Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, dezembro 25, 2010

Estudos táticos: A realidade da pressão defensiva

Áreas onde uma equipe decide começar sua defesa irão variar durante todo o jogo dependendo de vários indicadores táticos e do adversário em questão
Christian Lavers*

O jogo moderno tornou-se cada vez mais limitado quando se trata de espaço e tempo. A combinação de novas metodologias de treinamento, junto com o aumento dos recursos dedicados aos jogadores e a melhor compreensão da fisiologia humana, tem ajudado os atletas a tornarem-se maiores, mais rápidos e mais fortes do que nunca. Um dos resultados dessas melhorias foi, por exemplo, o desenvolvimento da cobertura das jogadas dentro de campo. Agora elas são executadas com mais velocidade e com a aplicação de uma pressão maior no adversário por períodos mais longos.

Diante disso, não é surpreendente que uma esmagadora porcentagem de gols seja marcada após três passes ou menos. Esta estatística sublinha a vantagem óbvia de uma equipe capaz de manter a posse de bola regularmente. Combinando estes fatos, torna-se claro que, no futebol moderno, é quase uma obrigação que os jogadores e os times sejam capazes de aplicar uma pressão defensiva em seu adversário, a fim de alcançar seu objetivo.

O artigo visa explicar alguns dos princípios básicos necessários para se aplicar a pressão defensiva e também revelar os momentos em que ela se torna mais eficaz.


O mito da “baixa” pressão defensiva

Ao se discutirem táticas defensivas, é importante diferenciar o que é comumente chamado de "alta pressão" e o que é comumente chamado de "baixa pressão" defensiva. De muitas maneiras, essas referências são enganosas, porque o primeiro passo de uma boa defesa em qualquer esquema tático é aplicar bem a pressão sobre a bola. Dentro desse princípio, a pressão poderia ser definida como uma presença defensiva perto o suficiente para que o jogador possa: (i) forçar o atacante a prestar atenção na proteção da bola, (ii) eliminar a possibilidade de um ataque perigoso, especialmente de um lançamento, e (iii) permitir ao defensor a oportunidade de ganhar a posse da bola após o primeiro erro técnico por parte do atacante. Com esta definição, fica claro que a pressão defensiva é boa o suficiente para cumprir os objetivos acima, ou não. Em outras palavras, "baixa pressão" é um paradoxo; baixa pressão é igual a nenhuma pressão. Como tal, precisamos de um outro quadro de referência para discutir as diferenças nestes esquemas táticos.

Ao descrever a diferença entre "alta" ou "baixa" pressão defensiva, é mais preciso discutir a localização da linha de confronto defensiva da equipe. A linha de confronto é onde a equipe de defesa começa a aplicar pressão sobre a bola, ou em outras palavras: a área do campo onde a equipe começa de fato a defender. Em geral, as equipes que jogam com uma pressão "baixa" geralmente começam a defender próximo ao meio-campo. Um time que atua desta maneira geralmente admite ao atacante 37 metros do campo, preferindo não dar um passo à frente e colocar em risco seu posicionamento nesta área. Por outro lado, as equipes que jogam com uma pressão “alta" começam a defender muito mais cedo no campo.

Em níveis mais altos, o esquema defensivo utilizado durante o decorrer de um jogo varia constantemente, bem como a localização da linha de confronto, que muitas vezes muda com base em uma variedade de fatores. Assim, quando um time está acostumado com os diferentes estilos de marcação, acaba jogando com uma linha de confronto móvel, variando de acordo com sua vontade.



