Oliver Seitz
Eu achei que o assunto tinha morrido.
De verdade. Mas me enganei profundamente.
É o tipo de assunto que não morre.
Fica, no máximo, colocado no cantinho. Quieto. Escondidinho.
Até que aparece alguma coisa que o coloca de novo sob os holofotes.
A tal da bendita carteirinha de identificação do torcedor.
Eu, sinceramente, não entendo porque algumas pessoas gostam tanto de uma carteirinha.
Confesso que não sou muito chegado. E olha que tenho muitas carteirinhas, entre outros documentos.
Identidade, CPF, habilitação, carteira de trabalho, passaporte, plano de saúde, academia, supermercado, universidade, hostels, banco, clube, jornal e por aí vai.
Tudo pra provar que eu sou eu mesmo.
Como se ninguém acreditasse nisso.
Pressupõe-se, assim, que estou mentindo quando digo que eu sou eu mesmo. Porque talvez eu não seja.
Shakespeare daria piruetas filosóficas.
Como já escrevi por aqui, naquela que deve ter sido a minha coluna mais pop de todos os tempos, já que foi publicada pelo Juca Kfouri e me levou a dar uma entrevista para o Diário de Pernambuco, a ideia da carteirinha de torcedor foi rejeitada na Inglaterra.
Dias atrás, foi rejeitada na Itália.
E jurava que tinha sido rejeitada no Brasil.
Mas não foi.
O projeto continua.
Ainda que outros países não tenham adotado a ideia e que os próprios clubes brasileiros já tenham se posicionado contra.
Mas são coisas do Estado Brasileiro.
Que, na realidade, não dá “lhufas” de importância para a opinião da sociedade.
É, na verdade, uma medida populista.
Uma resposta política que se dá a uma população alarmada por uma ocorrência de violência dentro do estádio.
Como o Estado não sabe o que fazer, ele sugere o cadastramento.
Como se isso fosse a solução para alguma coisa.
É como quando um secretário de segurança anuncia que a principal medida para acabar com a violência é acabar com a torcida organizada. E só.
Como fizeram as autoridades paulistas nos anos 1990. Como fizeram outras tantas autoridades no mundo inteiro, desde que as torcidas organizadas tomaram o formato atual, nos anos 1970 e 1980.
Com fez o Secretário de Segurança do Estado do Paraná, dias atrás, para dar uma resposta imediata à sociedade curitibana, em polvorosa após os graves incidentes do jogo que decretou o rebaixamento do Coritiba.
Ao mesmo tempo, a Câmara de Vereadores votou a favor de um projeto municipal de cadastramento de torcedores.
Parece um script de resposta a acidentes em estádio: carteirinha e acabar com torcida organizada.
O empirismo mostra a eficácia das medidas.
A proposta dos vereadores curitibanos foi quase aprovada em unanimidade na primeira votação. Um único vereador, Professor Galdino, votou contra. Seu argumento contra a proposta foi a não concordância com o estabelecimento de um “Estado policialesco de violência do cidadão”. Um argumento exemplar.
Como também foi exemplar a postura das polícias e da mídia paranaense.
Que identificaram e repercutiram de modo incessante a prisão de 18 dos envolvidos na confusão.
O que mostra que é possível identificar, julgar e prender aqueles que tomaram parte do confronto.
Sem que, para isso, seja preciso você portar mais uma carteirinha.
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Benê Lima