Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, novembro 01, 2010

Messi x Maradona e as mudanças que a globalização trouxe para o futebol

A diferença reside menos na qualidade técnica do que na relação de identidade nacional mantida com as cores da Argentina e com a paixão do torcedor
Lucas Nery

O argentino Lionel Messi acaba de se sagrar o melhor jogador do mundo, durante o ano de 2009. Prêmio mais do que merecido, conferido pela Fifa, ao jogador mais brilhante e regular de toda a temporada, cujo talento pôde ser comprovado na prática, pelas grandes conquistas do Barcelona, indubitavelmente o clube mais organizado e melhor estruturado, tanto do ponto de vista político quanto gerencial, na atual era do futebol profissional e competitivo.

Em que pese o brilho e o talento do jovem fenômeno argentino, já faz um bom tempo que Messi é alvo de críticas por parte da mídia especializada da Argentina e do resto do mundo. Isso se deve ao fato dele não conseguir, pela seleção da Argentina, sequer chegar próximo da atuação bem acima da média que atinge pelo Barcelona. Dentre os inúmeros argumentos utilizados para avaliar a performance de Messi pela seleção, não faltam aqueles que não cansam de compará-lo com Don Diego Armando Maradona.

Pode-se e, com razão, alegar que o selecionado argentino passa por uma grave crise de identidade. Justo no momento em que é treinado pelo próprio Maradona, ídolo esportivo com status de Papa na Argentina. É verdade que o time de Maradona mais se assemelha a um bando de jogadores, sem esquema tático definido, falta de articulação de jogadas, jogadores desentrosados. Independente de todos os problemas é fato também que um atleta diferenciado do porte de Messi tem plenas condições de render mais pela Argentina do que vem fazendo. O craque deve ter a capacidade de chamar a responsabilidade para si, aparecer nos momentos mais difíceis e demonstrar poder de decisão. O jogador do Barcelona faz tudo isso e mais um pouco. Já o Messi da Argentina ainda está devendo, algo que fica patente pela forma dramática como a seleção conquistou a vaga para a Copa 2010, na última rodada. Classificação merecida mais pela tradição que pelo futebol jogado.

Confronto de gerações 

Messi é jovem, tem só 22 anos e uma carreira inteira pela frente. Significa que ele poderá ainda dar muitas alegrias ao povo argentino, liderando a seleção para a conquista de importantes torneios. Mas o que está em jogo quando se traça uma comparação Messi x Maradona, não está necessariamente vinculado à esfera esportiva. El Pibe de Oro é o maior jogador da história argentina. Isto é indiscutível. Nem os argentinos estão dispostos a ceder a Messi o posto de eterno Diez nacional. O mais importante nessa confrontação é estabelecer um paralelo entre gerações de atletas profissionais e mostrar como cada época, com seus costumes e valores extra campo, influencia a qualidade do futebol apresentado nos gramados.

Messi e Maradona estão separados por pelo menos três gerações. Muita coisa mudou nesse intervalo, tendo como pano de fundo o avanço da globalização política e econômica. O futebol foi uma das atividades que mais sentiram os efeitos da liberalização dos mercados e da desregulamentação das economias nacionais. Isso levou a um superaquecimento do comércio internacional, com interferências diretas em mercados específicos, como o do futebol. Os clubes europeus estão na liderança do processo de profissionalização da gestão do esporte, traduzida em planejamentos de longo prazo, elaboração de planos anuais de geração de receita e celebração de contratos de alta monta financeira para formar equipes fortes e competitivas. Clubes de longa tradição e torcida são os que atraem mais investimentos, patrocínios e cotas de transmissão e, por isso, são vitais à sobrevivência das ligas de seus países. É o que ocorre com Barcelona e Real Madrid na Espanha, por exemplo.

O Barça “adotou” Messi em 2000, quando ele possuía tão apenas 13 anos de idade. Pelo clube catalão, fez sua estreia como profissional aos 17 anos, em 2004. No ano seguinte ganhou a cidadania espanhola, passando a ter dupla nacionalidade e, assim, estar apto a integrar o clube catalão por sucessivas temporadas. De acordo com estudo levantado pelo portal Futebol Finance(www.futebolfinance.com), dedicado à análise sobre economia e finanças do futebol, Lionel Messi foi o terceiro jogador mais bem pago do mundo, durante a temporada 2008/2009, com um salário mensal de 700 mil euros, equivalente a 8,4 milhões de euros ao ano. Em setembro último, o Barcelona anunciou a prorrogação do contrato trabalhista de Messi até 2016, com multa de rescisão estipulada no valor de 250 milhões de euros.