 

A linha de confronto

A linha de confronto definida por uma equipe pode ser visualizada mais claramente quando o adversário mantém a posse da bola em sua própria defesa, com tempo e espaço para jogar. Neste ponto, a equipe que defende pode tentar aplicar imediatamente a pressão sobre a bola, ou pode recuar à área onde a linha de confronto foi definida. Esta decisão pode ser baseada em muitos fatores: (i) o placar e o tempo restante do jogo (o time vencedor, caso esteja nos minutos finais da partida, normalmente acaba recuando para evitar o excesso de espaços em seu campo de defesa, facilitando assim a marcação); (ii) o campo e as condições meteorológicas (vento forte ou gramado ruim podem incitar o oponente a aplicar uma pressão maior em campo); ou (iii) a preparação física e a técnica de cada elenco (a equipe fisicamente mais preparada pode aplicar uma pressão maior, pois sua velocidade reduz as preocupações sobre os espaços atrás da defesa).

A localização da linha de confronto é relativamente independente da formação tática. Embora geralmente em um time com maior número de atacantes os meias costumem marcar mais avançados, nem sempre é esse o caso. Por exemplo, no 4-3-3, onde os alas são recuados para defender, mas procuram explorar o contra-ataque criando mais oportunidades. Da mesma forma, uma equipe com dois atacantes pode jogar com uma linha de confronto mais à frente do que uma com três jogadores de frente. Isso caso os meio-campistas sejam agressivos no posicionamento defensivo e na tomada de decisão.

Enquanto a linha de confronto “típica” pode ser decidida pelo treinador momentos antes do jogo, a qualidade defensiva da equipe pode ser parcialmente medida pelo número de momentos em que é capaz de ler sinais no jogo e jogar com um linha do confronto mais avançada, explorando assim as oportunidades para ganhar a posse da bola e aproveitar as chances para criar mais jogadas de gol.


Momentos para se aplicar a “alta” pressão

Mesmo que esteja determinado que a equipe vá jogar com uma linha de confronto relativamente avançada, em um jogo de 90 minutos com um campo 120 metros por 80 metros, é impossível que os jogadores de defesa mantenham este sistema o tempo todo. Assim, os atletas precisam selecionar os momentos certos para se defender com uma linha de confronto avançada, ou até para recuar e aplicar uma marcação somente em seu campo de defesa.

Estas decisões determinam quando a marcação ocorrerá nas áreas de ataque do campo, e em quais espaços dele, uma vez que a bola entra, a equipe tentará recuperar a posse da bola. A maneira pela qual essas decisões são feitas no jogo dirá se a equipe está aplicando os regimes de "alta” ou “baixa’ pressão defensiva.

Existem algumas dicas que ajudam a perceber quando a “alta” pressão é aconselhável,

1) Jogadores tecnicamente inferiores com a posse de bola

Uma equipe pode identificar os jogadores adversários com um nível mais baixo de capacidade técnica, que são, portanto, propensos a falhar, e assim aplicar pressão sobre estes sempre que estão com a posse. Quando esses atletas recebem a bola, ou melhor, quando a bola está viajando para esses jogadores, a defesa pode avançar para forçar.

Ocasionalmente, pode-se adotar até uma forma de defesa que incentive o oponente a tocar a bola para esses jogadores fracos, permitindo que se aplique uma marcação intensiva sobre eles. Por exemplo, se o lateral-direito adversário é tecnicamente ruim, a equipe pode focar a marcação no lado oposto do campo, forçando assim o passe para o lado mais livre, onde o referido atleta se posiciona.

2) Passes longos sem precisão

Passes longos sem precisão (os chamados “chutões”) oferecem oportunidades para que a equipe defensiva avance no campo e consiga cercar o jogador que receber o passe. Este conceito ilustra por que os passes precisos são mais eficazes e mais seguros; eles dificultam que o time adversário consiga encurralar o jogador (um passe preciso para trás fornece mais tempo e espaço para que o jogador lide com a pressão, e se efetuado para frente, “vença” a defesa adversária tirando-a da jogada).

Quando os passes longos sem precisão são usados, os zagueiros podem realizar com mais facilidade uma pressão sobre o receptor (impedindo-o que ataque) e, em seguida, cercar o jogador dificultando suas opções de passe. Quanto mais longo for e, portanto, quanto mais tempo leve para a bola chegar, mais fácil é para que a equipe defensiva avance no campo e jogue com uma “alta” linha de confronto.



