Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Em respeito ao dificílimo papel dos árbitros

Arbitragem, descontrole emocional, STJD e o profissionalismo no futebol brasileiro
Os tempos vividos hoje inspiram maior zelo e cautela por parte daqueles que fazem o futebol, e os que militam à frente de clubes não podem mais dar espaços para provas de amadorismo e retrocesso
Milton Jordão

Após mais um final de temporada no futebol brasileiro, algumas questões se põem como de primeira ordem a serem enfrentadas e revistas, para que, em 2010, possa se desempenhar um melhor papel.

Destaco dois temas que, nos últimos meses do Campeonato Brasileiro de futebol ganharam espaço na mídia nacional: arbitragem e imparcialidade dos julgadores das Cortes Desportivas.

Para melhor debatermos tais tópicos, me valerei de um fato ainda vivo em nossa memória para ilustrar minhas ideias. Recentemente, a mídia desportiva noticiou as firmes declarações do presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras, após realização de partida entre esta agremiação e o Fluminense Futebol Clube. Ali, o árbitro central, Carlos Eugênio Simon, cometera um equívoco – na visão do dirigente palmeirense – ao invalidar um gol. As agressões verbais e ameaças ao árbitro foram imediatas, irradiadas tão logo findo o certame. Inclusive, sobraram ofensas até para membros do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Pretendo aqui, caro e amigo leitor, explorar o alcance de tais fatos no cenário atual do futebol brasileiro. Apesar de distante - pois desconheço os autos -, acompanhei o ocorrido pelos noticiários escritos e televisados. Inclusive, gostaria de ressaltar que faço questão de escrever esta singela coluna desconhecendo por completo o resultado do julgamento do Sr. Belluzo pela 2ª Comissão Disciplinar do STJD.

O erro de arbitragem no futebol é um tema que não mais deveria ser discutido por nós, jusdesportitas. Falo isso porque cediço que a International Board tem plena consciência de que muitos dos equívocos confirmados nas partidas futebolísticas existem porque esse esporte limita a intervenção e inovação tecnológica. Dependemos quase que exclusivamente do ser humano (o que está fora do exclusivamente tributo na conta de inspiração divina). A imagem e outros recursos tecnológicos são privilégios dos telespectadores e jornalistas. Nunca do árbitro. Até mesmo depois, estes se veem temerosos de assumir erros e “pagar o pato” na Justiça Desportiva.

É interessante que o nível de responsabilidade dos árbitros de futebol cresce à medida que o desporto se organiza e vai se tornando mais lucrativo (p.ex.: um gol anulado injustamente ou um impedimento mal marcado pode, além da frustração da perda de um título tão perseguido, afastar o clube de torneios mais rentáveis e cotas de tevês e patrocínios interessantes). O que digo é que se lança sobre os ombros dos árbitros uma incrível responsabilidade, sem que se medite sobre suas reais capacidades de apitar o jogo livre de qualquer percalço. Sendo sinceros: devemos contar com eventuais erros, pois fazem parte do futebol.

No caso que fiz alusão, a S.E. Palmeiras, justamente, protestou de forma extremamente equivocada. Vi ali um torcedor em pele de dirigente. Curiosamente, me pus, com brevidade, a recordar que esse veemente protesto não se deu quando outros árbitros cometeram equívocos que beneficiaram o time paulista (p.ex.: no turno, no jogo Palmeiras x Vitória, a bandeirinha anulou gol legítimo dos baianos, agora, no returno, paira a dúvida se o árbitro da partida Palmeiras x Sport não teria acabado o certame antes do gol de empate do time de casa). Tudo não passou de choro, como se diz na gíria popular. Digo isso porque o presidente do Palmeiras agiu impulsionado pela emoção da partida, de ver a liderança (e talvez o próprio título) se afastar do Parque Antárctica. Isso é normal e compreensivo, para um mero torcedor.

Infelizmente, na condição de dirigente, portanto, submetido às regras de conduta fixadas pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, não poderia ter transgredido valores e preceitos que o impediam de praticar as ofensas desferidas contra o árbitro e um auditor do STJD. Em tempos de evolução das instituições desportivas, da consagração do respeito à legalidade e normas que disciplinam o esporte, onde não mais se admite facilidade e privilégios escancarados a clubes, não poderia o comandante maior de uma das mais tradicionais e importantes equipes do futebol nacional transmutar-se em mero torcedor. E pior, ainda hoje dizer que está correto e não mudará.

