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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Vilão, calendário nacional restrito se reflete em menos treinamentos, mais lesões e ‘pobreza’ de espetáculo

Especialistas das áreas técnica, médica e fisiológica concordam que esgotamento de datas promove prejuízos à gestão do futebol

Artur Capuani e Bruno Camarão

Além do sorriso pela conquista recente do Campeonato Brasileiro à frente do comando técnico do Fluminense, o treinador Muricy Ramalho apresentava uma expressão de esgotamento em seu rosto. Certamente um reflexo da série de rodadas decisivas encaradas, especialmente, na reta final da principal disputa nacional.

Além dos atletas, protagonistas do “espetáculo”, aquele que tem a responsabilidade de chefiar uma comissão técnica e gerir diversos profissionais envolvidos com uma temporada de futebol sente na pele o aperto sinalizado pelo atual calendário nacional. Não à toa, o modelo administrativo das competições nacionais foi colocado em xeque durante a sétima edição do Footecon, que está sendo realizado no Rio de Janeiro.

“Não é reclamação, não é para o lado do Fluminense. Eu estou falando pelo lado de todos os treinadores e de todos os clubes do Brasil. Nós estamos machucando os nossos atletas e nós temos que dar um jeito nisso. Eu acho que é o resultado do calendário, do excesso de jogos seguidos. Tem que dar um tempo para o jogador recuperar e treinar. Aqui a gente não treina”, desabafou o maior vencedor da era dos pontos corridos.

E Muricy possui atestado para efetuar esse apontamento. Diversas contratações realizadas pela direção tricolor carioca, a pedido do treinador, não apresentaram uma relação de custo/benefício tão positiva. Os atacantes Emerson e Fred, por exemplo, encararam uma série de lesões – basicamente, a dupla de frente titular durante o BR-10 foi Rodriguinho e Washington. Mesma situação de Belletti e Deco, pouco ativos dentro das quatro linhas.

“O campeonato é pesado, é muito longo, é dia-a-dia e oscila demais. As pessoas oscilam demais, os dirigentes também. Às vezes, eles não têm convicção do que estão fazendo. Contratam um técnico e não sabem quem estão contratando...”, criticou Muricy, colocando as lesões como fator de prejuízo número um no planejamento estratégico dos departamentos de futebol.

“Eu quero saber o porquê estão acontecendo tantas lesões. A gente vem jogando quarta e sábado. Tudo é o lado científico da coisa. Para se ter ideia, faltavam quatro rodadas para o fim do Campeonato Brasileiro e nós tivemos o dobro de contusões do ano passado, então alguma coisa está errada. E a gente não tem como fora do país dois ou três times para jogar. A gente tem estar preocupado, porque a gente está massacrando os nossos jogadores. A verdade é essa. Só quem está no dia-a-dia sabe disso”, sentenciou.

Ao citar o lado das ciências do esporte, Muricy esteve amparado por dois especialistas: Antonio Carlos Gomes e José Luiz Runco. O primeiro, doutor pela Universidade Nacional de Educação Física da Rússia e mestre em Pedagogia do Treinamento Desportivo de alto rendimento, atualmente é consultor do Corinthians; já Runco é coordenador médico do Flamengo e da CBF (seleções principal e de base). E ambos também colocaram como empecilho para o exercício de suas funções a atrofia no período de preparação e recuperação dos atletas.

“Nós não vamos conseguir com esse calendário gerar um nível de excelência maior. A capacidade de captar o oxigênio do jogador começa a diminuir no mês de setembro. Na hora em que o campeonato começa a ferver, o jogador começa a perder essa capacidade devido à sequência de jogos frequentes, com pouco tempo de recuperação e treinamento”, elencou Gomes.

“É definitivamente na pré-temporada em que se faz uma série de atividades para dar mais subsídio ao treinador”, completou Gomes, que sugere como solução a otimização de tempo nesse período prévio às disputas oficiais, com dois meses para treinamentos e embasamento técnico-tático.

“Se você não tiver 30 ou 40 dias no mínimo para dar esse trabalho, é necessária uma revisão com muita tranquilidade. Acho que tem que dar lastro para que a coisa funcione”, confirmou Runco. “O jogador se machuca e no dia seguinte já vem a velha pergunta: ‘quando volta?’. Não é uma ciência exata”.

No Corinthians, em particular, mas que pode servir como parâmetro para os principais clubes da primeira divisão, foram realizados 64 jogos oficiais na temporada. Tal número, na avaliação de Gomes, indica que no mínimo haja um trabalho efetivo um dia antes e um dia depois do jogo.

“Então estamos falando de 192 dias envolvidos com competição. Com 30 dias que o camarada está descansando, sobrou para o sistema de treinamento 143 dias (referência ao ano). A exigência competitiva é maior que o tempo que nós temos para preparar. O sistema de competição é tão longo que a comissão técnica tem pouca possibilidade de preparar o grupo”, revelou Gomes.

A forma como vai ser operado o sistema de treinamento depende de cada equipe, de cada preparador, de cada técnico e de seus procedimentos. O alvo da comissão técnica é desenvolver os fatores técnico, tático, físico e psicológico. Mas uma situação é certa: “para termos espetáculos melhores, ou seja, jogos com mais qualidade e em nível de excelência, é necessário termos mais ensaios, treinamentos, preparo”, finalizou Gomes.

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Benê Lima