 

3) Bolas atrás da defesa

Bolas jogadas por trás da linha de defesa é o sinal mais comum para que as equipes joguem com uma linha de confronto avançada. Sempre que defensores são obrigados a virar e ficar de frente para sua própria meta, há uma oportunidade para que os defensores avancem e dificultem o ataque adversário. Quando os times tiram proveito dessa situação, eles geralmente: (i) forçam o oponente a perder a posse de bola; (ii) forçam a recuar para o goleiro, que frequentemente rifa a bola, perdendo sua posse (iii) forçam um erro que venha a criar uma oportunidade imediata de gol. Em geral, quando os defensores não são obrigados a virar para seu próprio gol, ou quando não recebem pressão em seu campo, existe uma grande dificuldade para se marcar gols.

4) Momentos de transição

É frequentemente muito bem sucedida a defesa de alta pressão imediatamente após a perda da posse de bola. Muitas vezes, o jogador que ganha a bola já se encontra num espaço apertado, com poucas opções de suporte. Se a equipe que perde a posse exerce imediatamente uma pressão sobre a bola e traz rapidamente jogadores adicionais para este espaço defensivo, há uma chance muito maior de se recuperar rapidamente a posse. No entanto, se o oponente for bem-sucedido e encontrar rapidamente um jogador com tempo e espaço, esta medida passa a ser ineficiente ou ineficaz.

5) Zonas de Alta Pressão

Muitas vezes há áreas do campo onde a equipe defensiva tenta incentivar o adversário a jogar a bola, com o objetivo de esgotar as posibilidades de jogadas em números de jogadores, isto é, assim que entram nessas áreas. Por exemplo, quando a bola é tocada em espaços amplos no meio-campo, os marcadores podem trabalhar arduamente para bloquear a bola contra a linha lateral, eliminando a possibilidade de se alternar o lado e trazendo vários defensores para o espaço, buscando uma vantagem numérica. Da mesma forma, o espaço à frente dos zagueiros centrais e atrás dos meias centrais é muitas vezes uma área que imediatamente fica espremida por vários jogadores quando a bola entra nesta zona de campo.

Contudo, ao mesmo tempo em que estas situações não são apenas os únicos momentos onde jogar com uma linha de alto confronto é correto, certamente elas constituem as mais frequentes jogadas onde a defesa de alta pressão é suscetível a ter sucesso.


Requisitos para se jogar com a “alta” linha de confronto

Existem três requisitos principais para se jogar com uma linha de confronto avançada: (i) um elevado nível de aptidão e capacidade atlética; (ii) um alto grau de coordenação e comunicação no campo; e (iii) uma mentalidade de equipe agressiva e positiva.

1) Fitness e capacidade atlética

A necessidade de ajustar os jogadores com boa velocidade e agilidade é notável quando se joga com uma linha de alta confrontação. Um time sem ambas qualidades, ou vai cansar rapidamente (i) e ficar exposto em espaços maiores quando a equipe torna-se mais esticada, ou ficar constantemente em situações numericamente inferiores (ii) por causa de uma incapacidade individual de cobrir a distância rápido o suficiente para limitar a os atacantes em suas opções de jogadas. Assim sendo, a decisão de jogar com uma “alta” linha de confronto terá de ser considerada ao determinar os componentes de fitness, de formação do treinamento e na avaliação da relativa capacidade atlética de sua equipe e do adversário.

2) Coordenação e comunicação

Há uma enorme diferença entre uma defesa inteligente e organizada numa alta linha de confronto e o "caos organizado". Infelizmente, em times de níveis mais baixos, particularmente nas equipes de base e futebol de colégios, defender com uma linha de confronto “alta” é, na realidade, uma tentativa de simplesmente criar o caos no campo.