O Barcelona investiu na formação de Messi como pessoa e jogador, elevando-o à categoria profissional. Tudo o que ele é hoje no futebol, deve aos dirigentes do clube azul e grená. Por seu turno, todo o investimento feito ao longo de anos de preparação e de condicionamento do atleta ao elenco e ao estilo do time está agora sendo recompensado, pelos seis títulos conquistados na última temporada, com participação decisiva de Messi em todos eles. O argentino é ídolo dos amantes do bom futebol, ídolo da fanática torcida barcelonesa, mas ainda está em débito com a massa argentina. A apaixonada torcida alviceleste, que venera as cores da bandeira nacional e vibrou efusivamente no passado com equipes lideradas por craques como Di Stéfano e Maradona. O primeiro foi um autêntico “cigano” do futebol, pois além da Argentina, jogou pelas seleções da Colômbia e da Espanha. Já Don Diego dispensa maiores comentários – fez história no Napoli e na Argentina.

Amor à camisa

Craques ou não, a verdade é que os jogadores do passado entravam em campo para lutar pela honra e pela história de seus países, em jogos de competições oficiais, como Copa do Mundo, Copa América ou Euro Copa. Eles jogavam com mais amor e garra quando estavam vestindo o manto da seleção de seus países que quando atuando pelos clubes ao qual estavam vinculados juridicamente. Afinal, todo jogador profissional ambiciona um dia poder servir seu país e disputar uma Copa do Mundo. Essa relação não tem preço; vestir a camisa de uma seleção nacional é a maior vitrine que se projeta para o legado profissional de um jogador.

Infelizmente, a globalização financeira que assaltou o futebol mundial tem causado uma perda progressiva dos laços afetivos e de união do jogador de alto nível com a tarefa de representar as cores e a história de seus países. Os torcedores argentinos têm motivos para contestar as pouco inspiradas exibições de Messi na seleção. Daí ser natural a lembrança nostálgica dos tempos de Maradona. Com todos os erros que cometeu ao longo da carreira, El Diez foi fundamental para resgatar e manter aceso o orgulho nacional pelo futebol platino. Com a seleção, foi um líder em campo, capitão por vários anos, vindo a conquistar praticamente sozinho uma Copa, em 1986, com lances antológicos, que certamente ficarão eternizados como a melhor atuação individual da história das Copas.

Globalização e relação profissional jogador-clube 

Messi, assim como Kaká, Robinho, Cristiano Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e vários outros são cedidos por seus times para jogar por suas seleções, sob a ressalva de terem de reintegrar a equipe dentro de um prazo exíguo de tempo. A burocracia esbarra na má vontade dos agentes de jogadores, patrocinadores e dirigentes, que não querem ver seus atletas se contundirem. Ou seja, o jogador já entra em campo preocupado em retornar o mais rápido possível para ajudar seu clube na disputa da liga nacional. Essa relação expressa um absurdo paradoxo, marca do futebol moderno: o protagonismo excessivo dos clubes europeus sobre as seleções nacionais.

Esse processo, que parece inevitável sob uma ótica exclusivamente financeira, tem gerado uma perda de referências positivas por parte dos aficionados torcedores nacionais. Retrato disso pode ser percebido aqui mesmo no Brasil. A seleção treinada por Dunga atravessou boa parte das eliminatórias desacreditada pela torcida canarinho. Torcedores visivelmente desinteressados, que não sabiam como torcer ou mesmo se deveriam gastar suas energias assistindo às partidas, pois duvidavam do real comprometimento dos atletas com a seleção. A situação evoluiu positivamente no decorrer de 2009, em boa parte graças aos esforços da dupla Dunga - Jorginho, tetracampeões em 1994, frutos de uma geração que compreendia perfeitamente o significado da expressão coração no “bico” da chuteira.

O futebol sempre foi marcado por transações comerciais, que hoje se desenvolvem em escala interplanetária. A ênfase dos negócios na atualidade tem sua razão de ser, pois reflete uma tendência mundial de organização dos clubes enquanto empresas, geridas como entidades privadas e que devem se adequar aos moldes do mercado, com planejamento, direção profissional e sistema de prestação de contas aos torcedores e às empresas responsáveis por aportes financeiros.

O futebol mercantil, incrementado pelas novas tecnologias e novas estratégias do marketing, fizeram de jogadores como Messi, Kaká e Cristiano Ronaldo cidadãos globalizados. A menor permanência desses atletas em seus países de origem, o pouco contato com os torcedores, tudo isso é reflexo do esfriamento das relações sociais modernas, em que dinheiro e publicidade na TV valem mais que a construção voluntária de relações humanas, ricas em conteúdo e mensagens de exemplo a serem seguidas pelos jovens.

Reforça-se aqui que Messi ainda tem um futuro brilhante pela frente, com totais condições de proporcionar alegrias ao povo argentino, como outrora o fez Maradona, guardada as devidas proporções e diferença técnica entre os dois. O intrigante hoje é perquirir por que razoes os jogadores se apegam obsessivamente às suas carreiras, desdenhando muitas vezes da insuperável experiência de vestir as cores e o escudo de seus países de origem.

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Benê Lima