Alcides Scaglia
Permitir o ser humano se superar não está na comparação com o outro, mas na busca por autoconhecimento, logo, para isto, não existe nível de excelência exterior
Conversava com meus alunos da FCA (Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp), dizendo ser a pedagogia do esporte uma área do conhecimento em que muito se tem a fazer.
Dizia isto pelo motivo de agora termos que explicar tudo o que acontece no esporte a partir de um diferente ponto de vista, ou seja, não cabe mais explicar o esporte pelo viés cartesiano, em que a lógica positivista ditava as regras para o estabelecimento de metodologias (como a tecnicista) e atitudes, coadunando em uma didática rígida e marcada pela influência das correntes behavioristas.
Este novo ponto de vista tem gerado o que denomino novas tendências em pedagogia do esporte. E seus expoentes autores, como os portugueses Júlio Garganta, Isabel Mesquita, Amandio Graça, Vitor Frade, José Oliveira, Fernando Tavares, Duarte Araújo, entre outros e de outras nacionalidades, têm produzido conhecimentos importantes e relevantes para a superação da visão tradicional.
Nos últimos dias tenho voltado a ler dois texto que muito me inquietam, um é de um grupo de autores orientados pelo professor Júlio Garganta da Universidade do Porto, intitulado “Inteligência e conhecimento específico em jovens futebolistas de diferentes níveis competitivos”; e o outro é do professor Duarte Araújo da Universidade Técnica de Lisboa, que foi escrito exatamente para discutir o texto dos autores do Porto, seu título é “A auto-organização da acção táctica”.
Como o próprio título é auto-explicativo, o artigo da Universidade do Porto busca relacionar a inteligência geral com os conhecimentos específicos do futebol. Apesar dos resultados talvez não serem o que os autores estavam esperando, sua construção metodológica é muito interessante e sua revisão com 115 referências bibliográficas, conferem ao artigo um instigante objeto de estudo e, por seu problema central, a condição de referência principal para novos estudos.
Já o artigo de Duarte Araújo, por sua vez, apresenta-se como um excelente exemplo de discussão científica. Um embate teórico respeitável, em que fica evidente que a discussão acontece somente sobre a temática.
Além disso, o artigo destaca visões não semelhantes sobre uma mesma temática, devido às matrizes teóricas diferentes (não díspares) abordadas pelos autores, reforçando ainda mais que não existe verdade absoluta na ciência depois de Popper (somente para colocar um marco), pois a verdade se sustentará pelo rigor metodológico de sua investigação.
Contudo, com esta crônica, além de dizer que é imprescindível para os pedagogos do esporte do século XXI seu estudo, quero inquietá-los a partir das duas pertinentes perguntas do artigo de Araújo, que as considero como as perguntas, não para os autores que Araújo com seu texto critica, mas sim questões a serem esclarecidas por toda a comunidade acadêmica da área da pedagogia do esporte.
São elas:
(1) Qual a relação teórica entre inteligência geral, conhecimento do jogo e nível de competência para o jogo?
(2) Será a ação tática determinada cognitivamente?
Gostaria de acrescentar uma terceira, que muito me instiga desde o meu doutorado em 2003, quando iniciei meus estudos para tentar respondê-la, seria ela:
(3) Como se dá o processo de organização dos jogos?
Obviamente, estas questões não são simples e não podem ser respondidas apressadamente. Há que se construir métodos de investigação cada vez mais acurados, de modo a permitir um olhar mais próximo e nítido do problema.
Acredito que estas perguntas devam ser respondidas o mais rápido possível (importante salientar que não existe uma única resposta para cada questão), para que nós, metodólogos do esporte, possamos criar metodologias para o ensino e aperfeiçoamento do esporte com mais cuidados, e garantia de resultados mais confiáveis, evidentes e graduados, de modo a fazer do esporte algo que realmente permita a transcendência e a superação, independentemente do nível desta superação (permitir o ser humano se superar não está na comparação com o outro, mas na busca por autoconhecimento, logo, para isto, não existe nível de excelência exterior).
Como disse, venho perseguindo há mais de cinco anos tentar responder com mais rigor a terceira questão, contudo vejo as três interligadas por uma teia de complexas relações, sendo assim, elas também devem ser respondidas por uma teia de conhecimentos produzidos por uma rede de autores que, corajosos, se debruçam a estudar o esporte sob uma nova perspectiva.
Digo corajosos, pois convivemos num meio em que os “práticos” do esporte acreditam que tudo já foi respondido e não tem nada mais a se pensar, apenas se fazer, ou melhor, re-fazer sempre do mesmo modo, pois o esporte é ordenado e ordem traz progresso, como já persuade nossa bandeira nacional.
Mas, para além de possíveis rixas acadêmicas entre os vários autores das novas tendências em pedagogia do esporte, que podem criar contendas e “igrejas” entre cognitivistas e ecológicos, por exemplo, para tentar responder estas questões, devemos buscar a conciliação a partir das possibilidades advindas dos pressupostos do pensamento complexo, em consonância com os ditames do paradigma emergente.
Portanto, tenho encontrado nos estudos do professor João Batista Freire, em especial, um caminho para oferecer minha contribuição à comunidade da pedagogia do esporte. E estudando-o cheguei às obras de Rolando Garcia, talvez um dos mais importantes colaboradores de Piaget, segundo o professor Lino de Macedo (outra importante referência).
Dentre as obras de Garcia, acredito que “O conhecimento em construção: das formulações de Jean Piaget à teoria de sistemas complexos” uma boa referência para respondermos as questões levantadas por Duarte Araújo.
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Benê Lima