A capacidade de fazer repetidas e várias substituições para manter os jogadores "poupados" e a falha frequente na execução técnica dos jogadores na posse de bola, permite que as equipes de nível inferior persigam a bola por todo o campo na tentativa de forçar erros, mantendo-se confiantes de que, mesmo tendo uma forma defensiva pobre, o adversário raramente será capaz de se salvar. Este método de defesa ensina muito pouco taticamente para os jogadores e falha para prepará-los contra um qualificado e organizado oponente jogando sob as regras de substituição da Fifa. Desta maneira, esta é muitas vezes uma "solução rápida" para maximizar a chance de ganhar jogos com pouca preocupação com o desenvolvimento do jogador em longo prazo.

Em contrapartida, a defesa inteligente e organizada numa alta linha de confrontação requer um alto grau de comunicação e coordenação entre os jogadores no campo e entre as diferentes linhas no campo (atrás, no meio-campo e à frente). Em primeiro lugar, é importante que as equipes não se defendam com um "jogador isolado", que trabalha duro para pressionar a bola sem qualquer outra cobertura defensiva ou suporte. Sem apoio, esse marcador estará rapidamente fora do jogo, deixando seu time com menos jogadores com os quais possa se defender. Para garantir a capacidade defensivamente de cercar a bola, a equipe deve sempre se defender em conjunto – com vários jogadores à frente ou vários jogadores recuados.

Em segundo lugar, a linha defensiva deve estar muito consciente da qualidade da pressão sobre a bola ao determinar quando e como avançar no campo e comprimir o espaço. Se a linha defensiva avançar muito cedo, seu time ficará vulnerável à jogadas por trás deles. Se a linha defensiva atrasar sua subida vai deixar muito espaço para o meio-campo se defender e permitirá que o adversário possa quebrar a pressão inicial com rápida combinação de jogadas. No desempenho desta técnica, o formato vai se assemelhar a um acordeão. Quando a pressão é aplicada, primeiro os jogadores de ataque avançam pressionando e eliminando as opções de penetração. Em segundo lugar, a linha de trás comprime o espaço quando a possibilidade de ataque é eliminada. Executar este movimento exige jogadores que possuam visão tática do jogo e que constantemente se comuniquem com os outros.



 

3) Mentalidade

Finalmente, defendendo com uma ‘alta” linha de confronto exige que os jogadores tenham uma mentalidade agressiva e confiante. Devido às exigências físicas desta tática defensiva, os jogadores devem ter a coragem mental para fazer o trabalho necessário, cobrindo distâncias em toda a duração do jogo. Da mesma forma, os jogadores devem ter um alto grau de confiança em suas habilidades de defesa individuais – já que vai estar tentando repetidamente enfrentar adversários nas áreas avançadas do campo. E, o mais importante: os jogadores devem ter a vontade de jogar dessa maneira baseada na crença de que eles serão bem sucedidos em fazê-lo.

Dúvidas ou falta de confiança serão visíveis em jogadores que são lentos para tomar decisões de avançar, ou que pressionem sem a garra mínima necessária (muito longe do atacante para ter impacto). Estes erros farão com que toda a equipe se torne vulnerável.

Conclusão

Na realidade, nenhuma equipe joga apenas com uma linha “alta” de confronto ou com uma linha “baixa” de confronto. As áreas onde uma equipe decide começar sua defesa irão variar durante todo o jogo dependendo de vários indicadores táticos (conforme descrito acima) e certamente irão variar de jogo para jogo com base no adversário e outras situações. Cada equipe deve ter a capacidade de avançar e jogar com uma linha de confronto avançada para maximizar as oportunidades de gols. No entanto, com um treinador responsável por desenvolver os jogadores individualmente, particularmente com categorias de base e jogadores de colégios, é importante ensinar este conceito de uma forma que seja traduzida para o jogo "real" em nível nacional – não de uma forma que simplesmente capitalize as regras bizarras de substituição ou a técnica medíocre de um adversário jovem e em formação. 

*Contribuição da revista Soccer Coaching International – www.soccercoachinginternational.com

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Benê Lima