Não obstante a sua ira lançada contra o árbitro daquele jogo, fez algo mais gravoso. Disse que no STJD havia manejos de julgamentos para atender interesses de clubes. Desde que somos infantes e se inicia a tomar gosto pelo futebol, ouve-se falar do tal “tapetão”, ouve-se falar muito mal, como se as Cortes Desportivas fossem povoadas por profissionais despreparados e/ou mal intencionados. O comentário indevido feito pelo presidente do Palmeiras, mais uma vez, se posta na contramão da nossa história de evolução e crescimento do futebol profissional.

O CBJD estabelece que qualquer fato proibido, tipificado como conduta vedada, poderá ser comunicado ao próprio Tribunal mediante queixa. O Palmeiras, a princípio ciente de fato negativo, deveria fazer chegar a conhecimento do Presidente do STJD, para apuração e adoção das medidas necessárias. Porém, nunca o fez. Somente, repito, após perder a liderança, lançaram-se sombras sobre a idoneidade de um auditor, e por quê?

Porque o Palmeiras perdeu a liderança. E mais, diga-se que o silêncio é demonstração de omissão. Conduta imperdoável, também. Além disso, dormientibus non succurrit jus¹.

Uma breve viagem nas páginas do Youtube.com nos remete um curto vídeo onde o Dr. Rodrigo Fux, membro da 4ª Comissão Disciplinar, faz um comentário, em nítido tom jocoso, externando sua preferência clubística, lamentando que o atleta Vagner Love não tivesse integrado o elenco do Flamengo.

Curioso notar que o referido atleta ri, juntamente com outros presentes, quando ouve o Dr. Rodrigo Fux se manifestar. Tudo não passou de comentário sem qualquer nexo com a causa que julgaria. Não tenho procuração, nem conheço o aludido auditor; contudo, é lamentável que tenha sido envolvido, nesta vociferação típica de um torcedor.

http://www.youtube.com/watch?v=K9lwm-usqAM

Todo e qualquer membro de TJD torce por algum time. E, julgará um dia seu time, o craque que admira, condenará e absolverá, a prática forense desportiva me autoriza fazer esta afirmação. É fato inequívoco. Querer aviltar a honra alheia dizendo haver tergiversado no mister porque revelou time do coração é ultrapassar os limites estabelecidos no CBJD. Cito ainda que a própria Lei Pelé permite que Conselheiros de agremiações desportivas integrem Tribunais de Justiça Desportiva. Além disso, deitando olhos nas imagens e no áudio, em nada se assemelha com ameaças ou declaração que fira os preceitos éticos que balizam a atuação do julgador, a conduta do dito auditor.

Repiso: o torcedor falou e bem alto. Um dirigente não pode se imiscuir ao ponto de lançar tamanha ofensa à honra de alguém. Tenho a convicção de que o presidente Belluzzo merecia uma condenação, não por ter ofendido um auditor ou árbitro ou um revanchismo; mas, por promover mais uma cena que nos remete a um passado de amadorismo e total ausência de credibilidade das instituições do futebol, entre elas a Justiça Desportiva. A pena deve ter um final pedagógico e não servir como mera retribuição.

Os tempos vividos hoje inspiram maior zelo e cautela por parte daqueles que fazem o futebol. Cada vez mais, o esporte se sedimenta como um rentável ramo de negócios e como tal as paixões passam a ser reservadas aos torcedores. Os que militam à frente de clubes, nos órgãos da administração do desporto e no judiciário desportivo não podem mais dar espaços para provas de amadorismo e retrocesso.

O profissionalismo do futebol brasileiro se impõe como forma de elevar o Brasil à condição de grande centro, corrigir a distorção que enfrentamos de sermos o maior ganhador de títulos mundiais; porém, permaneceremos ainda como periferia para clubes europeus, asiáticos, mexicanos, que nas janelas levam os bons jogadores que aqui são produzidos.

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¹ O direito não socorre aos que dormem

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Benê Lima