam que por ser brasileiro, é “bom de bola”, e querem aprender o que o brasileiro tem de diferente do resto do mundo.

O futebol aqui ainda está começando, não se pode esperar altos salários como os pagos na Europa, por se tratar de futebol amador, mas a qualidade de vida é excepcional.

As principais barreiras para o trabalho nos EUA são, em primeiro lugar, a língua. Sem falar inglês fica difícil a comunicação, não apenas com os jogadores, mas também com os pais (os que mais pressionam e cobram resultados). Outra questão é a cultura. Há diferenças visíveis nas intenções sobre o futuro dos jogadores, ou seja, jogar como profissional ou pela Universidade. A comida tradicional norte-americana é bem diferente da brasileira, e o frio do inverno, com noites que começam às 16h, também são dificuldades a serem superadas.

Aos que pretendem trabalhar fora do Brasil, posso garantir que a experiência é incrível. Conhecer novas pessoas, atingir novas metas, alcançar novos objetivos são coisas que apenas a experiência nos ensina.

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Benê Lima